Jurisprudência Fiscal

Competência administrativa e outras questões tributárias

Autores

  • Mary Elbe Queiroz

    é advogada tributarista sócia da Queiroz Advogados Associados pós–doutora em Direito Tributário (Universidade de Lisboa – Portugal) Doutora em Direito Tributário (PUC-SP) mestre em Direito Público (UFPE) professora e presidente do Conselho Jurídico do Ibrei.

  • Antonio Elmo Queiroz

    é advogado sócio do escritório Queiroz Advogados Associados e diretor do Centro de Estudos Avançados de Direito Tributário e Finanças Públicas do Brasil.

28 de janeiro de 2016, 7h05

Spacca
Em um processo judicial, ficou controvertido se norma interna da Receita Federal teria criado uma regra de competência para a atuação de auditores fiscais.

É que um contribuinte do Distrito Federal passou a ser fiscalizado pela Delegacia Especial de Maiores Contribuintes (Demac) de outra unidade da federação. Impetrou, então, mandado de segurança para encerrar a fiscalização, já que seu caso não se enquadraria na competência atribuída aos auditores lotados naquele órgão fiscalizador.

Após sentença negando a segurança, houve no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, decisão monocrática indeferindo medida liminar, incorporando as razões do primeiro grau, que não visualizou incompetência pelas normas da RFB, assim fundamentada:

Medida Cautelar Inominada 0058306-69.2015.4.01.0000 (e-DJ1 de 15.01.2016)

Embora o impetrante tenha como domicílio tributário a capital da República, conforme Termo de Início de Procedimento Fiscal de número 0618500.2015.00289-6, fl. 24, que foi lavrado por auditores fiscais da Receita Federal do Brasil, devidamente identificados (fl. 28), não há falar em incompetência da DEMAC/BH para fiscalizar o impetrante, pois a DEMAC/BH tem atuação em âmbito nacional (…)

Numa remota hipótese de se reconhecer que a Portaria RFB 2.193/14 em seu art. 2º, ao fixar os parâmetros indicativos dos contribuintes a serem submetidos à DEMAC-BH, tenha atribuído competência aos auditores lotados na DEMAC-BH, não se pode olvidar que a Portaria RFB 641/15 (editada posteriormente), em seu art. 8º, adotou os critérios ali estabelecidos para definir as pessoas físicas sujeitas ao acompanhamento diferenciado, deixando de fixar os montantes estabelecidos na Portaria RFB 2.193/14.

E mais, a própria Portaria RFB 2.193/14 em seu art. 2º, parágrafo único é expressa em estabelecer que “além das pessoas físicas de que trata o caput, estarão sujeitas ao acompanhamento econômico-tributário diferenciado no ano de 2015 as pessoas físicas indicadas nos termos dos §§ 1º e 2º do art. 9º da Portaria RFB 2.356, de 2010”, e isso foi devidamente cumprido, conforme ordem de serviço Cofis 67, de 14/05/15 (fl. 80) (…)

Como já afirmado por este Juízo, no despacho de 25/08/2015: “Nenhum brasileiro está imune à fiscalização/autuação da Receita Federal”. Noutras palavras, ninguém está acima da lei, por mais alto que seja o cargo que ocupe na República. Isso decorre do Estado Democrático de Direito (art. 1º, da CF/88) e do princípio da igualdade (art. 5º, caput, da CF/88). Encontram-se sob o império das leis da República tanto o mais simples (e às vezes menosprezado e marginalizado) indivíduo como aqueles que ocupam cargos elevados na República (…)

Afastada, em sede de cognição sumária, a relevância da fundamentação, cabe destacar também, em relação ao periculum in mora, que a tramitação do procedimento fiscal, por si só, não acarreta para o requerente, em princípio, nenhum prejuízo ou dano irreparável que pudesse justificar a tutela judicial requerida, o que afasta, de igual modo, esse requisito para a concessão da medida cautelar.

Ante o exposto, indefiro o pedido de liminar.


Planejamento e imagem
Em uma ação anulatória de débito fiscal, ficou controvertido em que medida poderia ser planejamento tributário indevido a contratação do direito de imagem de atleta.

É que houve uma autuação desconsiderando uma pessoa jurídica que firmou contrato de cessão de imagem do atleta com o clube, passando o Fisco a considerar os valores como rendimentos da pessoa física que o atleta teria omitido.

O contribuinte pediu a anulação da autuação, alegando que os ingressos da PJ “estavam lastreados no uso e na exploração da imagem, sendo civilmente cedidos à pessoa jurídica durante o período de vigência do contrato de formação desportiva, cujo termo final seria em 4 de fevereiro de 2008, justamente o dia que precedeu os 16 anos completos do autor ‘XX’ e que, legalmente, passou a ter legitimidade para firmar seu primeiro contrato de trabalho”.

Resolvendo o mérito, houve sentença julgando improcedente o pedido, forte no fato de não ter havido outra remuneração que não o direito de imagem, e que era a única receita da empresa, assim fundamentada:

Processo 0003187-27.2014.4.03.6104 (divulgado em Diário Eletrônico em 27/1/2016) 

Assim sendo, pelo menos pela clareza das normas jurídicas, insiste-se em que não existe ainda vedação a priori em que atletas (ou outros) recebam direitos de imagem, nem que os cedam, dada a natureza jurídica civilística do instituto (art. 20 do CC/02), e mesmo que usem pessoas jurídicas para recolher pela sistemática do lucro presumido o IRPJ e a contribuição social sobre o lucro líquido, ou mesmo que a pessoa jurídica se vincule ao SIMPLES Nacional etc.

Em assim sendo, a análise há de ser casuística e perquirir em concreto sobre a existência de elementos de ludíbrio, abuso de formas, fraude etc. (…)

Todavia, a questão está em que a "Lei Pelé" diz, mesmo quando for pago o atleta em formação, sendo esse auxílio financeiro não obrigatório, que tal auxílio dar-se-á (aqui, pois, obrigatoriamente) sob a forma de bolsa de aprendizagem, e não sob a forma alienante de direitos de imagem.

Ora, está claro que os pagamentos via bolsa de aprendizagem não são a única forma de remunerar um atleta em formação do "porte" de “XX”, porque decerto que, se houver exploração econômica pelo clube da sua imagem para além da óbvia e inerente exposição decorrente da bastante prática esportiva (e não apenas da mera exposição "em arena"), será em tese sempre cabível o pagamento de direitos de imagem livremente pactuados (…)

Porém, bem curiosamente, durante todo o ano-calendário de 2007, o atleta supostamente não teria recebido nenhum valor a título de "salário" ou "bolsa de aprendizagem", mas apenas de direitos de imagem (fl. 58), o que demonstra que sequer os valores básicos contratualmente previstos a título de bolsa foram declarados como rendimentos recebidos por pessoa física (…)

É claro que a jurisprudência trabalhista pátria não chega ao ponto de inadmitir o pagamento de direitos de imagem per se. Ela apenas tem considerado que o pagamento de direitos de imagem em bases periódicas similares à prevista para o pagamento do salário (ex: pagamento mensal), como óbvia retribuição pelo esforço de realização dos deveres inerentes ao contrato de trabalho e a natural exposição pública da imagem, além de em especial cotejar o valor pago a título de exposição da imagem frente ao dos salários (há casos de valores de direitos de imagem pagos três, quatro vezes a mais que o salário, ou até bem mais que isso), vem a indicar a dissimulação do pagamento real de salário, qual fosse o pagamento de uma verba de natureza civil (…)

Seja como for, a RFB observou também que a empresa não tinha de fato qualquer atividade econômica "real", senão somente captar os pagamentos cedidos para a realização da manobra de planejamento tributário sob análise e que, aqui, já se viu como caso de elisão ilícita (…)

Se alguns chegam a defender como abusivas as elisões com a finalidade predominante de obter benefícios na área fiscal – embora nós tomemos tal afirmativa cum grano salis, claro, porque a ordenança de boa gestão financeira é hoje em dia um dos mais caros temas econômicos às empresas e pessoas -, tanto mais será, e aqui sem muito espaço para dúvidas, quanto às elisões cuja única finalidade seja obter a vantagem fiscal manobrada, como se deu nos autos, sendo todas as outras razões econômicas verdadeiramente nulas ou inexistentes. Aí falamos de elisão ilícita (…)

Assim sendo, não merecem acolhimento as razões expostas pelos autores, sendo hígida a autuação.


Decisões variadas da Câmara Superior de Recursos Fiscais
a) No Acórdão 9101-002.146 (publicado em 25/1/2016), analisadas quais as razões que levam um auto de infração a ser anulado por vício formal (que possibilita o reinício do prazo decadencial para lançar, pelo artigo 173, II, do CTN); ou por vício material (sem reinício). E a CSRF do Carf, ao manter a decisão recorrida que anulou a autuação por vício material, lista os elementos que, se defeituosos em um auto de infração, não geram vício formal; assim ementado: “Vício formal é aquele verificado de plano no próprio instrumento de formalização do crédito, e que não está relacionado à realidade representada (declarada) por meio do ato administrativo de lançamento. Espécie de vício que não diz respeito aos elementos constitutivos da obrigação tributária, ou seja, ao fato gerador, à base de cálculo, ao sujeito passivo etc. A indicação defeituosa ou insuficiente da infração cometida, da data em que ela ocorreu, do montante correspondente à infração (base imponível); e dos documentos caracterizadores da infração cometida (materialidade), não configura vício formal”.

b) No Acórdão 9101-002.145 (publicado em 25/1/2016), a CSRF do Carf julga que se o contribuinte consegue atacar os fundamentos da autuação, fica afastada a caracterização de cerceamento de defesa; assim ementado: “Inexiste nulidade no lançamento por ausência de motivação nos casos em que a Fiscalização demonstra as operações realizadas, apresenta o que entende estar sendo dissimulado e colaciona a fundamentação legal correspondente. Inexiste ofensa aos princípios do Contraditório e da Ampla Defesa quando a autuada demonstra conhecer os motivos da autuação. Não se pode falar em ofensa ao Princípio da Verdade Material sem a análise do mérito da acusação fiscal”.

Autores

  • Brave

    é pós-doutora e doutora em Direito Tributário. Membro do CONJUR da FIESP. Membro da Comissão de Juristas do Senado para estudar a Desburocratização. Membro Imortal da ANE. Presidente do IPET. Professora. Advogada sócia de Queiroz Advogados.

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    é advogado, sócio do escritório Queiroz Advogados Associados e diretor do Centro de Estudos Avançados de Direito Tributário e Finanças Públicas do Brasil.

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