Justiça Tributária

Orçamento esquizofrênico traz previsões elaboradas num manicômio

Autor

  • Raul Haidar

    é jornalista e advogado tributarista ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

18 de janeiro de 2016, 7h05

Spacca
A Lei Orçamentária de 2016, publicada na última sexta-feira (15/1), conta com os recursos da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), tributo que ainda depende de aprovação do Congresso. Trata-se de ato jurídico de caráter esquizofrênico, no sentido psiquiátrico da palavra.

Na esquizofrenia, o doente tem convicção absoluta de ideias falsas e, ainda, alucinações. Registra a medicina que ele ouve vozes que falam sobre ele, ou que acompanham suas atividades com comentários. Muitas vezes, essas vozes dão ordens de como agir em determinada circunstância. Ocorrem ideias confusas, desorganizadas ou desconexas, tornando o discurso do paciente difícil de compreender.

Ora, contar com R$ 24 bilhões de um tributo ainda não aprovado assemelha-se a adotar ideia falsa. Pessoas sob efeito de alucinógenos pesados também se julgam superdotadas.

A peça orçamentária, por revelar um quadro econômico pouco provável, dificilmente merece a confiança da sociedade, especialmente num  momento em que a credibilidade do país esta em baixa.

Sobre a fragilidade e imprecisão de previsões em matéria de tributação e arrecadação, já registramos nesta coluna, em 11 de agosto de 2014, que “a Associação Comercial de São Paulo mantém em sua sede um painel eletrônico que se movimenta em grande velocidade e ao qual dá o nome de ‘impostômetro’, onde informa o valor dos impostos arrecadados pelo governo” e que “o Sindicato dos Procuradores da Fazenda Nacional tem o seu ‘sonegômetro’ e lá declara que a sonegação neste ano pode alcançar R$ 500 bilhões”. E também que “tanto num caso como no outro parece que se trata de uma série de fantasias. Não existe nenhuma forma pela qual se possa acompanhar, através de qualquer mecanismo, eletrônico ou não, os valores de impostos arrecadados no país, no estado ou nos municípios”.

Claro está, portanto, que uma previsão orçamentária de tributo ainda não aprovado é pura fantasia ou alucinação psiquiátrica.

O mesmo orçamento ainda prevê economia de mais de R$ 30 bilhões só para pagamento dos juros da dívida pública. Esse encargo deve ser em parte suportado por estados e municípios! Mesmo que eles estejam dispostos a esse sacrifício, parece fantasiosa a proposta, na medida em que seus cofres estão vazios e não vivemos num quadro econômico capaz de recheá-los neste ano. Estados e municípios suspenderam investimentos, e seus representantes sujeitam-se até a vexames públicos por falta de dinheiro. Um exemplo disso é a interdição do zoológico do Rio de Janeiro. Como um município que não tem dinheiro para alimentar alguns animais pode ajudar na economia orçamentária do país?

Ainda que se admita a aprovação da CPMF — e nada é impossível com o Congresso que temos —, sua cobrança deve causar repercussão negativa na arrecadação de outros tributos. Nossa carga tributária já é uma das maiores do planeta, e o retorno em forma de benefícios não é adequado para que todos estejamos felizes em suportá-la.

O aumento de impostos e a criação de diversos outros encargos e mesmo obrigações acessórias de utilidade discutível causam desânimo e transtornos a todos os brasileiros.

Um exemplo ridículo dessas obrigações acessórias é a criada pela Lei 9.613, de 3 de março de 1998, que cuida dos crimes de "lavagem" ou ocultação de bens, direitos e valores.

O artigo 9º dessa lei obriga pessoas físicas ou jurídicas que prestem os serviços ali definidos, como contabilidade e corretagem de imóveis, por exemplo, a informar se possuem conhecimento de fatos onde possam ter ocorrido crimes dessa natureza. Pior ainda: devem fazer declaração negativa, ou seja, informar se não tomaram conhecimento de qualquer fato ou ato suspeito.

A respeito do assunto, os corretores receberam comunicado do Conselho Regional dos Corretores de Imóveis (Creci) no qual se afirma que a falta de comunicação, mesmo em caso de ser negativa, implica em “multa irrecorrível”!  

A Constituição Federal, apesar das resoluções dos conselhos, ainda está em vigor! Não admite pena irrecorrível! Recomenda-se a esses autores de resoluções, instruções normativas e coisas do gênero que comprem um “livrinho”, como dizia Ulisses Guimarães, e leiam o artigo 5º. Já seria um bom caminho para que, mesmo com tantas ideias confusas, desorganizadas ou desconexas, não terminemos todos num imenso manicômio. 

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    é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

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