Ilegalidade x desonestidade

Com 217 municípios, Maranhão teve 74 prefeitos e ex-prefeitos condenados

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6 de janeiro de 2016, 14h30

Nos últimos três anos, o Tribunal de Justiça do Maranhão condenou 74 prefeitos e ex-prefeitos do estado “por envolvimento em algum tipo de crime no exercício do cargo”, segundo material divulgado pela própria corte.

Entre os crimes que levaram à condenação dos gestores, constam atraso ou fraude na prestação de contas; fragmentação de despesas; dispensa irregular de licitações; lesão ao erário; desvio de verbas; falsidade ideológica; contratação de servidores sem concurso; fraude em licitações; falta de comprovação de aplicação de recursos do Fundo Municipal de Saúde (FMS); e má aplicação dos recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).

Os números mostram maior protagonismo dado aos órgãos externos de fiscalização da administração pública, em especial o Ministério Público e os tribunais de Contas. “Nunca no país o combate implacável à corrupção foi tão difundido. Sob essa perspectiva, claramente, temos um ponto positivo”, diz o professor Renato Ribeiro de Almeida, especialista em Direito Constitucional e em Direito Eleitoral.

No entanto, o que parece ser um saneamento da gestão pública pode ser um problema legal e jurídico. Levando em conta que foram apenados 74 gestores em um estado que tem 217 municípios, advogados apontam que o número de condenações divulgado pelo tribunal reflete uma das deficiências da Lei de Improbidade (Lei 8.429/1992). A norma, explica o constitucionalista Pedro Estevam Serrano, tem sido por vezes usada para transformar ilegalidades (algo fora do parâmetro legal) em improbidades (desonestidade).

A norma, “ao ser interpretada de forma a considerar a improbidade como uma forma de responsabilidade sem culpa, ou seja, sem verificação rigorosa da culpa grave ou dolo do governante em praticar a ilegalidade, e também por ser usada, na prática, como um substituto do processo criminal sem o rigor de direito de defesa próprio deste, acaba não conseguindo separar o joio do trigo da atividade política”, critica Serrano.

Ele afirma que a falta de razoabilidade e o excesso no exercício das atividades de controle, em vez de "limpar", “vem transformando a política cada vez mais em terra de aventureiros e oportunistas sem ética”.

Ribeiro Almeida aponta que a confusão entre ilegalidade e improbidade torna-se um problema maior, porque a legislação brasileira é altamente complexa e possibilita interpretações equivocadas, como a Lei das Licitações e a Lei de Responsabilidade Fiscal.

“Ocorre que pequenos municípios contam com corpo jurídico reduzido ou até mesmo precário. Conheço dezenas de prefeituras que contam apenas com um procurador, o qual tem que responder questões complexas de Direito Constitucional, Eleitoral, Administrativo, Tributário, Civil e Processo Civil. E é bastante previsível que esse profissional, por vezes em condições de remuneração não condizente com o gigantismo de sua responsabilidade, está suscetível a erros que podem comprometer diretamente os mandatários e suas escolhas”, diz o advogado, frisando que os prefeitos respondem pessoalmente por atos e ilegalidades cometidas.

Levando em conta o que tem visto, Almeida faz previsões pouco animadoras: “Diante da crise econômica vivida em 2015, a perspectiva é que mais condenações e rejeições de contas estejam por vir. A diminuição da arrecadação fez com que um número grande de prefeituras deixassem de pagar fornecedores ou não observassem os repasses obrigatórios para áreas fundamentais como saúde e educação. Em outras palavras, fizeram suas próprias ‘pedaladas’ para tentar fechar as contas do município. Recebo diariamente prefeitos e ex-prefeitos que relatam experiências dessa natureza. Alguns desses problemas são sanáveis, outros, infelizmente, não. Cedo ou tarde, gerarão novas condenações”. 

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