Olhar Econômico

Lei, doutrina e jurisprudência sobre pessoas jurídicas influenciam-se na prática

Autor

  • João Grandino Rodas

    é sócio do Grandino Rodas Advogados ex-reitor da Universidade de São Paulo (USP) professor titular da Faculdade de Direito da USP mestre em Direito pela Harvard Law School e presidente do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes).

14 de julho de 2016, 8h05

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Devem ser estudadas, a partir de suas origens, a lei, a doutrina e a jurisprudência, comparando-se vários ordenamentos jurídicos, para se conhecer, cientificamente, como as teorias sobre as pessoas jurídicas operam na prática[1]. Os pródromos dessa prática, até 1914, na Bélgica, na França, na Itália, no Reino Unido, nos Estados Unidos e no Brasil, base de todo desenvolvimento futuro, são a seguir expostos e a final comparados. Períodos posteriores merecerão consideração oportunamente.

A Corte de Cassação belga, após reconhecer pioneiramente, em 1847, (caso Compagnie la France c. Tongre Hambursin), o acesso ao Judiciário belga às sociedades que, embora legalmente estabelecidas em país estrangeiro, não pos­suíssem autorização do governo belga, retrocederia posteriormente. Por meio dos arestos Assurances Générales de Paris c. Ruelens (1849) e Tonneel c. la Société D’Assurances la France (1851), deu guarida à corrente doutrinária de Arntz, Bastine e Bartels, fechando as portas do Judiciário às sociedades anônimas estrangeiras não autorizadas pelo governo. Essas decisões influenciaram a jurisprudência francesa, que passou a agir no mesmo sentido. Provocaram, ademais, mudanças legislativas na Bélgica — lei de 14 de março de 1855 — e, posteriormente, na França — lei de 30 de maio de 1857; ambas no sentido de que, sob reciprocidade, sociedades do outro Estado poderiam exercer direitos e pleitear em juízo.           

A legislação belga, a começar com a lei de 18 de maio de 1873, cuja essência foi mantida por leis sucessivas, avançou para o reconhe­cimento automático das sociedades constituídas no exterior. Ressalte-se, tam­bém, o dispositivo segundo o qual é submetida à lei belga a sociedade cujo principal estabelecimento se situe nesse país, inobstante sua constituição tenha sido no exterior.

Três precedentes jurisprudenciais são dignos de nota: (a) Compagnie Financière Belge-Française (1903): estabeleceu ser domicílio atributivo de nacionalidade a uma sociedade o local de onde os seus negócios são dirigidos, e não o de seu estabelecimento comercial; (b) Desier c. “La Mutuelle de France et des Colonies” (1904): asseverou o direito de sociedade estrangeira estar em juízo na Bélgica, a despeito do não cumprimento de exigências de publicidade; e (c) Sopron c. Société Anonyme d’Eclairage de Clausenbourg (1911): afirmou que o reconhecimento de sociedade estrangeira tinha como limite a ordem pública belga.

No período em questão, a jurisprudência belga assumiu posições mais avançadas que a doutrina e, no momento em que aquela, voltando atrás, com esta se conformou, acabou por provocar a edição de textos legais que trilharam a linha inicialmente seguida pela jurisprudência.

Na França, o artigo 3º do Código Civil embasava a existência legal das sociedades em nome coletivo e em comandita. Entretanto, o artigo 37 do Código Comercial de 1807 exigia autorização governamental para criar uma sociedade anônima. A inexistência de regra legal sobre reconhecimento de sociedades constituídas no exterior deixava livres tanto o Executivo quanto o Judiciário, que acabaram por percorrer caminhos opostos: para aquele, o reconhecimento do governo francês era indispensável para a existência legal de sociedade anônima estrangeira; para este, a formalidade acima não era necessária, havendo o reconhecimento puro e simples.

A jurisprudência francesa mudaria com a lei de 30 de maio de 1857, que, em resposta à lei belga de 1855, estabeleceu que as sociedades comerciais constituídas na Bélgica seriam reconhecidas na França. As sociedades anônimas não belgas somente seriam reconhecidas se houvesse decreto ou tratado. Exemplo disso é o caso Caisse Franco-Suisse c. Ramillon (1860). Contudo, o medo de que as sociedades estrangeiras não reconhecidas se furtassem ao julgamento de tribunal francês levou ao reconhecimento parcial, sob a forma de concessão de capacidade postulatória passiva: caso Société Anglo-Française de Saint Gaudens (1863).

Embora a lei francesa não forneça critérios norteadores para se estabelecer o vínculo de uma sociedade com determinado Estado, a jurisprudência, desde o século retrasado, vem-se servindo do conceito de nacionalidade aplicada às socie­dades: caso Grafton et Cie. c. Noirel (1883). Inicialmente, sufragava vários critérios — centro de exploração (caso Crédit Foncier International – 1880), sede social (caso Société du Débarcadère de Cadix – 1870) e lugar da constituição (caso Chandora – 1881); tendo chegado a certo grau de unanimidade em torno do critério da sede social (casos Bcrrizbetia – 1899 e West Canadian Collieries – 1908), a partir de 1890.

Inicialmente, a aceitação pela doutrina, do princípio da sede social, não foi tão maciça.

Com o intuito de esconjurar a sede fictícia, a jurisprudência passou a verificar circunstâncias colaterais: local de gerência, origem do capital, nacionalidade dos fundadores e associados, particularidades da constituição da sociedade e lugar da emissão de ações. Tudo isso na busca da sede real, efetiva e séria (caso Société la Construction Limited de La Chapelle – 1896, e o caso Société “The Moulin-Rouge” Limited – 1912).

Foram tendências da doutrina da época: (a) comparativamente com a jurisprudência, não houve aceitação tão densa do princípio da sede social; (b) já se contesta a aplicação do conceito de nacionalidade à pessoa jurídica (Demogue, Vareilles-Sommières e Pillet).

A lei sarda de 1853, que se tornou lei italiana após a unificação, exigia das sociedades estrangeiras anônimas e em comandita por ações ao portador, para que pudessem operar no Estado, autorização governamental e aprovação dos estatutos. Tais formalidades não eram necessárias, quando se tratasse de socie­dades em nome coletivo, em comandita simples ou por ações nominativas.

A Lei 4.387, de 1860, reproduziu o conteúdo das leis belga e francesa, respectivamente, de 1855 e 1857. Com base na Lei 4.387, eram exarados decretos de habilitação em que se constatava a existência jurídica da sociedade, habilitan­do-a a gozar das vantagens dessa mesma lei. Sendo o decreto de habilitação apenas declarativo, concluía a jurisprudência pela validade de contratos que seus administradores haviam celebrado (caso Balero – 1886 e 1889).

O Código de Comércio de 1882 adotou o princípio do reconhecimento das sociedades estrangeiras, ficando as discussões jurisprudenciais circunscritas às questões colaterais ao reconhecimento: (a) operações individuais que não impli­cassem exercício de finalidade social eram válidas, inobstante o não cumprimento das formalidades do artigo 230 do Código de Comércio, podendo o representante da sociedade estrangeira postular perante tribunais italianos caso Società di Saint Gobain – 1905); (b) sociedade estrangeira com representação na Itália podia estar em juízo a despeito do não cumprimento das formalidades do artigo do Código de Comércio (caso Società delle Macchine Grafiche – 1905).

Entre as tendências da jurisprudência da época inscrevem-se as seguintes: pessoas jurídicas, reconhecidas legalmente, são equiparadas às pessoas físicas, sendo-lhes aplicáveis, em princípio, as regras de sucessão próprias às primeiras; aplicabilidade do artigo 3º do Código Civil, que estende ao estrangeiro o gozo dos direitos civis concedidos aos cidadãos, às pessoas jurídicas.

No Reino Unido, a existência ficta da corporação, consagrada no caso Sutton’s Hospital (1612), manteve-se até o começo do século retrasado, quando o realismo, que empresta caracteres de pessoas à corporação, passou a imperar (casos Salomon and Co. – 1896 e The Australasian Temperance – 1892).

Desde inícios do século XVIII, com base na cortesia internacional, a jurisprudência inglesa vem reconhecendo a existência de corporações estrangeiras, atribuindo-lhe jus standi ativo (casos Dutch West India e Henriquez). A capacida­de postulatória passiva viria a ser reconhecida no final do século XIX (caso Newby – 1872). Marco contemporâneo desse reconhecimento é o caso De Beers Conso­lidated Mines (1906), em que se afirmou a possibilidade de a corporação estrangeira estar plenamente em juízo, contratar e fazer seus negócios no Reino Unido.

O Direito inglês reconhece: (a) a constituição de uma corporação feita segundo legislação estrangeira (caso Dreyfus – 1929); (b) declaração de cessação feita pelo mesmo direito (caso Lazar Brothers and Co. – 1932); bem como, (c) o direito de uma corporação estrangeira fazer o seu objetivo social no Reino Unido (caso Bateman – 1881).

Embora o direito pessoal da corporação na sistemática inglesa dependesse do domicílio, o que minimiza na common law o papel da nacionalidade, existe a regra de que a nacionalidade da corporação é a do país de sua incorporação (caso Janson – 1902).

A residência da corporação, para fins tributários, foi tida como sede de negócios da companhia, de onde seus negócios são controlados, e não onde possui unidades fabris ou onde tem seu comércio (casos Cesena Sulphur – 1877 e American Thread Company – 1913).

Embora uma companhia não seja citizen, na acepção com que esse termo foi usado na Constituição norte-americana, pode-se habilitar aos direitos a ele relativos, por intermédio de seus membros que o sejam (casos Bank of the United  States – 1809 e St. Louis and San Francisco Railway Co. – 1896). Mesmo não sendo citizen, é person, gozando assim as garantias que tanto a Constituição dos Estados Unidos como as dos Estados-membros outorgam às pessoas (caso Pembina Consolidated – 1888).

A common law norte-americana seguiu, como a britânica, no tocante à corporação, por largo tempo, a teoria da ficção. Entretanto, partindo de tal teoria, concluiu pela sua inexistência fora das fronteiras do Estado ou país de sua constituição (caso Bank of Augusta – 1839). A nacionalidade de uma corporação deriva do Estado ou país de sua incorporação (caso Society for the Propagation of the Gospel). Uma companhia tem seu domicílio no Estado de sua criação, e não possuindo existência jurídica fora do mesmo, está impossibilitada de adquirir outro domicílio ou residência, mesmo efetuando negócios alhures (caso Bergner & Engel – 1898). Pelo mesmo fundamento, é-lhe defeso fazer atos societários em locais alheios ao Estado ou país de sua constituição (caso Miller).

Relativamente à jurisdição, evolui-se da impossibilidade de se processar uma corporação fora de seu Estado de origem (caso Myers – 1870) para a obrigação imposta à sociedade estrangeira, antes de negociar, de submeter-se expressamen­te ao Judiciário local (caso The Lafayette Insurance Co. – 1855 e Ex Parte Schollenberger – 1887); e, finalmente, para a regra de que poderia ser encontrada e citada no lugar em que negociasse (caso Wilson Packing Co. – 1879).

A jurisprudência admitia a possibilidade de um Estado, por lei, fixar condições para que companhia estrangeira agisse em seu território ou mesmo tivesse proibida qualquer ação (caso Horn Silver – 1892).

Nas reuniões científicas e nos congressos, houve consenso quanto à necessi­dade de se reconhecerem as sociedades anônimas estrangeiras, tanto para fim de comparecimento à Justiça, quanto para fazer operações e estabelecer sucur­sais, desde que neste último caso se observassem formalidades de publicidade.

A seção do Institut de Droit International recomendou, ademais, aos Estados, a adoção de regra segundo a qual o funcionamento das sociedades anônimas, inclusive obrigações e responsabilidades de seus representantes, fossem regidos pela lei do país de origem, quer dizer, o de sua sede social efetiva.

Os Congressos Internacionais de Sociedades por Ações de 1889 e 1900 asseveraram respectivamente: (a) que toda sociedade possui nacionalidade, a ser determinada pela lei do lugar da constituição, local este onde deve ser fixada a sede social; e (b) que o critério determinador da nacionalidade é seu principal estabelecimento ou sede social estatutária, desde que real.

Segundo o Congresso da Sociedade de Legislação Comparada de 1900, a sociedade recebe a nacionalidade do país em que se domicilia. Não houve unanimidade quanto ao conceito de domicílio: local da exploração principal ou sede social, ou seja, sua administração e centro de vida jurídica.

No Brasil, no que tange à interferência governamental na criação da sociedade anônima, evoluiu-se da sujeição da incorporação à autorização e aprovação dos instrumentos pelo governo (Decreto 575, de 1849) até a desnecessidade da autorização como regra geral (Lei 3.150, de 1882; Decreto 164, de 1890 e Decreto 434, de 1891). Já quanto à sociedade anônima estrangeira, terminando o silêncio legal (Decreto 575, de 1849 e Código Comercial de 1850) sobre as sociedades anônimas que desejassem funcionar no país, estabeleceu-se a necessidade de autorização governamental para o tal funcionamento (leis 1083, de 1860 e 3.150, de 1882; decretos 164, de 1890 e 434, de 1891).

Recorde-se a ênfase na doutrina no sentido de que, no Brasil, desde o Império, reconhecia-se implicitamente a personalidade de uma sociedade criada em consonância com lei estrangeira, cabendo ao governo apenas autorizar ou não o seu funcionamento no país.

Quanto à personalidade, o Código Comercial de 1850 não corporificou as sociedades comerciais, vez que, na época, ainda não se havia desenhado o conceito de pessoa jurídica. Assim, coube à doutrina e à jurisprudência estabele­cer o reconhecimento da personalidade das sociedades comerciais, influenciando inclusive as leis posteriores.

Relativamente à nacionalidade, tal questão é tratada em leis relativas à navegação, e parte dos critérios para que se considere nacional um navio — ser propriedade de brasileiro ou de sociedade com sede no Brasil, gerida por brasileiros, além de ser navegado por brasileiro, com dois terços da equipagem da mesma nacionalidade (Decreto 123, de 1892) —, para uma explicação das características que tornam nacional uma sociedade (decretos 2.034, de 1896 e 10.524, de 1913).

Os aspectos dignos de nota quanto à doutrina são os seguintes. A ideia de Pimenta Bueno no sentido de que as pessoas morais são criaturas fictícias consentidas pela lei, não possuindo existência jurídica fora do país de constitui­ção, a menos que haja autorização, insere-se no contexto da época remota em que escreveu e publicou (1863). Há paralelismo entre as posições de Carlos de Carvalho e Rodrigo Octavio: nacionalidade das pessoas jurídicas decorre da soberania que originalmente lhe deu personalidade e será mantida enquanto permanecer o mesmo domicílio; a nacionalidade das pessoas físicas componentes não é relevante.

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Vários órgãos confirmam a atribuição de personalidade jurídica às socieda­des civis (Tribunal de Justiça de São Paulo: Apelação 1.697 e Agravo 1.101, de 1897; Tribunal de Apelação da Bahia: apelação civil, julgada em 1895). O mesmo se diga referente às sociedades comerciais (Tribunal de Relação do Rio de Janeiro: agravo de instrumento julgado em 1884 e Revista Crime 2.570, julgada em 1886; Tribunal de Apelação da Bahia: embargos julgados em 1901; Tribunal de Relação de Minas: Agravo de Instrumento 362, de 1899; Corte de Apelação do Rio de Janeiro: apelação civil julgada em 1898, Apelação Comercial 5, de 1905, Agravo 1.004, de 1907, agravo de petição de 1909, embargos de 1907 e embargos de nulidade e infringentes do julgado de 1914).

A questão da admissão de sociedade estrangeira em juízo sofreu, na jurisprudência, uma evolução nem sempre linear.

A princípio, reconheceu-se a competência do juízo brasileiro e, a fortiori, capacidade postulatória de sociedade anônima, sem autorização para funcionar no Brasil, mas com gerente residente (Agravo Comercial 7.203, de 1889, Tribunal de Relação do Rio de Janeiro). No ano seguinte, considerou-se, embora por maioria, que sociedade anônima estrangeira, sem autorização no Brasil, não possuía personalidade jurídica no país, não tendo consequentemente capacidade postulatória ativa (Revista Comercial 11.136, de 1890, Supremo Tribunal de Justiça). Posteriormente, deu-se à citação do representante de sociedade anônima não autorizada o condão de abrir à mesma ingresso em juízo (agravo de 1907, Supremo Tribunal Federal). A seguir, reforçando-se o precedente de 1890, afirmou-se que a autorização para funcionar dá à sociedade estrangeira a qualidade de pessoa jurídica e jus standi (embargos de 1908 — Supremo Tribunal Federal). Finalmente, admite-se que as sociedades anônimas independem de reconhecimento para poderem demandar e serem demandadas perante tribu­nais brasileiros (ação ordinária de 1908, 2ª Vara Federal do Distrito Federal).

Interessa, por fim, realçar a definição jurisprudencial de domicílio de que sociedade comercial é o lugar de seu principal estabelecimento, entendido este como sinônimo de sede social, pois ambos mostram a sede de administração da sociedade (agravo de 1906, Corte de Apelação do Rio de Janeiro).

Passando-se às comparações dos países estudados, verifica-se que, por volta da metade do século retrasado, a teoria da ficção e seu corolário da necessidade de reconhecimento nos outros Estados, ao menos com referência às sociedades anônimas, imperavam na Bélgica, na França, na Itália e nos Estados Unidos. Nessa época, o Reino Unido já havia superado tal fase e, imersa no realismo, por cortesia internacional, reconhecia a existência de corporações estrangeiras. Nas reuniões científicas e nos congressos havidos em fins do século retrasado e inícios do passado, propugnou-se pelo reconhecimento das sociedades estrangeiras. No Brasil, consoante a doutrina, havia reconhecimento implícito da personalidade de sociedade estabelecida conforme a lei estrangeira. Inexistente no Código Comercial de 1850, o conceito de personalidade foi impulsionado pela doutrina e pela jurisprudência, alcançando guarida nas leis posteriores.

O conceito de nacionalidade aparece bem delineado na jurisprudência belga e francesa. Na italiana, embora muitas sejam as referências ao reconheci­mento de sociedade estrangeira, não se chega a fazer uso do termo nacionalidade. Para o Reino Unido e para os Estados Unidos, o relevante no tocante às corporações são o domicílio e a residência, embora haja a regra de que a nacionalidade da mesma derive do Estado de sua incorporação. Nas reuniões científicas e nos congressos, em que a influência dos países de direito continental preponderava, chega-se à afirmativa de que toda sociedade possui uma nacionalidade, que é determinada, quer pela lei do lugar da constituição, onde obrigatoriamente esteja a sua sede social, quer pelo local de seu principal estabelecimento. No Brasil. há referência à nacionalidade, embora em leis relacionadas à navegação, já se mencionando aspectos ligados ao controle. Além da sede no Brasil, havia exigência de nacionalidade brasileira com relação à gerência e parte da equipa­gem. A doutrina realça a nacionalidade como decorrente da ordem jurídica, segundo a qual a sociedade constitui-se, deixando clara a não relevância da nacionalidade das pessoas físicas componentes da mesma.

O fechamento das portas do Judiciário, operado na Bélgica, por força de arestos de meados do século retrasado, provocou a edição de leis, na própria Bélgica, na França e na Itália, acerca do reconhecimento — sob condição de reciprocidade — de sociedades estrangeiras, mormente para fins de postulação em juízo. Essa legislação, nesses países, evoluiu após para o reconhecimento automático. Não se nota influência do ocorrido, no Reino Unido e nos Estados Unidos. É provável que a tendência verificável nos três países supracitados tenha influenciado a jurisprudência brasileira relativa à admissão de sociedade estrangeira em juízo[2].

Em conclusão, o desenvolvimento tanto da doutrina quanto da jurisprudência brasileiras da época seguiu pari passu as europeias de direito continental. Note-se o pioneirismo brasileiro no tocante à já citada posição favorável à doutrina do controle.


[1] Ver Rodas, João Grandino. Em seu conjunto, as teorias desvendam a pessoa jurídica; e As teorias ajudam a interpretar as leis sobre pessoa jurídica, revista eletrônica Consultor Jurídico, respectivamente, 17 e 2 de junho de 2016.
[2] Rodas, João Grandino, Sociedade Comercial e Estado, Editora Saraiva, São Paulo, 1995, p. 29/98.

Autores

  • Brave

    é professor titular da Faculdade de Direito da USP, juiz do Tribunal Administrativo do Sistema Econômico Latino-Americano e do Caribe (SELA) e sócio do escritório Grandino Rodas Advogados.

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