Conivência do Judiciário

Processo de alienação parental pode ser litigância de má-fé, afirma psicanalista

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4 de junho de 2016, 9h09

Spacca
A acusação de alienação parental, mesmo que inconsciente, é, muitas vezes, uma forma de litigância de má-fé. A tese é da psicanalista Giselle Groeninga, profissional que atua em perícias em casos judiciais de guarda de filhos. Ela aponta que, em muitos casos, uma das partes entra com processo de alienação parental para, na verdade, forçar um acordo mais financeiramente vantajoso de pensão alimentícia. Outra situação é alegar alienação com o objetivo de afastar o outro progenitor do filho. Ela identifica esse fenômeno como alienação com conivência do Poder Judiciário.

“O fenômeno da alienação parental foi identificado em uma época em que a guarda era unilateral, em geral atribuída às mães, e que, no caso, utilizavam a lei em sentido perverso  com finalidade diferente da que estava prevista. O Poder Judiciário era provocado pelos pais, para afastar, excluir e alienar. Assim, a alienação ocorria com o ‘aval’ da lei e do Poder Judiciário, em um verdadeiro abuso de poder afetivo materno”, afirma Groeninga.

Segundo a psicanalista, a mãe, figura de referência para a criança e da qual ela depende afetivamente, em alguns casos empreendia campanha de desqualificação, chegando à implantação de falsas memórias e denúncias de abuso sexual. “Este foi o fenômeno que Richard Gardner identificou e denunciou — a alienação inclusive com a 'conivência' inadvertida do Poder Judiciário. Um fenômeno que pode ser inconsciente, mas equiparável à litigância de má-fé”, diz.

Até a maior participação dos pais na educação e criação dos filhos, e que resultaram na lei da guarda compartilhada e na da alienação parental, ela afirma que era comum que tais situações fossem referendadas pelos operadores do Direito e mesmo pelos peritos.

Groeninga será uma das palestrantes da VI Jornada de Psicanálise e Direito, evento que acontece em São Paulo nos dias 10 e 11 de junho. O objetivo do encontro é promover a abordagem de problemas da área do direito familiar articulando pontos de vista legais e psicanalíticos, já que nesses casos há componentes comuns tanto à justiça como à psique das pessoas envolvidas. A juíza Andréa Pachá será uma das participantes.

Em entrevista à ConJur, a psicanalista fala sobre a interseção entre Direito e psicanálise e como as mudanças na legislação mudaram essa dinâmica.

Leia a entrevista:

ConJur – Quanto a Lei da Guarda Compartilhada alterou a dinâmica para o Direito de Família?
Giselle Groeninga – A lei alterou as relações no Direito de Família conscientizando quanto à importância do compartilhamento da responsabilidade entre os pais e, sobretudo, quanto à importância da convivência com ambos, o que já estava contido no Poder Familiar e no Estatuto da Criança e do Adolescente. A lei trouxe a necessária visibilidade. As mudanças ocorreram nem tanto nas famílias funcionais, mas sim naquelas em que as relações entre os pais, e destes com os filhos, estavam desequilibradas pelo divórcio ou dissolução da união estável, e mesmo naquelas famílias em que o casal conjugal nem chegou a se formar.

ConJur – A legislação chegou a mudar também a relação familiar em si?
Giselle Groeninga – Sim, pois a consciência dos direitos dos filhos e de cada um dos pais, e a possibilidade em buscar tais direitos no Poder Judiciário, trouxe maior segurança quanto ao equilíbrio de poder entre os pais. A lei diminuiu o medo dos pais em divorciar-se e “perder” os filhos, inclusive com uma mudança de domicílio. E, por parte das mães, diminuiu o medo de que os filhos fossem “abandonados” afetivamente por parte dos pais. Em suma, a guarda compartilhada trouxe mais segurança para a continuidade das relações entre pais e filhos e também é um dispositivo que previne a alienação parental.

 ConJur – De que forma a psicanálise pode colaborar com as decisões judiciais?
Giselle Groeninga – A psicanálise colabora para a compreensão das famílias disfuncionais, por exemplo, quanto às atribuições de quem exerce a função materna, a função paterna e quanto à importância da parentalidade. Aliás a parentalidade — relações complementares entre os pais — é um conceito que tem origem na psicanálise.
Além disso, admitir que os comportamentos também têm componentes inconscientes diminui os erros dos juízos e a atribuição de culpas. Estes atrapalham a compreensão e a solução das lides judiciais. A identificação dos aspectos subjetivos permite que se busque a necessária objetividade que deve pautar os encaminhamentos e as decisões judiciais.

 ConJur – A alienação parental tem sido mais debatida. A legislação brasileira está preparada para tentar combater ou pelo menos reduzir os impactos dessa prática?
Giselle Groeninga – A legislação é bastante avançada, sobretudo com o detalhamento de como devem ser realizadas as perícias. No entanto, a questão maior reside na identificação da alienação parental, que não se resume a um ou vários atos, mas é uma dinâmica de relacionamentos, com aspectos inconscientes. As decisões judiciais costumam ser ineficazes quando se tratam de fenômenos inconscientes, e é necessário identificá-los, sensibilizar aos pais e sugerir encaminhamentos.
A alienação parental pôs à mostra e é um alerta para o uso perverso que pode ser feito do próprio processo judicial com fins de alienação, à semelhança da uma litigância de má-fé, mesmo que inconsciente. E, paradoxalmente, o que se observa atualmente é também o mau uso da lei, em que a acusação de alienação parental é uma forma de pressão como, por exemplo, com relação aos alimentos.

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