Desperdício de mão de obra

"MPT mostra falta de noção de prioridade ao combater advogado associado"

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28 de novembro de 2017, 17h13

OAB
Claudio Lamachia, durante a XXIII Conferência Nacional da Advocacia. 
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Os ataques do Ministério Público do Trabalho à contratação de advogados como associados em escritórios de advocacia mostra a falta noção de prioridades da entidade. A avaliação é do presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Claudio Lamachia, segundo quem, num país onde o combate ao trabalho escravo e ao trabalho infantil ainda parece necessário, atacar uma forma de contratação prevista em lei é um desperdício de mão de obra.

Em entrevista exclusiva à revista eletrônica Consultor Jurídico, durante a XXIII Conferência Nacional da Advocacia, que ocorre em São Paulo nesta semana, Lamachia apontou os problemas que têm sido enfrentados pela advocacia nacional.

Para além da busca por direito de defesa e por respeito às prerrogativas, há questões também urgentes como a falta de juízes e a criação de cursos de tecnólogo em Direito, classificados por ele como “estelionato educacional institucionalizado pelo Ministério da Educação”.

Na abertura do evento, com cerca de 20 mil advogados inscritos, Lamachia criticou os excessos cometidos pela acusação, como conduções coercitivas que serviriam apenas para humilhar cidadãos que sequer chegam a ser acusados de algum crime. Na entrevista à ConJur, complementou: “Como é possível que esta pessoa tirada à força de sua residência às seis da manhã, aos olhos de seus vizinhos, mesmo sem qualquer envolvimento com crimes, se recomponha?”.

Ao comentar os abusos de autoridade que levaram, inclusive, ao suicídio do reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, Luís Carlos Cancellier de Olivo, preso durante uma investigação, o presidente do Conselho Federal afirma que não há reparação financeira capaz de se equiparar ao sofrimento de quem foi injustiçado: “A minha honra vale muito mais do que qualquer eventual condenação que eu possa receber no contexto econômico”.

Leia a entrevista:

ConJur — Na abertura da Conferência, o senhor falou que a advocacia não está na capa dos jornais, numa clara crítica à capa da Veja desta semana, que fala de advogados que estariam enriquecendo com a operação “lava jato”. A que o senhor atribui esse tipo de enfoque dado aos advogados?
Claudio Lamachia — A advocacia brasileira não está representada, sem dúvida nenhuma, em capas de jornal ou de revista. Ela está representada exatamente pela luta de mais de um milhão de advogados e advogadas em todos os foros do Brasil, lutando pela liberdade, pela honra, pelo patrimônio, pela dignidade das pessoas. Esse é o papel do advogado. Nós temos que reforçar exatamente o respeito que a advocacia precisa ter do cidadão, que é aquele que nós representamos. O advogado exerce um papel fundamental na democracia, e na medida em que ele seja enfraquecido, que a sua atuação profissional seja desrespeitada ou, de alguma maneira, mitigada, nós estamos desrespeitando o próprio cidadão como representante.

As notícias com esse enfoque errado acabam fragilizando a nossa atividade profissional, acabam fragilizando a própria visão que o advogado tem frente à sociedade.

ConJur — A gente teve recentemente o caso do reitor Luís Carlos Cancellier, da UFSC, que se matou enquanto estava sendo investigado, depois de ser preso. O que a sociedade aprende com isso?
Claudio Lamachia — Eu espero, sem dúvida nenhuma, que a sociedade possa compreender o que significa a ação de uma autoridade sem um exame criterioso de provas. Nós temos que debater alguns pontos fundamentais, como conduções coercitivas feitas de forma absolutamente indiscriminada, ou seja, sem respeito ao Código de Processo Penal, sem que as partes sejam intimadas inicialmente — e muitas delas acabam nem sendo denunciadas depois. Como é possível que esta pessoa tirada à força de sua residência às seis da manhã, aos olhos de seus vizinhos, mesmo sem qualquer envolvimento com crimes, se recomponha? Fica o sentimento para todas as pessoas que estão no seu entorno de que ela tem alguma coisa a ver com crime. Isso tem que ser revisto por todos nós, isso tem que ser repensado. Por isso a OAB foi, inclusive, ao Supremo Tribunal Federal para contestar exatamente as conduções coercitivas.

ConJur — Qual é a possível reparação para isso?
Claudio Lamachia — Há eventuais ações indenizatórias, mas ninguém quer sofrer um agravo na sua honra e depois ir buscar uma ação reparatória de natureza econômica. A minha honra vale muito mais do que qualquer eventual condenação que eu possa receber no contexto econômico. A minha honra, a minha ética e a minha moral não estão à venda. O que nós precisamos, sim, é que a lei seja respeitada. Se fora da lei não há solução, como disse Ruy Barbosa, como se pretende de alguma maneira combater o crime cometendo outro crime?

Todos nós queremos o combate implacável à corrupção, à impunidade, queremos ver corruptos que aí estão condenados e presos, mas tudo depois de encerrado o processo penal. Respeitando o processo, os princípios constitucionais da ampla defesa, do contraditório, do devido processo legal, da presunção de inocência…

ConJur — Discutimos aqui a questão do direito de defesa enquanto a Justiça continua abarrotada de Habeas Corpus e outras ações que, pela falta de possibilidade de o Judiciário julgar tudo, acabam se tornando processos eternos. Que são, em si, uma pena para o acusado. Como a OAB se insere nessa discussão?
Claudio Lamachia — Hoje, nós lutamos contra uma coisa chamada falta de capacidade do Poder Judiciário. Na minha concepção, é uma das pautas mais importantes que temos, já que ela atinge a todos, desde a área cível até a área criminal. Na área criminal, ela cria exatamente essa injustiça: alguém é acusado e não consegue provar a sua inocência num tempo razoável. Na cível, afeta um cidadão que busca o Poder Judiciário para conseguir um medicamento. Ruy Barbosa, de novo, já dizia que "Justiça que tarda é a Justiça que falha e cria uma injustiça". Não é possível que nós tenhamos hoje processos que se eternizam.

Isso acontece porque temos uma falta absurda de juízes e servidores em todo o Brasil, em diversas comarcas brasileiras, por isso que eu falo que a capacidade instalada do Poder Judiciário não tem mais dado conta da demanda. Inúmeras comarcas hoje estão sem juízes, isso é um escândalo.

ConJur — A solução para o senhor é aumentar a máquina?
Claudio Lamachia — Quem paga seus impostos espera que o Estado forneça justiça, que é uma das políticas públicas fundamentais. Não se trata de aumentar a máquina, mas de efetivamente prover cargos no 1° grau. Nós temos hoje cortes extremamente funcionais, bem estruturadas, enquanto no 1° grau faltam juízes e servidores. Inúmeras comarcas brasileiras não têm juiz titular em uma vara, os processos acabam se eternizando. Algo em torno de 20% dos cargos hoje existentes não estão providos. Nós temos mais de 4 mil juízes faltantes nas comarcas do interior. Isso gera uma situação desesperadora para quem precisa do Judiciário.

ConJur — Há mudanças possíveis no processo, ou no modus operandi do Judiciário, que possam ser um segundo passo para essa mudança?
Claudio Lamachia —
Nós temos que buscar encontrar todos os mecanismos possíveis para enfrentarmos essa dificuldade, mas o ponto primeiro nisso é mostrar o número exato de comarcas sem juízes e servidores.

ConJur — A morosidade foi naturalizada, não é?
Claudio Lamachia —
Mais do que naturalizada, é quase como que uma imposição, parece que alguém está ganhando com a morosidade. As pessoas não denunciam! Como é que uma comarca pode ficar um ano, dois anos sem um juiz? Isso é um direito do cidadão. Nós pagamos impostos. Assim como eu tenho direito à saúde, assim como eu tenho direito à segurança, à educação, eu tenho direito de ter a prestação jurisdicional no tempo certo.

ConJur — E como a OAB tem atuado para melhorar essa questão dos juízes?
Claudio Lamachia —
Fizemos um levantamento muito extenso sobre isso, mas nós precisamos de um maior engajamento de todos, seja da sociedade, seja da imprensa, seja do próprio Poder Judiciário.

ConJur — Como o senhor tem visto a volta dos cursos de tecnólogo?
Claudio Lamachia —
Nós já judicializamos isso e eu tenho procurado ser bem enfático: essa postura do MEC é um desrespeito com o próprio ensino jurídico no Brasil, um verdadeiro estelionato educacional. Esses cursos de tecnólogo são um estelionato educacional, institucionalizado pelo Ministério da Educação.

ConJur — Quem seriam os novos nomes da advocacia?
Claudio Lamachia —
O 1,1 milhão de advogados brasileiros. Eu acho que nós temos que despersonalizar, porque temos hoje inúmeros, milhares, centenas de Raymundos, de Ruys, espalhados pelo mundo. Pessoas que são vocacionadas, que são determinadas, que querem o bem do Brasil e exercitam a nossa atividade profissional com amor.

ConJur — Como a “lava jato” está refletindo na advocacia como um todo?
Claudio Lamachia —
Ela tem imposto alguns desafios para os advogados que trabalham nesses processos especificamente. A OAB tem atuado e trabalhado ativamente em todos os processos onde detectamos algum desrespeito à prerrogativa dos advogados. As 27 seccionais da OAB têm trabalhado, buscando defender e representar o direito da advocacia, tendo em vista que trata-se do direito do cidadão que está sendo representado.

Assim como a “lava jato”, todas as demais operações têm que ser vistas como fatos normais dentro de uma democracia, mas têm que respeitar, acima de tudo, a lei.

ConJur — Para além da área criminal, qual a maior preocupação da OAB agora?
Claudio Lamachia —
A Ordem está preocupada com um reforço das garantias da advocacia, das prerrogativas da nossa profissão. Quando a OAB consegue de forma inédita aprovar, no Senado Federal, um projeto de lei que criminaliza o desrespeito das prerrogativas, nós estamos dando um passo gigantesco na linha de reforçarmos cada vez mais a atividade profissional do advogado. E vale tanto para a área criminal quanto para qualquer outra área. Nós temos, infelizmente, inúmeros casos no dia a dia de desrespeito de advogado na área trabalhista, na área previdenciária, na área empresarial, na área tributária, enfim, nós vamos ter a garantia de que haja um respeito total a uma lei que já existe hoje.

Nós simplesmente estamos criando uma pena para o descumprimento de uma lei, já que as prerrogativas existem desde a Lei 8.906. O que nós precisamos é criminalizar o desrespeito, o descumprimento de um daqueles incisos. Nós advogados e advogadas temos prerrogativas profissionais para dizer aquilo que muitas vezes o cidadão comum gostaria de dizer, mas não pode.

ConJur — Essa ideia se aproxima da ideia da Lei contra Abuso de Autoridade. O senhor vê a chance de essa lei voltar à discussão?
Claudio Lamachia —
Eu acho que ela tem que voltar à discussão, sem dúvida nenhuma, mas que não seja apaixonada, mas técnica. Não pode ser uma discussão de radicalismos de dois lados. O Brasil precisa encontrar novas maiorias, e esse radicalismo não nos oportuniza a construção que nós precisamos ter nesse momento. A Lei de Abuso de autoridade precisa ser debatida e trabalhada. Tenho certeza de que nenhum cidadão brasileiro quer alguma autoridade com superpoderes.

ConJur — A reforma trabalhista vai afetar os escritórios de advocacia?
Claudio Lamachia —
A Ordem tem debatido bastante esse tema, eu acho que nós vamos ter que enfrentar ele com mais vigor ainda no próximo ano. Vamos ter muitas alterações no dia a dia da advocacia trabalhista, sem dúvida nenhuma.

ConJur — Mas e questões como o contrato de associado, que tem sido colocado na mira do Ministério Público do Trabalho em alguns estados?
Claudio Lamachia —
A figura do advogado associado já tem sido questionada bem antes da reforma pelo Ministério Público do Trabalho, o que é algo também inaceitável. O MPT deveria, na minha concepção, cuidar de outros temas muito mais importantes, como, por exemplo, trabalho escravo, trabalho infantil. Mas eles decidiram atuar em uma discussão teórica, que nada mais é que um questionamento sobre uma lei federal, que prevê a contratação de advogados como associados.

O que é mais importante nesse momento? Combater trabalho escravo e trabalho infantil ou combater a figura do advogado associado nos escritórios de advocacia?

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