Fugido da guerra

Decisões judiciais devem considerar contexto vivido pelo réu

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1 de janeiro de 2016, 7h38

Os horrores da guerra resultam em diversos efeitos colaterais: famílias são separadas, diretos humanos são violados e refugiados, em certas ocasiões, cometem crimes para conseguir escapar da situação vividas em seu país de origem. Uma dessas situações foi vivenciada aqui no Brasil por um cidadão sírio que, em busca de emprego, usou um passaporte falsificado para ir à Inglaterra. Há anos a Síria é devastada pela guerra civil e pela perseguição religiosa.

Ele justificou a atitude alegando a dificuldade em encontrar emprego e as barreiras impostas pelo idioma. Esses motivos foram suficientes para que o juízo da 2ª Vara Federal em Guarulhos (SP) o absolvesse pela conduta. Na decisão que isentou o réu da conduta criminosa, o juiz federal Paulo Marcos Rodrigues de Almeida explica que a transgressão não pode ser considerada insignificante, mas o caso requer a consideração do contexto social e étnico vivido pelo acusado.

“Seria desejável, evidentemente, que o réu buscasse superar as dificuldades de refugiado no Brasil pelas vias legais. Nada obstante, seria ingenuidade ignorar a dura realidade dos imigrantes no país, quando a obtenção de informações essenciais para a cidadania e a prestação de serviços públicos já é tão difícil mesmo para os brasileiros. Mais que ingenuidade, seria, no caso dos refugiados sírios devastados pela guerra civil, verdadeira desumanidade”, diz o magistrado.

De acordo com o Ministério Público Federal, em agosto deste ano, o acusado apresentou passaporte brasileiro falsificado a funcionários da companhia aérea TAM no aeroporto internacional de Guarulhos quando fazia o check-in para embarcar em um voo com destino a Londres.

O refugiado veio para o Brasil depois de obter o visto que confirma sua condição junto ao consulado brasileiro em Istambul. Para comprovar sua situação, juntou documentos comprovando o drama vivenciado por sua família, que está espalhada por diversos países do mundo. Por esses motivos, optou por sair do país para encontrar uma de suas irmãs que está na Europa.

Em sua decisão, o juiz também cita o artigo 3º, inciso IV, da Constituição Federal, que prevê como um dos objetivos fundamentais da República promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Crise humanitária
A guerra na Síria se arrasta há cinco anos. Dividido em setores devido aos diversos grupos contrários à presidência de Bashar Al Assad, o país do Oriente Médio, já registra 220 mil mortes, segundo dados da Organização Mundial da Saúde. Esse número, somado ao total de refugiados, transforma o conflito sírio na pior crise humanitária desde a Segunda Guerra Mundial.

Desde janeiro deste ano, mais de 350 mil imigrantes cruzaram o Mediterrâneo para fugir da guerra, segundo a Organização Internacional para as Migrações (OIM). Estimativas apontam que, desse total, 2,6 mil morreram no mar durante a travessia. Em 2014, a viagem foi feita por 219 mil pessoas. As travessias, que ocorrem por meio de botes ou em embarcações superlotadas, são promovidas por traficantes de pessoas.

Até setembro deste ano, segundo dados do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), o Brasil concedeu 2.077 vistos de asilo a refugiados sírios. A nação americana que mais permitiu a entrada de refugiados foi o Canadá (2.374). Com informações da Assessoria de Imprensa da Justiça Federal em São Paulo.

Clique aqui para ler a decisão.
Processo 0007676-28.2015.4.03.6119

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