Opinião

Uso de novas tecnologias no Judiciário precisa ser normatizado

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19 de janeiro de 2016, 15h22

Não nos parece necessária muita reflexão para se reconhecer que em plena sociedade da informação o homem tem pressa no que diz respeito à concretização de seus interesses, onde o uso do computador e da internet provocou consequências diretas nas relações comerciais e no direito diante dessa nova realidade globalizada.

No surgimento das primeiras ferramentas tecnológicas, mesmo os mais otimistas duvidavam até onde essa rede de interação poderia chegar e se realmente seriam úteis no cotidiano, principalmente no ambiente jurídico quando o assunto era discutido entre advogados, magistrados, promotores, procuradores e outros operadores do Direito.

No entanto, indubitável que esse novo paradigma trouxe diversas mudanças no cotidiano forense, o que restou mais evidente com a utilização do processo eletrônico e o amplo uso das redes sociais como meio de prova.

Da mesma forma, essa rapidez estimulada pelo “mundo digital” vem influenciando diversas varas do país, as quais para reduzir custos e agilizar a tramitação de processos têm utilizado o aplicativo WhatsApp para intimar partes e até realizar acordos “extra pauta”, procedimentos estes que tem como justificativa a efetividade do processo.

Preocupa-nos, porém, alguns exageros que possam ocorrer, onde a celeridade parece sobrepor-se ao princípio da segurança jurídica, isto porque a prática de varas ou cartórios deve ser harmônica com a própria legislação processual civil em vigor.

Vale destacar que, não nos posicionamos contra o uso do aplicativo ou de outras tecnologias no meio forense, até porque essas proporcionaram significativos avanços em termos de efetividade processual e são de grande valia na prestação da tutela jurisdicional, mas se faz imprescindível que o uso de toda nova tecnologia seja previamente discutido com a comunidade jurídica e devidamente normatizado no intuito de evitar-se uma verdadeira panaceia de procedimentos diversos.

O que observamos em nosso país, e muito nos incomoda, é a habitual e reiterada prática de utilização de determinados procedimentos, por não haver impedimento legal, onde cada Estado edita suas próprias portarias ou resoluções para regulamentação de sistemas e uso de novas tecnologias, acarretando a falta de padronização e inadequada utilização das ferramentas pelos operadores do direito.

Não são raras as notícias de varas que utilizam o aplicativo das mais variadas maneiras possíveis, havendo aquele servidor que “cria um grupo” de partes para tratativas de acordo, aquele que intima sobre audiências ou levantamento de créditos e inclusive certifica a leitura com a informação disponibilizada pelo aplicativo, bem como aquele que procede com a intimação, mas certifica apenas após a confirmação de recebimento da parte ou advogado, o que demonstra claramente a diversidade de práticas entre varas e cartórios do país.

Quando falamos em uso de novas tecnologias para intimação dos atos processuais, cumpre-nos relembrar que a Lei 11.419/2006, alcunhada como a “lei do processo eletrônico”, dispõe em seu artigo 5º, parágrafo 5º, a possibilidade de utilização de outros meios tecnológicos em casos urgentes, ficando a critério do juiz tal decisão.

Entretanto, o que deve ser ponto de crítica e observação da doutrina é cada Estado, ou até mesmo comarcas, editar regras de caráter processual por meio de normas hierárquicas inferiores, cuja competência exclusiva é da União Federal, ocasionando assim a vigência de inúmeras regras com comandos normativos dos mais variados assuntos e formas quando o tema é tecnologia da informação.

Reiteramos, por oportuno, que não estamos nos posicionando contra o uso do aplicativo ou de novas tecnologias que podem contribuir com a efetiva prestação da tutela jurisdicional, mas defendemos que esse “clamor social” por celeridade processual não pode ser a qualquer preço, pois o uso de ferramentas modernas também exige o cumprimento dos pressupostos processuais e seria de bom alvitre a padronização do uso dessas novas tecnologias.

Nesse ponto, observamos que, mais uma vez, o legislador pátrio é falho, pois o novo Código de Processo Civil (CPC) pouco dispõe acerca da utilização dessas novas tecnologias, preferindo em seu artigo 196 atribuir a responsabilidade de regulamentação dos atos processuais por meio eletrônico ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e supletivamente aos tribunais locais, conforme é possível verificar-se abaixo:

“Art. 196. Compete ao Conselho Nacional de Justiça e, supletivamente, aos tribunais, regulamentar a prática e a comunicação oficial de atos processuais por meio eletrônico e velar pela compatibilidade dos sistemas, disciplinando a incorporação progressiva de novos avanços tecnológicos e editando, para esse fim, os atos que forem necessários, respeitadas as normas fundamentais deste Código.”

Diante de tal disposição, cabe aos operadores do direito, em especial aos advogados,  acompanhar e cobrar a atuação firme do Conselho Nacional de Justiça nessa missão de regulamentar o uso do aplicativo WhatsApp e outras tecnologias (processo eletrônico, Skype, Facebook etc.) para a prática de atos processuais, no intuito de evitar-se ilegalidades, abusos e até mesmo violação do contraditório e ampla defesa.

Sabemos que, depois de séculos de processos judiciais físicos e ausência de qualquer ferramenta tecnológica é difícil adaptar seu exercício profissional a essa nova realidade informacional, mas tememos que novamente recaiam sobre a advocacia os encargos e ônus dessas modificações no exercício da atividade jurisdicional.

Embora essa realidade virtual assuste a muitos juristas, sabemos que ela não trata de uma mera hipótese, mas sim de uma sociedade da informação complexa aonde o uso dessas tecnologias veio para ficar e pode sim contribuir para um processo mais célere e eficiente, mas estamos convictos de que a sua plena utilização não pode dispensar formalidades mínimas inerentes ao processo.

Em nossa opinião, portanto, temos o dever de cobrar do ente Estatal, ora representado pelo CNJ, não só uma atuação firme na regulamentação dessas novas tecnologias e sua utilização na atividade jurisdicional, como também a abertura do diálogo para discussão do tema perante a comunidade jurídica, possibilitando a criação de um padrão adequado no uso dessas ferramentas e maior transparência do tema, o qual pode, sem o devido cuidado, tornar-se instrumento de ilegalidades e insegurança jurídica.

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