Opinião

MP restringe benefício previdenciário sem prévio debate no Congresso Nacional

Autor

  • Gustavo Filipe Barbosa Garcia

    é livre-Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Especialista em Direito pela Universidad de Sevilla.

26 de julho de 2016, 8h20

A recente Medida Provisória 739, de 7 de julho de 2016, alterou os benefícios do Regime Geral da Previdência Social.

Na verdade, somente em casos de relevância e de urgência é que o presidente da República pode adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional (artigo 62 da Constituição Federal de 1988). A restrição a direitos previdenciários, os quais possuem natureza fundamental, gerando nítido retrocesso social, evidentemente, jamais poderia ser considerada matéria de caráter urgente.

Portanto, observa-se a manifesta inconstitucionalidade das recentes previsões voltadas a restringir o recebimento de direitos sociais, estabelecidas até mesmo sem a necessária legitimidade democrática decorrente do prévio diálogo com a sociedade, do debate com os interessados e da regular aprovação pelo Congresso Nacional.

Passou-se a prever que o segurado aposentado por invalidez pode ser convocado a qualquer momento para avaliação das condições que ensejaram o afastamento ou a aposentadoria, concedida judicial ou administrativamente (artigo 43, § 4º, da Lei 8.213/1991). É importante notar que o aposentado por invalidez e o pensionista inválido estão isentos do exame médico da Previdência Social após completarem 60 anos de idade (artigo 101, § 1º, da Lei 8.213/1991).

Além disso, sempre que possível, o ato de concessão ou de reativação de auxílio-doença, judicial ou administrativo, deve fixar o prazo estimado para a duração do benefício (artigo 60, § 8º, da Lei 8.213/1991). Na ausência de fixação desse prazo, o benefício cessará após o prazo de 120 dias, contado da data de concessão ou de reativação, exceto se o segurado requerer a sua prorrogação junto ao INSS, na forma do regulamento. Trata-se da chamada “alta programada”, anteriormente prevista apenas no Regulamento da Previdência Social (artigo 78, § 1º), ou seja, sem força de lei, e que não é aceita por parte da jurisprudência do STJ (REsp 1.563.601/MG), por ser nitidamente prejudicial aos segurados da Previdência Social no recebimento do auxílio-doença.

Da mesma forma que a aposentadoria por invalidez, o segurado em gozo de auxílio-doença, concedido judicial ou administrativamente, pode ser convocado a qualquer momento para avaliação das condições que ensejaram a sua concessão e a sua manutenção (artigo 60, § 10, da Lei 8.213/1991). Entretanto, a jurisprudência do STJ não tem admitido o cancelamento automático do benefício previdenciário, mesmo quando o segurado não comparece à nova perícia perante o INSS, por ser necessário o prévio procedimento administrativo, em consonância com os princípios do contraditório e da ampla defesa (REsp 1.597.725/MT).

Passou-se admitir a reabilitação profissional também para a mesma atividade que o segurado exercia anteriormente ao recebimento do auxílio-doença (artigo 62 da Lei 8.213/1991).

Foi instituído, por até 24 meses, o chamado Bônus Especial de Desempenho Institucional por Perícia Médica em Benefícios por Incapacidade (artigo 2º da Medida Provisória 739/2016). Esse BESP-PMBI corresponde ao valor de R$ 60 por perícia realizada. Espera-se que a previsão sobre a possibilidade de realização das perícias médicas em forma de mutirão (artigo 9º, inciso III) não acarrete maiores prejuízos e injustiças aos segurados, tendo em vista que o exame pericial de cada caso, naturalmente, deve ocorrer com os cuidados necessários.

Por fim, foi revogado pela Medida Provisória 739/2016 o dispositivo legal que tratava da chamada carência de reingresso (parágrafo único do artigo 24 da Lei 8.213/1991). Observa-se a intenção de não mais se admitir o cômputo das contribuições previdenciárias anteriores à perda da qualidade de segurado quanto a certos benefícios (auxílio-doença, aposentadoria por invalidez e salário-maternidade em certos casos), o que é extremamente prejudicial ao segurado.

Pode-se dizer que não é constitucionalmente válido desconsiderar as contribuições anteriores à perda da qualidade de segurado, pois o sistema previdenciário, segundo determinação constitucional, tem caráter contributivo (artigo 201 da Constituição Federal de 1988). Embora o acesso às prestações previdenciárias exija o recolhimento de contribuições sociais, não se pode invalidar o período contributivo existente, ainda que anterior à eventual perda da qualidade de segurado, nem mesmo para fins de carência, sob pena de enriquecimento indevido do Estado e de manifesta injustiça social. De todo modo, cabe salientar que a perda da qualidade de segurado não é considerada para a concessão das aposentadorias por tempo de contribuição, especial e por idade (artigo 3º da Lei 10.666/2003).

Em síntese, é imprescindível que os Poderes da República, ao tratarem de matérias pertinentes à Seguridade Social, respeitem a determinação constitucional de que a ordem social tem como base o primado do trabalho e como objetivo o bem-estar e a justiça social (artigo 193 da Constituição Federal de 1988).

Autores

  • é livre-Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Especialista em Direito pela Universidad de Sevilla. Pós-Doutorado em Direito. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, Titular da Cadeira nº 27. Membro Pesquisador do IBDSCJ. Professor Universitário em Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito. Advogado e Consultor Jurídico. Foi Juiz do Trabalho das 2ª, 8ª e 24ª Regiões, Procurador do Trabalho do Ministério Público da União e Auditor Fiscal do Trabalho.

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