Reforma do CPP

Democracia precisa ser incorporada ao processo penal, diz sociólogo

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13 de julho de 2016, 19h34

A democracia e a Constituição de 1988 precisam ser incorporadas ao processo penal brasileiro para garantir o respeito às garantias individuais e fundamentais na gestão dos conflitos criminais, segundo o advogado e sociólogo Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo, professor e pesquisador da PUC-RS. “Estamos com 28 anos da Constituição de 88 e não conseguimos implementar a democracia no âmbito do processo penal”, disse, durante mais uma audiência pública na Câmara, nessa terça-feira (12/7), que debateu o projeto em tramitação no Congresso para reformar o Código de Processo Penal. A legislação em vigor hoje é de 1941, apesar de ter passado por algumas reformas pontuais.

Para o sociólogo, o processo penal está em crise e isso é refletido cotidianamente nas salas de audiências, prisões e na sociedade. Ele classificou o atual CPP como “inquisitivo” e “superado”, o que contribui para que a sociedade resolva os conflitos de forma violenta. Para ele, a legislação também ajuda para o aumento da sensação da impunidade porque trabalha formalmente com a ideia de que todos os crimes devem ser investigados, processados e julgados. Por esse motivo, o novo código deveria adotar o princípio da oportunidade, disse Ada Pellegrini Grinover, processualista e professora da USP, durante a audiência. Para ela, é o que já acontece na prática hoje, porque a polícia “esconde” inquéritos que não “interessam”, e o Ministério Público faz algumas denúncias de maneira a proporcionar a prescrição.

Ao fazer uma análise geral do projeto que saiu do Senado e está agora na Câmara, a processualista diz “lamentar” que o Brasil tenha perdido a oportunidade de fazer um código “efetivamente” novo e adversarial, que tem como partes o MP, a defesa e a vítima. “O processo brasileiro é escrito, pesado, burocrático, demorado e ineficaz.” Deu como exemplo de renovação o Código de Processo Penal chileno. Lá, segundo ela, o processo é oral e feito por meio de audiências presididas por juízes de garantia, que depois não julgam o processo. Não há, portanto, juiz natural, mas juízo natural. “Isso afasta o mito do juiz natural.” Segundo Ada, quando o processo é muito complicado, a duração média é de seis meses. Nos casos mais simples, dura cem dias.

No projeto que os deputados estão analisando atualmente, o juiz das garantias não recebe a denúncia. Esse papel fica a cargo do juiz que julgará o processo. Para a processualista, porém, o juiz responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos fundamentais do acusado também deve cuidar do recebimento da denúncia, porque teve contato direto com as investigações. “O juiz que julgará o caso não pode ter contato nenhum com o que foi feito nas investigações.”

Ada deu outras sugestões durante sua participação na audiência pública para aprimorar o projeto. Uma delas foi a de fortalecer o agravo, que está no artigo 475, que poderia ter efeito suspensivo, como regra geral, na aplicação de medidas cautelares pessoais. O efeito só poderia ser retirado pelo relator do caso se ele demonstrar e fundamentar que há periculum libertatis. Segundo a redação atual do artigo no projeto, o agravo terá efeito suspensivo quando, a critério do relator e sendo relevante a fundamentação do pedido, a decisão que puder resultar lesão irreparável ou de difícil reparação. “Se o relator conseguir provar que há esse perigo em um prazo de no máximo 30 dias, durante o qual é mantido o efeito suspensivo, o agravo é julgado pelo colegiado. Isso é tão eficaz quanto um Habeas Corpus.” A processualista se diz “cansada” de ver uma jurisprudência no Supremo Tribunal Federal de aceitar o HC como substitutivo de recurso extraordinário.

Em relação ao artigo 245, que trata das interceptações telefônicas, Ada afirmou que a redação atual do projeto deixa os advogados de defesa em segundo plano num incidente processual que é “totalmente inquisitório”. Ela defende que seja estabelecido um prazo razoável e proporcional em relação ao tempo de gravação, após o levantamento do sigilo do material, para que a defesa tenha tempo para extrair elementos defensivos. Diz ainda que o texto deve ter também dispositivo que trate sobre as escutas ambientais. 

Antônio de Padova, procurador de Justiça e presidente do Instituto de Ciências Penais, criticou também alguns pontos do projeto durante sua exposição na audiência. Segundo ele, os senadores fizeram uma mudança no texto original que tirou o controle do pedido de arquivamento do processo pelo MP e colocou sob responsabilidade do Judiciário. Para Padova, o controle dos arquivamentos deve ser feito pelo MP, a partir da provocação da vítima, por câmaras criadas para esse fim dentro da instituição ou pelo Conselho Nacional do Ministério Público, como ocorre nos casos de arquivamento de inquérito civil público.

Ele falou ainda sobre o artigo que permite ao procurador-geral da República invocar, perante o Superior Tribunal de Justiça, o deslocamento de competência de processos em tramitação na Justiça estadual para a federal em caso de grave violação dos direitos humanos. O parágrafo 3º do artigo 122 diz que órgãos ou entidades, “mesmo quando não tenham interesse estritamente jurídico” na questão, podem se manifestar sobre o pedido de deslocamento. A decisão para admitir a participação dessas entidades é do relator no STJ que assumir o caso. Padova afirma que os legisladores devem definir melhor os motivos ou interesse dessas entidades serem admitidas para se manifestar nessa parte do processo.

Sobre prazos processuais, Padova sugeriu que o novo CPP adote como parâmetro a contagem dos prazos em dias úteis, conforme estabelecido pelo Código de Processo Civil atual. A redação atual do projeto diz que os prazos serão contínuos. No artigo 140, que trata dos prazos judiciais, ele diz “sentir falta” de sanções quando o magistrado descumprir as regras. Na opinião de Padova, a redação do parágrafo 3º do artigo “abre a possibilidade para descumprimento do prazo e faz letra morta aos prazos processuais atribuídos ao magistrado”. O parágrafo diz que o juiz poderá exceder por igual tempo os prazos fixados pelo CPP, em qualquer instância, se houver “motivo justo”.

Caso de polícia
Na opinião do sociólogo Rodrigo Ghiringhelli, a reforma do processo penal poderá ser inócua se não houver também, em paralelo, uma mudança das polícias brasileiras. O tema, segundo ele, conecta-se “diretamente” com a questão da investigação criminal e do processo penal. “As coisas não podem ser pensadas de forma desconexas. A Câmara e o Senado deverão em algum momento romper com o debate corporativo e enfrentar a questão da reforma da polícia no Brasil.”

O sociólogo afirma ainda que a figura do delegado de polícia deve ser repensada no Brasil. Para ele, o delegado dá à investigação criminal “um caráter bacharelesco, burocrático e jurídico” sem paralelo no mundo todo. Por esse motivo, explica, a polícia investigativa tem “natureza cartorária”, é acumuladora de inquéritos em arquivos e pouco eficiente na investigação criminal.

Segundo Ghiringhelli, o modelo chileno de polícia era muito parecido até a reforma do processo penal que ocorreu no país no início dos anos 2000. Havia uma polícia militar, os “carabineiros”, e a Polícia Civil, a de “investigaciones”. Após a reforma, os carabineiros foram paulatinamente adquirindo competência em matéria de investigação criminal e hoje é uma polícia de ciclo completo, que investiga e patrulha. Já a polícia de “invesitgaciones” se especializou e atua para combater o crime organizado, investigar homicídios e a criminalidade complexa. Ele conta que houve uma profunda mudança na formação dos carabineiros e também de estrutura, reduzindo as hierarquias dentro da corporação. E o MP assumiu as atribuições de coordenação da investigação criminal. Ou seja, determina qual polícia vai fazer a investigação. Encerrada a investigação, encaminha a denúncia para o juiz. 

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