Abuso e humilhação

Médico usa influência com a polícia para prender paciente e é condenado

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29 de fevereiro de 2016, 17h04

Um erro grave durante um exame em Goiás não render apenas a condenação de médico, clínica e plano de saúde, mas também uma prisão irregular. Vítima de hemorragia interna após uma colonoscopia, o paciente foi parar na UTI e, ao se recuperar, procurou o médico para pedir ajuda no custeio dos medicamentos. O profissional, porém, chamou dois policiais que eram seus amigos para dar voz de prisão ao homem por extorsão. 

Só o fato de o paciente ter sofrido hemorragia interna grave já lhe daria o direito de indenização, mas a juíza Rozana Fernandes Camapum, da 17ª Vara Cível de Goiânia, levou em conta o abuso e a humilhação impostos ao homem e determinou indenização de R$ 150 mil. 

O valor deverá ser pago, de forma solidária, pelo médico responsável, pela clínica onde foram feitos os exames e pelo plano de saúde que autorizou o tratamento.

Angústia e vergonha
O caso começou quando o autor da ação foi se consultar com o médico, que lhe indicou exames de colonoscopia e endoscopia para investigar suposta doença e que foram feitos no mesmo dia, em 23 de agosto de 2013.

Após o paciente chegar em casa, sentiu dores fortes no abdome e precisou ser internado para cirurgia de emergência, a fim de conter o sangramento interno. Por causa das complicações, ficou vários dias na UTI e teve de se afastar por quatro meses do trabalho.

Ao receber alta, o homem procurou o médico para obter ajuda com os gastos que teve com remédios e tratamento. Contudo, o autor relatou que, ao chegar ao consultório no horário combinado, foi surpreendido por dois policiais amigos do profissional, que lhe deram voz de prisão, por prática de calúnia, extorsão e ameaça.

Para a juíza, o réu “utilizou-se de sua influência e agiu de forma truculenta ao levar o autor a prisão em flagrante. Salta aos olhos toda a humilhação, vexame, angústia e vergonha a que foi obrigado o paciente por um ato de barbárie e abuso, sendo submetido a toda ordem de constrangimentos sem qualquer justificativa e por motivo por demais fútil e torpe e por estar a exigir uma reparação pelas consequências de um exame malsucedido”.

Erro médico
A perfuração foi de responsabilidade do médico, conforme análise da juíza, ao checar os laudos médicos. A magistrada, contudo, destacou que o Conselho Regional de Medicina do Estado de Goiás (Cremego) se mostrou corporativista ao compreender o problema como corriqueiro.

“Não podemos banalizar o erro e passar a considerá-lo como normal, simplesmente porque está dentro da estatística de ocorrência de um exame. Os percentuais de incidência de perfuração do intestino no exame são mínimos, donde se conclui que apenas os malformados e imperitos estão a ele sujeitos”, elucidou a juíza.

Rozana também questionou a real necessidade de submissão aos exames invasivos, que foram sugeridos pelo médico. “A par da mãe do autor ter falecido com câncer, não restou convincente necessidade quanto a realização naquele momento de exame por demais invasivo, já que antes dele poderia ter sido realizado outros exames menos agressivos, deixando o mais drástico como última opção, o que não foi feito”.

Responsabilidades
Como o exame foi feito dentro da clínica, a magistrada considerou que o estabelecimento deve ter responsabilidade objetiva e responder pelos danos causados ao paciente, uma vez que permitiu “que policiais ingressassem dentro da mesma para o fim de prender o paciente em estado de convalescença para intimidá-lo e inibi-lo a exercício regular de um direito”.

Para ela, o plano de saúde também teve falha no serviço. “Não há como o plano de saúde se livrar da responsabilidade solidária pela má prestação do serviço, uma vez que responde sim por permitir que pessoa desequilibrada e truculenta ingressasse nos seus quadros e afrontasse de forma desmedida a honra do seu usuário, inclusive, levando-o a prisão”.

Além da conduta do médico, a juíza não vislumbrou nos autos provas de que o médico era apto a fazer o exame, uma vez que faltaram certificações juntadas aos autos pelo plano de saúde, que atestariam a especialidade clínica.

“O consumidor põe sua vida e saúde nas mãos dos planos de saúde e, quando o contrata, crê que o mesmo faz um procedimento de habilitação dos médicos para o fim de credenciar tão somente aqueles aptos e com capacidade técnica.” Com informações da Assessoria de Imprensa do TJ-GO. 

Clique aqui para ler a decisão. 

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