Ambiente Jurídico

Teses mostram jurisprudência ambiental consolidada no STJ

Autor

  • Eduardo Coral Viegas

    é promotor de Justiça no MP-RS graduado em Direito pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) especialista em Direito Civil mestre em Direito Ambiental palestrante ex-professor de graduação universitária atualmente ministrando cursos e treinamentos e integrante da Associação Brasileira do Ministério Público do Meio Ambiente. Autor dos livros Visão Jurídica da Água e Gestão da Água e Princípios Ambientais.

9 de julho de 2016, 8h00

Spacca
O Superior Tribunal de Justiça publicou em 18 de março de 2015 o "Jurisprudência em Teses" de número 30, contendo 11 teses elaboradas pela Secretaria de Jurisprudência, mediante pesquisa na base de decisões do Tribunal, exclusivamente em matéria ambiental. Nossa ideia nesta coluna é fazer alguns comentários sobre os enunciados ambientais, dada sua relevância para o operador do Direito.  

O novo Código de Processo Civil inovou sobre o papel da jurisprudência no país. O artigo 489, parágrafo 1º, inciso VI, dispõe que não se considera fundamentada qualquer decisão que deixar de seguir jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso ou a superação do entendimento. E o artigo 927 determina que os juízes e tribunais observarão, dentre outros, os acórdãos de resolução de demandas repetitivas e julgamentos de recursos extraordinário e especial repetitivos. 

Nesse contexto, como ainda há poucas decisões vinculantes dos tribunais superiores na temática ambiental, crescem em valor as teses publicadas pelo STJ como fruto de seu entendimento pacificado, as quais passam a ser objeto das seguintes reflexões.

  • Tese 1: Admite-se a condenação simultânea e cumulativa das obrigações de fazer, de não fazer e de indenizar na reparação integral do meio ambiente.

O artigo 225, parágrafo 3º, da Constituição tem a seguinte redação: “As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.

Esse dispositivo constitucional estabelece a tríplice responsabilidade ambiental, inserindo também a responsabilidade penal da pessoa jurídica. Pois bem, a tese comentada está focada na última parte da norma transcrita, ou seja, na responsabilidade civil pelo dano ambiental.

A Lei 6.938/1981 dispõe o seguinte: “Art. 4º – A Política Nacional do Meio Ambiente visará: VII – à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos”.

Um dos princípios norteadores do Direito Ambiental é o da prevenção. Isso porque, uma vez ocorrido o dano, o restabelecimento do status quo ante é, como regra, inviável. Destruída uma floresta, rompida uma barragem, poluída uma praia, provocada a morte de animais em extinção, como promover a restauração in natura?

É inegável, portanto, que o Direito deve priorizar medidas preventivas. Porém, não pode descurar das reparatórias, para quando o ser humano já degradou o meio em que habita. Baseada nos princípios do poluidor-pagador e da reparação integral do dano, a ordem a ser buscada é a reparação in natura, compensação e indenização.

Essas medidas podem ser impostas isoladamente, mas, não raro, devem ser conjugadas. Com efeito, ainda que não se meçam esforços para que o degradador faça algo (obrigação de fazer), no sentido de recuperar ou compensar a lesão ambiental, e se comprometa a não repetir conduta semelhante (obrigação de não fazer), por vezes tais medidas serão insuficientes.

Como analisa o ministro Herman Benjamin no julgamento do REsp 1.328753/MG, a obrigação de pagar “põe o foco em parcela do dano que, embora causada pelo mesmo comportamento pretérito do agente, apresenta efeitos deletérios de cunho futuro, irreparável ou intangível”, como o dano interino entre a deterioração e o restabelecimento da natureza ou o dano moral coletivo.

  • Tese 3: Não há direito adquirido a poluir ou degradar o meio ambiente, não existindo permissão ao proprietário ou posseiro para a continuidade de práticas vedadas pelo legislador.
  • Tese 7: Os responsáveis pela degradação ambiental são co-obrigados solidários, formando-se, em regra, nas ações civis públicas ou coletivas litisconsórcio facultativo.
  • Tese 9: A obrigação de recuperar a degradação ambiental é do titular da propriedade do imóvel, mesmo que não tenha contribuído para a deflagração do dano, tendo em conta sua natureza propter rem.
  • Tese 10: A responsabilidade por dano ambiental é objetiva, informada pela teoria do risco integral, sendo o nexo de causalidade o fator aglutinante que permite que o risco se integre na unidade do ato, sendo descabida a invocação, pela empresa responsável pelo dano ambiental, de excludentes de responsabilidade civil para afastar sua obrigação de indenizar.

Ainda no tocante à responsabilidade civil pela prática de condutas atentatórias ao direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (artigo 225 da CF), podemos relacionar as teses 3, 7, 9 e 10, deixando a tese pertinente à responsabilidade do Estado por omissão (tese 8) para exame em separado, dadas suas particularidades.

O artigo 2º, parágrafo 2º, do Código Florestal em vigor (Lei 12.605/2012) tem a seguinte redação: “As obrigações previstas nesta Lei têm natureza real e são transmitidas ao sucessor, de qualquer natureza, no caso de transferência de domínio ou posse do imóvel rural”. Ou seja, a legislação ambiental brasileira consagrou expressamente a natureza propter rem da responsabilidade civil ambiental.

Logo, quem adquire um imóvel com alguma degradação, aparente ou não, assume a obrigação por seu passivo ambiental. Se iniciada e não concluída a ofensa à natureza, o adquirente não faz jus a finalizar a atividade ilícita. E, uma vez ocorrida, tem o dever de recuperar a área. Por esse motivo, é essencial muita cautela antes de se adquirir um imóvel, especialmente no meio rural, realçando-se a função da advocacia preventiva.

Embora a Constituição estabeleça a tríplice responsabilidade ambiental, o adquirente não pode ser punido nas esferas administrativa e criminal por fatos que precederam sua posse ou propriedade sobre o bem. Tratando-se de medidas punitivas, somente podem ser impostas a quem praticou as atividades que culminaram com a degradação ambiental.

Situação diversa é a concernente à responsabilidade civil, que era de natureza objetiva quando da ofensa ao bem jurídico tutelado e que mantém essa característica em face do novo proprietário do imóvel, independentemente de sua boa-fé. Sobre o tema: "Ao adquirir a área, o novo proprietário assume o ônus de manter a preservação, tornando-se responsável pela reposição, mesmo que não tenha contribuído para o desmatamento" (REsp 926.750/MG).

Muito se discutiu sobre o alcance da responsabilidade objetiva ambiental (art. 14, § 1º, da Lei 6.938/1981), até se concluir pela adoção, no direito pátrio, da teoria do risco integral. Estabelecido o nexo causal entre o fato e o agente, dificilmente será reconhecida causa de exclusão da responsabilidade. A usual invocação da responsabilidade de terceiro, de caso fortuito ou força maior somente é acolhida pela jurisprudência em situações excepcionais.

O STJ sintetiza essa posição da seguinte forma: "Para o fim de apuração do nexo de causalidade no dano ambiental, equiparam-se quem faz, quem não faz quando deveria fazer, quem deixa fazer, quem não se importa que façam, quem financia para que façam, e quem se beneficia quando outros fazem." (REsp 650.728/SC)

Por fim, são co-obrigados solidários todos que concorreram para a degradação ambiental. Essa obrigação, que é objetiva e fundada na teoria do risco integral, do ponto de vista processual enseja litisconsórcio facultativo.

  • Tese 4: O princípio da precaução pressupõe a inversão do ônus probatório, competindo a quem supostamente promoveu o dano ambiental comprovar que não o causou ou que a substância lançada ao meio ambiente não lhe é potencialmente lesiva.

O princípio da precaução foi tratado pela Declaração do Rio/92 sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (ECO-92). Seu Princípio 15 afirma: "Para que o ambiente seja protegido, serão aplicadas pelos Estados, de acordo com as suas capacidades, medidas preventivas. Onde existam ameaças de riscos sérios ou irreversíveis, não será utilizada a falta de certeza científica total como razão para o adiamento de medidas eficazes, em termos de custo, para evitar a degradação ambiental".

A Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/2010) elencou uma série de princípios no artigo 6º, estando a precaução ao lado da prevenção. A distinção básica consiste no fato de que, no primeiro caso, os riscos são incertos e o perigo de danos é abstrato ou potencial; no segundo, os riscos são certos e o perigo de danos é concreto.

A partir dessas noções, a jurisprudência do STJ solidificou-se no sentido de que quem explora atividade que sujeita a população a riscos deve arcar com o ônus de comprovar que eles não existem, ou que não foi ela a causadora de eventual dano. A fundamentação jurídica para a inversão do ônus da prova decorre da interpretação do artigo 6º, VIII, da Lei 8.078/1990 combinado com o artigo 21 da Lei 7.347/1985 (REsp n. 972.902/RS).

  • Tese 8: Em matéria de proteção ambiental, há responsabilidade civil do Estado quando a omissão de cumprimento adequado do seu dever de fiscalizar for determinante para a concretização ou o agravamento do dano causado.

Viu-se acima que a tese 7 dispõe ser solidária a responsabilidade dos co-obrigados pela degradação ambiental. Na tese 8, a responsabilidade do Estado decorre da omissão de seu poder de polícia fiscalizatório. Quando ocorrente, ela será subsidiária.

Nesse sentido já decidiu o STJ: “Trata-se, todavia, de responsabilidade subsidiária, cuja execução poderá ser promovida caso o degradador direto não cumprir a obrigação, ‘seja por total ou parcial exaurimento patrimonial ou insolvência, seja por impossibilidade ou incapacidade, por qualquer razão, inclusive técnica, de cumprimento da prestação judicialmente imposta, assegurado, sempre, o direito de regresso (art. 934, do Código Civil), com a desconsideração da personalidade jurídica, conforme preceitua o art. 50 do Código Civil’" (REsp n 1.071.741/SP).

  • Tese 6: O emprego de fogo em práticas agropastoris ou florestais depende necessariamente de autorização do Poder Público.

O novo Código Florestal trata do assunto da seguinte forma: “Art. 38.  É proibido o uso de fogo na vegetação, exceto nas seguintes situações: I – em locais ou regiões cujas peculiaridades justifiquem o emprego do fogo em práticas agropastoris ou florestais, mediante prévia aprovação do órgão estadual ambiental competente do Sisnama, para cada imóvel rural ou de forma regionalizada, que estabelecerá os critérios de monitoramento e controle;”. Essa regra não difere substancialmente do que estabelecia o art. 27 do Código Florestal anterior (Lei n. 4.771/65).

Desse modo, não há vedação ao uso de fogo nas práticas agropastoris ou florestais. Todavia, em razão dos impactos que a técnica provoca, somente será lícita se preenchidos os requisitos legais, com autorização do órgão estadual competente. Para elucidar, a queima de palha de cana-de-açúcar igualmente depende de prévia autorização pública, consoante entendimento consolidado no STJ (AgRg no EREsp n. 738.031/SP).

  • Tese 11: Prescreve em cinco anos, contados do término do processo administrativo, a pretensão da Administração Pública de promover a execução da multa por infração ambiental.

A tese 11 tem a mesma redação da Súmula 467 do STJ. Conforme noticiado pelo Conjur em publicação de 22/10/2010, a Súmula teve como base o REsp 1.112.577, que envolvia a Fazenda Estadual de São Paulo e uma usina de açúcar e álcool. O caso foi processado e julgado na forma de recurso repetitivo.  

A usina havia sido multada pela Cetesb em razão da queima irregular de palha de cana-de-açúcar. O processo acabou no STJ, que foi instado a se manifestar sobre o prazo de prescrição para a cobrança. Diante da falta de previsão legal específica, a controvérsia estabeleceu-se entre a aplicação do prazo quinquenal, previsto no art. 1º do Decreto 20.910/1932, ou o decenal, disposto no art. 205 do Código Civil.

O Tribunal da Cidadania concluiu que o prazo é de 5 anos, fluindo a partir do encerramento do processo administrativo que levou à aplicação da multa, momento em que se constitui definitivamente o crédito da fazenda pública.

Sublinhe-se que o prazo prescricional referido diz respeito à ação para execução da multa administrativa, o que não se confunde com a imprescritibilidade da reparação civil pela degradação ao meio ambiente, consoante a jurisprudência do STJ, verbis: “Esta Corte tem entendimento no mesmo sentido de que, tratando-se de direito difuso — proteção ao meio ambiente —, a ação de reparação é imprescritível.” (AgRg no REsp n. 1150479⁄RS).

  • Tese 2: é vedado ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) impor sanções administrativas sem expressa previsão legal.
  • Tese 5: é defeso ao (Ibama) impor penalidade decorrente de ato tipificado como crime ou contravenção, cabendo ao Poder Judiciário referida medida.

A base dos enunciados relacionados à atuação do Ibama é o princípio da legalidade. O STJ entende, por um lado, que o Ibama não tem como punir alguém pela prática de infração ambiental sem que a sanção esteja estabelecida em lei stricto sensu; assim, portarias do Instituto não podem embasar autos de infração. Por outro, ainda que um fato configure infração penal e administrativa, ao Ibama é vedado dispor da sanção estabelecida pela norma penal para punir administrativamente o degradador. Trata-se de tarefa da competência do Poder Judiciário.

Em conclusão, a jurisprudência é fonte tradicional do Direito. Sua importância não é tão relevante no Brasil como em países que adotam o sistema da Common Law, a exemplo da Inglaterra e Estados Unidos, mas vem ganhando cada vez mais destaque. O novo Código de Processo Civil evidenciou essa tendência. Em verdade, os sistemas da Civil Law e da Common Law paulatinamente vêm aproximando-se e, por isso, pensamos ser fundamental adentrar no exame dos julgamentos que consolidam posições nos tribunais superiores, os quais nortearão as sentenças e acórdãos ao longo do território nacional.   

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  • Brave

    é promotor de Justiça no MP-RS, graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, especialista em Direito Civil e mestre em Direito Ambiental. Foi professor de graduação universitária e atualmente ministra aulas em cursos de pós-graduação e extensão. Integra a Associação Brasileira do Ministério Público do Meio Ambiente. É autor dos livros Visão Jurídica da Água e Gestão da Água e Princípios Ambientais.

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