Robôs na pista

Advogados discutem de quem será a culpa em acidentes de carros sem motorista

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3 de janeiro de 2016, 8h40

A história poderá registrar o primeiro acidente de um carro sem motorista — ou carro autônomo ou carro-robô — em 2016. Pelo menos, essa é a previsão de advogados americanos que se especializam em mover ações por danos pessoais. Afinal, algumas das diversas fabricantes já começaram a colocar seus carros com piloto automático nas ruas e irão colocar muitos mais de 2016 a 2020.

Acidentes vão acontecer, eles dizem. Computadores falham, de uma maneira ou de outra. Assim, um carro operado por computador poderá falhar e causar um acidente. Quando isso acontecer, de quem será a culpa? Quem será responsabilizado civilmente? Ninguém sabe. Especialmente se dois carros-robô colidirem.

Apesar de ainda não se ter essa resposta, alguns advogados se mostraram “empolgados” com as perspectivas, em termos de valores de indenizações que podem obter na Justiça. Em casos de acidentes de carros sem motorista, os advogados poderão processar qualquer empresa envolvida, mesmo que remotamente, com a fabricação do automóvel.

“Teremos um grupo inteiramente novo de demandados, desde as fabricantes dos carros a empresas de computadores, programadoras de computação, projetistas de algoritmos, Google, empresas de mapeamento e até mesmo os estados”, disse o advogado Kevin Dean ao Claims Journal.

Ele é o advogado que está processando a General Motors, por causa de interruptores de ignição defeituosos, e a Takata Corp., por airbags com problemas. Ele e outros profissionais da área se animam com o fato de que essas empresas têm muito mais dinheiro para pagar indenizações do que a maioria dos motoristas que são tradicionalmente processados por causar acidentes.

As próprias fabricantes, incluindo o Google, a Volvo, a Mercedes-Benz e outras, já vêm se responsabilizando previamente por qualquer acidente, como uma forma de convencer seus futuros consumidores de que os carros são seguros. Por causa dos reflexos programados dos carros-robô, “haverá um dia em que não haverá mais acidentes nas estradas”, elas proclamam.

“Queremos que os consumidores confiem que fizemos um trabalho realmente bom”, disse ao jornal o diretor da Volvo para Assuntos Governamentais, Anders Eugensson. “É por isso que estamos anunciando que, se alguma coisa acontecer, nós assumiremos a responsabilidade. Sabemos que não podemos lançar esses veículos sem dar aos compradores essa garantia.”

“Pode ser que algum dia isso aconteça. Mas, até lá, acidentes entre carros sem motorista ou entre carros sem e com motorista vão acontecer. A primeira dificuldade será determinar de quem é a culpa, disse ao jornal o ex-diretor da Administração Nacional da Segurança de Trânsito nas Estradas, David Strickland, hoje sócio da banca Venable LLP, de Washington.

Para os advogados, porém, esse “juramento” não passa de uma tática de marketing. “Já é assim com os atuais carros. Todas as fabricantes dizem que se responsabilizam por seus carros, se alguma coisa acontecer. Mas, quando acontece, elas declaram que não há nada de errado com o carro. E você precisa discutir isso na Justiça”, disse o advogado texano David Bright, que representa vítimas de acidentes provocados por defeitos em automóveis.

Complexidade jurídica
O que torna essa questão complexa é que a legislação atual responsabiliza o dono do carro, frequentemente o motorista, pelos acidentes automobilísticos. Se o proprietário quiser responsabilizar a fabricante do carro, terá de provar que a empresa foi negligente, de alguma forma. Até o momento, porém, a lei não contempla carros sem motoristas.

Pode não haver responsabilização civil (ou criminal) sem lei que a defina. “E, até agora, não há nada na lei estabelecendo que a fabricante de carros com sistemas automáticos é responsável financeiramente por acidentes. Seria preciso mudar a lei, antes de colocar esses carros na rua”, disse David Strickland.

“O primeiro dono de um carro-robô envolvido em um acidente irá processar a fabricante ou uma empresa de tecnologia e, então, será estabelecido um precedente”, disse ao jornal o professor de Direito da Universidade da Carolina do Sul, que tem escrito sobre a responsabilização civil em acidentes com carros sem motorista.

As fabricantes também desejam que a lei regulamente o uso de carros sem motorista. Mas querem que seja uma lei federal, válida em todo o país. É mais provável, como toda lei de trânsito hoje, que cada estado crie sua própria lei. Ou seja, o país terá 51 normas — as leis de cada um dos 50 estados e mais a do Distrito de Colúmbia.

A Califórnia, aliás, saiu na frente. Propôs regras para os carros-robô, que algumas fabricantes não gostaram. O estado propõe que a pilotagem desse tipo de carro possa ser assumida por um ser humano a qualquer momento. Isto é, que o motorista possa colocar o carro em piloto automático, mas que possa assumir o comando diante de qualquer necessidade, como acontece com os aviões.

Frequentemente, uma iniciativa jurídica da Califórnia se torna o padrão em todo o país. Isso será “extremamente frustrante” para o Google, que desenvolveu um carro sem volante e sem pedal de aceleração. O Google, que planeja estabelecer uma empresa independente só para produzir e comercializar carros-robô em 2016, não levou em consideração essa possibilidade.

As estatísticas de trânsito ajudam as fabricantes: mais de 90% dos 33 mil acidentes ocorridos nos EUA em um ano foram causados por erros humanos. Os carros-robô devem reduzir radicalmente esse número, dizem as fabricantes.

O projeto do carro-robô deve se tornar uma realidade dentro de algum tempo, de qualquer forma. Ele é defendido pelas fabricantes de automóveis e empresas de tecnologia mais ricas do mundo.

Além da reestruturação jurídica em todos os países onde carros-robô forem comercializados, também deverá movimentar o mundo dos seguros. Quem vai pagar o seguro? Quem vai pagar o IPVA?

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