Sinal de alerta

Carf filma reuniões com advogados dos contribuintes e "cerca" conselheiros

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13 de julho de 2016, 7h45

Depois da operação zelotes, advogados que representam contribuintes no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) têm encontrado novos desafios para defender suas causas no colegiado. Alguns só conseguem falar com conselheiros no corredor — quando os julgadores dão uma pausa das sessões para ir ao banheiro — ou precisam resumir a conversa durante breves minutos na própria sala do julgamento, se não houver “fila” de outros colegas. Há conselheiros que até aceitam o encontro, desde que gravado em vídeo e na presença de testemunhas.

Na Câmara Superior, onde são julgados recursos contra decisões das turmas, uma corda azul passou a restringir o acesso de advogados aos membros do grupo. Enquanto alguns profissionais consideram a medida adequada, para evitar tumulto, outros entendem que é mais uma maneira de distanciar a categoria.

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Cordão azul passou a restringir acesso de advogados a membros da Câmara Superior.
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O clima de cautela tem sido frequente desde que o Carf mudou procedimentos e decidiu se reinventar, após a operação zelotes apontar vendas de decisões.

O colegiado suspendeu suas atividades por quatro meses e retomou os julgamentos somente no final de 2015. Retornou com mudanças no Regimento Interno e tentativas de impedir que qualquer conversa com advogados seja mal interpretada.

A revista Consultor Jurídico ouviu dez profissionais que atuam constantemente em ações no Carf, seis sob condição de anonimato. A maioria afirma que em nenhum momento foram criadas regras explícitas para disciplinar a forma como os conselheiros devem atender. A seccional da Ordem dos Advogados do Brasil no Distrito Federal já encaminhou ofício ao conselho pedindo para que a classe seja melhor recebida.

O presidente da Comissão de Prerrogativas da entidade, Cléber Lopes de Oliveira, adota discurso duro contra o sistema atual. “O Carf está vivendo um período de exceção, em que o advogado se tornou uma espécie de leproso. Problemas do passado precisam ser apurados, e os responsáveis devem se punidos, mas é preciso que a vida institucional siga de maneira republicana.” Ele afirma que, caso dirigentes do colegiado não demonstrem “sensibilidade”, a comissão poderá adotar até mesmo medidas judiciais para defender prerrogativas.

Sem calma
“De fato, essa viabilidade de sentar com o conselheiro, conversar com calma e mostrar documentos está muito difícil, não temos hoje, na prática. Isso dificulta muito nosso trabalho e também do conselheiro, que muitas vezes não fica ciente de todos os detalhes do caso”, avalia o tributarista Fábio Pallaretti Calcini, sócio do Brasil Salomão e Matthes e ex-membro do Carf.

Para falar com o relator de algum processo, ele procura pela sessão mais próxima do conselheiro e aguarda para conseguir minutos de atenção, na própria sala ou no corredor. Outro advogado, que não quis ser identificado, já adotou até uma estratégia nesses momentos: aborda o conselheiro no momento em que ele retorna do banheiro — nunca antes, para evitar pressa e distração.

Um terceiro advogado não teve a mesma sorte. Tentou falar com dois relatores representantes dos contribuintes, mas ambos pediram desculpas e disseram que as manifestações só poderiam ser feitas nos autos dos processos. Se antes da zelotes alguns profissionais conseguiam despachar com conselheiros da Receita e dos contribuintes até fora de Brasília, no local de trabalho de cada um, agora nem é possível enviar e-mail diretamente ao conselheiro — a recomendação é encaminhar à secretaria da turma.

Sorria, você está sendo filmado
Para audiências com integrantes da Câmara Superior, ficou comum a companhia de uma câmera para registrar a conversa. O presidente da Comissão de Prerrogativas da OAB-DF, Cléber Lopes de Oliveira, considera a medida inócua, pois, hipoteticamente, alguém interessado em cometer irregularidade poderia gravar a conversa lícita e negociar benefícios depois, em outro local. 

Valter Zica
Presidente da Comissão de Prerrogativas da OAB-DF, Cléber Oliveira, afirma que gravar advogados é inócuo.
Valter Zica

O tributarista Roberto Quiroga Mosquera, do Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr e Quiroga Advogados, já passou pelo procedimento em uma sala de reunião próxima à da presidência do Carf.

Ele afirma que a iniciativa não existe em nenhum outro órgão julgador do país, mas ressalta que foi bem tratado e que não vê constrangimento na prática. “É um momento de insegurança por tudo o que vem ocorrendo. Acredito que, com o tempo, medidas em excesso vão se regularizar.”

O advogado Tiago Conde, do Sacha Calmon – Misabel Derzi, já foi filmado em quatro oportunidades e três salas diferentes, geralmente em reunião com dois conselheiros e um assistente. Conde também não vê problema no registro, pois considera que os participantes ouviram seus argumentos. O que o incomoda mesmo é a corda azul recém-instalada na sala da Câmara Superior.

“No intervalo da sessão, a gente costumava ir até o conselheiro, entregar memorial e conversar. Agora não podemos. Se o conselheiro não sair para tomar água e ir ao toalete, não conseguimos falar com ele. O problema é que a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, que é parte, fica com acesso ilimitado, prejudicando a paridade de armas”, diz.

A advogada Cristiane Romano, do Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados, reconhece que liberar o acesso a todo o público poderia prejudicar as atividades da câmara quando há muitas pessoas, mas também entende que os advogados do Fisco não deveriam ficar do lado de dentro do cercado. Ela faz a ressalva de que, mesmo antes da zelotes, já havia dificuldades de conversar com conselheiros.

A melhor saída, para a advogada, seria regulamentar as formas de atendimento — como fixar horários e dias específicos para despachos. “Mais do que no Judiciário, é importante essa conversa pessoal com o conselheiro, porque os casos em andamento no Carf envolvem conceitos muito técnicos e complexos.”

Critérios internos
A ConJur perguntou ao Carf quais as recomendações para conselheiros concederem atendimento e quais os procedimentos indicados para os advogados interessados em conversar sobre processos.

Reprodução
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Por meio da assessoria de imprensa do Ministério da Fazenda, o conselho respondeu apenas que os conselheiros “devem observar a vasta legislação relacionada à ética pública” e dedicar “especial atenção às situações potencialmente causadoras de conflitos de interesses ou mesmo ensejadoras de questionamentos quanto à suspeição da conduta”.

Já advogados interessados em solicitar audiência com os presidentes de câmara, de seção e do Carf devem mandar e-mail para [email protected], detalhando o assunto, o número do processo e quem vai participar da reunião. Os encontros só podem ocorrer nas dependências do órgão, com a presença de mais de um servidor.

 

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