Opinião

Acordos de leniência devem punir empresas, mas preservar obras e empregos

Autor

  • Alberto Zacharias Toron

    é advogado criminalista mestre e doutor em Direito Penal pela USP ex-diretor do Conselho Federal da OAB; ex-presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (95/96); membro fundador do Instituto de Defesa do Direito de Defesa e professor de Processo Penal da Faap.

17 de janeiro de 2016, 11h48

[Artigo originalmente publicado no jornal Folha de S.Paulo desse sábado (16/1)]

O gosto amargo das descobertas da "lava jato" não decorre de pouca coisa: graves episódios de corrupção envolvendo empresários de expressão, funcionários públicos de alto escalão e políticos com assento no Congresso e em ministérios.

Com a suspensão dos contratos e pagamentos das empresas envolvidas, afora a proibição de participarem de novas licitações, vemos uma parte importante da economia minguar, o desemprego crescer e a produção decrescer.

Como disse Walfrido Warde Júnior em artigo no jornal Folha de S.Paulo, as 29 empresas envolvidas na Lava Jato controlam a maioria dos projetos de infraestrutura essenciais ao país. Empreendimentos de vulto, caros, financiados por bancos públicos e fundos de pensão. Calcula-se que sociedades controladas pelas empreiteiras devam R$ 1 trilhão aos financiadores públicos.

A questão é: será possível prosseguir nas investigações criminais e administrativas, punir os responsáveis, sem levar a economia do país ao colapso?

No campo da investigação criminal, a utilização da delação premiada revelou-se bem-sucedida. Em troca do abrandamento ou até mesmo da exclusão das punições, foi possível a ampla coleta de provas com a identificação de novos protagonistas do crime e até mesmo a descoberta de novos delitos. Já se questionou se essa prática tem gerado impunidade, mas é indesmentível que a fórmula deu certo no que diz respeito à eficiência repressiva.

Um amplo esquema de corrupção foi desbaratado e novos setores estão na reta da investigação. Prevaleceu o pragmatismo sobre a mentalidade meramente punitiva. O aparente sucesso desse método investigativo não pode ficar isolado ao campo penal.

Revelando enorme sensibilidade, o governo federal editou a Medida Provisória 703, que institui novos padrões para a celebração do acordo de leniência. Antes restrito à primeira empresa que se apresentasse para negociar, agora o acordo pode alcançar todas as outras que se dispuserem a tanto, mesmo que já exista ação em andamento.

Isso desde que ocorra: identificação dos demais envolvidos na infração, quando couber; obtenção de informações e documentos que comprovem a infração noticiada ou sob investigação; cooperação da pessoa jurídica com as investigações, em face de sua responsabilidade objetiva; e comprometimento da pessoa jurídica na implementação ou na melhoria de mecanismos internos de integridade.

A estratégia embutida na delação premiada, na qual vários criminosos podem delatar –e não apenas o primeiro–, se repete agora no campo administrativo. As empresas que tomarem parte do acordo de leniência, além da multa e da exigência de novas práticas de governança corporativa, poderão licitar e contratar com o poder público.

Na prática, isso significa a continuidade de diferentes obras e emprego para os trabalhadores de diversos segmentos. As empresas permanecerão vivas, evitando-se o colapso econômico do país. Há uma evidente sintonia entre a nova medida provisória e o método da delação aplicado de forma ampla nos diferentes processos da "lava jato, que, além do mais, tem permitido a recomposição dos cofres públicos.

Na Alemanha, muitas das empresas que participaram ativamente do esforço de guerra nazista sobreviveram no pós-guerra. Isso tornou possível o reerguimento econômico do país, além do pagamento de pesadas indenizações.

O ideal kantiano de punição absoluta revelou-se pouco eficaz em termos de prevenção. Mais auspiciosas são as medidas que possam garantir a produção de riquezas com empregos e pagamento de tributos, mas com a aplicação de multas e nova governança empresarial.

Lidar mais inteligentemente com graves transgressões não significa capitulação ao crime, mas possibilidade concreta de sua superação.

Autores

  • é advogado criminalista, mestre e doutor em Direito Penal pela USP, ex-presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais e membro fundador do Instituto de Defesa do Direito de Defesa.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!