Pretexto para violações

Resposta a tentativa de golpe na Turquia ameaça independência do Poder Judiciário

Autores

  • José Antonio Dias Toffoli

    é presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça.

  • Gilmar Mendes

    é professor do Instituto Brasileiro de Ensino Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) doutor em Direito pela Universidade de Münster (Alemanha) e ministro do STF.

  • Otavio Luiz Rodrigues Junior

    é conselheiro da Agência Nacional de Telecomunicações professor doutor de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e doutor em Direito Civil (USP) com estágios pós-doutorais na Universidade de Lisboa e no Max-Planck-Institut für ausländisches und internationales Privatrecht (Hamburgo). Acompanhe-o em sua página.

31 de julho de 2016, 11h01

[Artigo publicado na edição deste domingo (31/7) do jornal Folha de S.Paulo]

As notícias sobre a tentativa de golpe militar na Turquia causaram indignação em todo o mundo, dadas as naturais repercussões de uma ruptura da ordem democrática, em pleno século 21, em um país tão relevante no concerto internacional.

No entanto, a reação do governo turco merece veemente repúdio. Há quase 15 mil pessoas encarceradas, sem devido processo legal, formação de culpa ou ato judicial que lhes permita conhecer os fundamentos das prisões.

Em resposta ao malogrado golpe, autoridades judiciárias, militares e professores universitários foram presos e vêm sendo mantidos em condições subumanas, recolhidos em estádios e prisões improvisadas. São cenas que lembram práticas de ditaduras, não de governos democráticos em legítima reação a atos de insurgência. As democracias contemporâneas dispõem de meios de proteção sem o apelo a práticas dessa natureza.

Para que se tenha ideia da gravidade da situação, há juízes do Tribunal Constitucional, da Corte de Cassação e de vários tribunais de apelação presos ou com paradeiro desconhecido, sem falar em membros do Ministério Público, advogados e professores de direito, alguns deles conhecidos dos autores deste artigo.

Coincidentemente, muitas dessas pessoas promoveram ações, julgaram processos ou escreveram artigos denunciando casos de corrupção e restrições a direitos fundamentais na Turquia. Autoridades militares que foram presas, entre elas o comandante da Força Aérea, têm aparecido em fotografias com visíveis marcas de espancamento, o que põe em dúvida a legitimidade dos métodos utilizados pelo governo turco após o fracasso do golpe.

Qualquer ameaça à ordem democrática há de ser combatida com veemência. É legítimo o uso da força necessária para reagir a grupos que se levantam contra o Estado de Direito. Não se enfrentam ataques armados à democracia com flores. Nada justifica a insurgência de forças militares contra governos legitimamente constituídos.

Por outro lado, prisões em massa, inclusive de juízes, sem individualização de condutas, destituídas de provas, atentam brutalmente contra regras elementares de direitos humanos. É muito preocupante, ainda, a ameaça de restabelecimento da pena de morte para alcançar os supostos envolvidos na tentativa de golpe.

Não se deve admitir que um incidente como o ocorrido na Turquia possa servir de pretexto para agressões indiscriminadas a opositores políticos e a membros do Judiciário.

Nesse contexto, mostra-se urgente e necessária uma manifestação firme por parte da comunidade internacional. A Comissão de Veneza, órgão consultivo do Conselho da Europa sobre questões constitucionais, e outros organismos já foram acionados para denunciar os abusos cometidos pelo governo turco.

O Tribunal Superior Eleitoral, o Ministério das Relações Exteriores e a Associação dos Magistrados Brasileiros expediram comunicados em favor dos direitos fundamentais das pessoas presas ou desaparecidas.

O repúdio a tentativas de golpe não se transmuda, portanto, em tolerância a atos arbitrários de governos legítimos. É essencial o respeito às leis como forma de preservação do Estado de Direito.

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