Pedalada probatória

Sergio Moro valida drible do MPF na lei para trazer documentos da Suíça

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20 de janeiro de 2016, 17h08

O drible do Ministério Público Federal na lei para trazer da Suíça, sem autorização, dados bancários de acusados na operação “lava jato” recebeu a chancela do juiz federal Sergio Fernando Moro, responsável pelo caso na 13º Vara Federal de Curitiba. Em decisão desta terça-feira (19/1) Moro afirma que são “desnecessários quaisquer novos documentos ou esclarecimentos sobre o referido material”.

O tratado de cooperação jurídica entre o Brasil e a Suíça para matéria penal deixa claro que cabe às autoridades centrais dos países fazer pedidos e autorizar a troca de documentos. O Decreto 6.974/2009, que promulgou o tratado, lista como autoridade central no Brasil apenas um órgão: a Secretaria Nacional de Justiça do Ministério de Justiça. No entanto, o Ministério Público Federal trouxe da Suíça documentos relacionados à operação “lava jato” sem a autorização do Ministério da Justiça.

Divulgação/Ajufe
Questões sobre o MPF trazer provas sem autorização são “são especulações fantasiosas”, diz Sergio Moro.
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Trata-se de um pen drive com informações de contas bancárias relacionadas a “Paulo Roberto Costa, Alberto Youssef e outros”. O Ministério Público suíço confirma ter entregue os documentos ao procurador brasileiro Deltan Dallagnol — chefe da força-tarefa do MPF na “lava jato” — em 28 de novembro de 2014.

O pedido não havia sido autorizado pelo Ministério da Justiça, como determina o tratado internacional. A própria Secretaria Nacional de Justiça fez um alerta ao MP, enviando um ofício à Procuradoria-Geral da República: “É de extrema importância que os documentos restituídos pelas autoridades suíças não sejam usados para instruir processos ou inquéritos não mencionados no pedido de cooperação jurídica internacional, sem prévia autorização da autoridade central”, diz o documento

O MPF confirma que trouxe os documentos, mas alega que “foram unicamente objeto de organização de registros e análise interna por parte do próprio MPF”, após o afastamento de sigilo bancário e mediante autorização de acesso firmada pelo ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, que firmou acordo de delação premiada.

Depois de já terem sido usados “internamente”, diz o Ministério Público, os dados foram remetidos posteriormente pelo procedimento formal e só depois disso foram utilizados “em inquéritos, ações ou qualquer outro procedimento policial ou judicial”. Advogados veem nisso uma tentativa de “esquentar” provas ilegais.

O Decreto 6.974/2009, que promulgou o tratado de cooperação jurídica entre o Brasil e a Suíça para matéria penal é claro ao citar “troca de informações” e “entrega de documentos, registros e elementos de prova, inclusive os de natureza administrativa, bancária, financeira, comercial e societária” como medidas abrangidas pela cooperação.

Para Moro, no entanto, o argumento do MPF é válido e as questões levantadas pela defesa “são especulações fantasiosas”. O juiz justifica sua decisão afirmando que “se não houvesse a autorização para a utilização desse material na presente ação penal, é certo que, a essa altura e com a notoriedade do caso, já teria vindo alguma reclamação do estrangeiro”. Ou seja, já que os suíços nada falaram, não há motivo para os brasileiros reclamarem.

O juiz dá ainda um puxão de orelha nos advogados dos ex-executivos da Odebrecht, que pediam explicações sobre o uso dos dados do pen drive: “Deveria a defesa preocupar-se mais em esclarecer o que indicam os documentos, os supostos pagamentos de propina feitas pela Odebrecht aos agentes da Petrobras, do que com as especulações sobre as supostas faltas de autorização, sendo desnecessários quaisquer novos documentos ou esclarecimentos sobre o referido material”.

A defesa dos ex-executivos da empresa estuda pedir cópia do conteúdo do pen drive ao próprio Ministério Público Federal e ao Departamento de Recuperação de Ativos Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), do Ministério da Justiça.

Forma e conteúdo
Daniel Gerber, criminalista do Eduardo Antônio Lucho Ferrão Advogados Associados critica a decisão e afirma que estabelecer que normas de regularização de prova são meras formalidades é "renegar a essência do devido processo legal, transformando letra de lei em um mero pedaço de papel". Segundo o advogado, "é, no mínimo, incoerente que um juiz desrespeite a lei para condenar aqueles que também a desrespeitaram".

O criminalista Guilherme San Juan Araujo, sócio do San Juan Araujo Advogados, é direto:  “Se de fato houve violação a formalidades essenciais, como a tramitação pelas vias legais, a prova produzida é nula. No Estado Democrático de Direito, regras e princípios constam do ordenamento jurídico para serem cumpridos. Atropelar formalidades macula todo e qualquer processo e nos leva de volta aos métodos medievais".

Clique aqui para ler a decisão de Moro.

*Texto alterado às 20h57 do dia 20 de janeiro de 2016 para acréscimos.

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