Gasto previsível

Adicionais trabalhistas são ônus de empresa contratada em licitação

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20 de janeiro de 2016, 6h39

O vencedor de uma licitação não pode alegar que foi surpreendido pela obrigatoriedade de pagar adicional a uma categoria profissional — que será contratada durante a prestação do serviço — para pedir o reequilíbrio econômico-financeiro do contrato com a administração pública. Isso porque o pagamento de adicional não é fato extraordinário nem risco imensurável em contrato, sendo obrigação da empresa prever a existência do encargo ao fazer a projeção de custos.

O entendimento levou a 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região a aceitar apelação da União, condenada no primeiro grau a ressarcir uma empresa de vigilância que teve custos trabalhistas extras, não previstos no contrato de prestação de serviços, após ter vencido a licitação pública.

O relator da apelação, desembargador Cândido Alfredo Silva Leal Junior, disse que o rompimento do equilíbrio econômico-financeiro só poderia ser cogitado ante à ocorrência de fato imprevisível ou superveniente à apresentação da proposta. Ou, se previsível, que tivesse potencial de levar a consequências incalculáveis, repercutindo negativamente na equação econômica e financeira do contrato, a ponto de colocar em risco a própria execução de seu objeto.

Ao consultar os autos, Leal Junior percebeu que a projeção de custos computava o pagamento do encargo aos empregados, embora num percentual menor do que viria a ser fixado mais tarde pela Justiça do Trabalho — o que gerou o pedido de ressarcimento pela União. Neste caso, discorreu, não há como imputar as aludidas perdas a fatores imprevisíveis, já que decorreram da má previsão da empresa autora.

‘‘Caso se permitisse a revisão pretendida, estar-se-ia beneficiando a concessionária [parte autora] em detrimento dos demais licitantes que, agindo com cautela, apresentaram proposta coerente com os ditames do mercado e, talvez por terem incluído essa margem de segurança em suas propostas, não apresentaram valor mais atraente’’, afirmou o relator. O acórdão foi lavrado na sessão de 17 de novembro.

Ação ressarcitória
A empresa de vigilância, com sede em Porto Alegre, venceu licitação, na modalidade pregão eletrônico, para executar serviços no prédio da Delegacia da Receita Federal na cidade do Chuí, extremo sul do Rio Grande do Sul. No período de duração do contrato — de 29 de junho de 2005 a 31 de dezembro de 2006 —, os vigilantes contratados pela empresa para executar o serviço ajuizaram ação trabalhista, pleiteando o pagamento do adicional de periculosidade. Como a ação foi julgada procedente, os empregados receberam 30% a mais em seus salários, o que resultou num gasto extra de R$ 18.460,95.

A fim de ser ressarcida desse valor e restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro do contrato de prestação de serviços, a empresa ajuizou ação ordinária contra a União na 3ª Vara Federal de Porto Alegre. Sustentou que o edital de licitação não trouxe previsão de pagamento desse adicional. Pediu que o juízo aplicasse o disposto no artigo 65, inciso II, alínea ‘‘d’’, da Lei de Licitações (8.666/93). Segundo o dispositivo, o contrato pode ser alterado para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente, para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento. Na hipótese, claro, de surgir fato que impeça ou retarde a execução do ajustado.

A União contestou a pretensão exposta na inicial. Em razões de mérito, alegou a impossibilidade de transferir responsabilidades trabalhistas para a administração pública. Afirmou que o eventual aumento de salários e encargos trabalhistas não se constitui em fato imprevisível ao explorador da atividade econômica para justificar o desequilíbrio contratual. Informou que ações com pedido similar foram extintas em decorrência de acordo e, noutras, a União foi expressamente excluída da lide, ante à inexistência de responsabilidade.

Sentença procedente
O juiz federal substituto Eduardo Rivera Palmeira Filho escreveu na sentença que o adicional de periculosidade era, realmente, devido aos vigilantes que trabalharam no prédio da Receita. Afinal, como atestou o laudo, trabalhavam no meio dos caminhões, que expeliam substâncias químicas inflamáveis diariamente. Por isso, julgou procedente o pedido, condenando a União a ressarcir o valor desembolsado pela empresa de vigilância.

Na fundamentação, advertiu que o edital de licitação, no item que prevê a estimativa de custos com mão de obra, não poderia ter omitido a possibilidade de pagamento desse adicional, pelas condições de trabalho no local. É que, sem a estimativa do custo de mais um encargo, a formação do preço a ser pago à empresa vencedora da licitação estaria incompleta, configurando enriquecimento ilícito por parte da União.

Esse ‘‘detalhe’’ é tão importante, destacou o julgador, que a União fez questão de alertar sobre o laudo técnico, que atesta a periculosidade do local onde o trabalho é prestado, no edital que se seguiu ao contrato. ‘‘Ora, tal cláusula é um reconhecimento do fato de que o edital do certame anterior foi omisso ao deixar de prever que as empresas licitantes deveriam cotar no seu orçamento o adicional de periculosidade. Tal reconhecimento reforça a tese esposada pela parte demandante, de ocorrência de enriquecimento ilícito da União no caso telado’’, complementou.

Ainda segundo o juiz, o vício constatado no edital implicou alteração unilateral do contrato, com aumento de preço. ‘‘O aumento do custo da remuneração dos vigilantes patrimoniais foi provocado por uma atividade da própria administração, que expõe seus vigilantes a riscos decorrentes da circulação habitual em meio a caminhões contendo substâncias químicas inflamáveis’’, finalizou.

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