Justiça Tributária

"Se não há Justiça, o que é o governo senão um bando de ladrões?"

Autor

  • Raul Haidar

    é jornalista e advogado tributarista ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

29 de fevereiro de 2016, 8h00

Spacca
A proposta de se trazer novamente a incidência da CPMF, os aumentos de alíquotas de ICMS adotados em alguns estados e lançamentos de IPTU sobre valor venal acima da realidade, utilizados por muitos municípios, podem piorar ainda mais nossa situação econômica e causar verdadeiro desastre nacional.

Em tudo isso ignora-se a definição mais simples de justiça, onde se afirma que ela está em dar a cada um o que é seu. Estamos obrigados ao pagamento de tributos enquanto cidadãos. Esse é o preço que pagamos por viver numa sociedade onde devemos receber serviços essenciais que permitem nossa sobrevivência com uma vida digna. O primeiro desses serviços é a justiça, eis que não estamos mais na antiguidade onde ela se fazia com nossas próprias mãos.

A finalidade do Brasil como estado democrático de direito é a descrita no preâmbulo da Constituição: “Assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos….”

Ora, qualquer cidadão, e de forma mais evidente os servidores públicos de todos os poderes, que são pagos com nossos tributos, tem o dever fundamental de cumprir a Carta Magna, seja por juramento ou de forma tácita.

Nossa carga tributária é uma das mais elevadas do mundo e atinge cerca de 40% do PIB. Ainda que outros países possam cobrar isso ou mesmo um pouco mais, devemos nos sentir mais espoliados que qualquer povo face à precariedade ou mesmo inexistência dos serviços que nos retornam.

No artigo 145 da Constituição vemos que os impostos devem ser graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte. E não é razoável supor que isso autorize a cobrança da carga mencionada, que absorve dois quintos de toda a riqueza produzida no país! Não podemos nos esquecer que a Inconfidência Mineira foi um conflito que resultou da cobrança de 20% do ouro aqui produzido e que, levado para Portugal, tornou-o um dos países mais ricos da Europa, a permitir a reconstrução de Lisboa depois do terremoto de 1755.

Também não podemos ignorar o artigo 3º da Constituição, onde se afirma que os objetivos fundamentais da nossa República são: I- construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; e IV – promover o bem de todos…”

Não existe sociedade justa, desenvolvimento social e o bem de todos, com a verdadeira exploração que o contribuinte sofre ao pagar impostos abusivos e de forma muitas vezes ilegal a ponto de tangenciar as raias da criminalidade.

Tal forma de atuação estatal serve, ao contrário do ordenamento maior, para aumentar a pobreza, a marginalização e as desigualdades sociais, na medida em que a inflação atinge mais a quem tem menos, e provoca uma verdadeira tragédia nacional, com o aumento do desemprego e dos juros.

Ao mesmo tempo em que se pratica tal iniqüidade contra o povo, nossos legisladores e governantes, apoiados por um judiciário cada vez mais distante da nossa realidade, promove aumentos de remuneração e de vantagens outras para os diversos níveis de servidores. Assim, nossa sociedade já está dividida em dois grupos: os que sustentam a máquina devastadora do estado e os que são por ela, isto é, por nós, sustentados. Claro que isso, mais cedo ou mais tarde, vai acabar muito mal.

Cabem aqui as palavras do ministro Edson Vidigal, então presidente do Superior Tribunal de Justiça:

"Quem serve ao Estado serve ao público em geral. Ninguém dentre nós, no serviço público, é inimigo de ninguém. Bastam os inimigos do Povo, só por isso, também, nossos inimigos. Contra eles é que devemos estar fortes em nossa união. O Padre Antonio Vieira dizia que os sacerdotes são empregados de Deus. Assim, da mesma forma, o dinheiro que paga o salário do Presidente da República e dos seus Ministros, dos Deputados e dos Senadores, dos Ministros dos Tribunais é o mesmo que paga o salário de todos os outros servidores, do porteiro ao assessor mais graduado, do cabo ao general. Esse dinheiro vem de um único patrão para o qual trabalhamos, do qual somos empregados. Esse patrão é o contribuinte que paga impostos. Somos empregados do Povo brasileiro." (in www. serpro. gov. notícias, 13.04.2004).

De certa forma hoje o povo brasileiro é empregado dos servidores públicos. Um empregado que já está próximo de ser reduzido a condição de escravo!

Com isso, vemos que sob o aspecto tributário, não há justiça no Brasil, o que nos leva à irada indagação de Santo Agostinho: “Não havendo justiça, o que são os governos senão um bando de ladrões?” 

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    é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

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