Limites ao litígio

Novo CPC encarece processo, e advogados apostam em mudança de cultura

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27 de fevereiro de 2016, 7h51

Por estabelecer multas maiores por litigância de má-fé e o aumento dos honorários recursais cada vez que uma das partes resolver avançar para outra instância, o novo Código de Processo Civil pode ser um fator de mudança na cultura do litígio no país. A tese foi explorada durante seminário sobre o CPC organizado pelo escritório Souza Cescon. Outro ponto destacado é que a lei importou aspectos da arbitragem, como a negociação processual, o que pode estimular empresas a passarem a recorrer à Justiça ao invés de arbitragem — a primeira é mais barata que a segunda.

O código, que entra em vigor em março, irá tornar mais caro o processo. Perder em primeira instância pode custar 10% do valor do litígio e essa quantia pode chegar a um teto de 20% um uma próxima etapa do processo. “Junto com a mediação, que é muito estimulada pelo CPC, isso pode diminuir o número de processos no Brasil. Esse aumento de custo é das coisas mais importantes em prol da celeridade processual”, afirmou o advogado Carlos Braga, sócio do Souza Cescon.

Braga ressalta que, olhando estritamente para o que estabelece a lei, um processo no Brasil e nos Estados Unidos deveria durar mais ou menos o tempo. Porém, lá o custo é tão grande que só avançam os casos realmente controversos. Nos outros casos se acolhe a decisão da primeira instância ou é buscada a mediação. “Os recursos procrastinatórios ficarão muito caros”, prevê o advogado.

Desafio para as empresas
Esse custo maior impacta especialmente as empresas, que em geral estão envolvidas em casos de altos valores. “O departamento jurídico da empresa terá que ser muito mais rigoroso na análise de chances de ganhar o processo. Às vezes a causa parece financeiramente vantajosa e, no meio do processo, se torna um grande problema”, disse o advogado Elias Marques, diretor jurídico da Cosan.

Além da ponderação de litigar ou não, Marques explica o trabalho de gestão de informação do departamento no dia a dia deverá ser mais intenso. “Com o novo CPC o juiz poderá dar tutela de mérito na parte do processo que não depender de provas. Isso faz com o que departamento jurídico deva estar com todos os documentos muito organizados para agir de prontidão”, alertou o diretor jurídico.

Aspectos de arbitragem
O novo CPC estabelece a possibilidade de negociação processual entre as partes. Trata-se de uma experiência vinda da arbitragem: duas empresas ou pessoas, ao firmarem contrato, já estabelecem algumas diretrizes caso ocorra um litígio. Porém, só na prática se saberá qual o limite para esses acordos.

“Não acredito que as partes poderão de forma alguma estabelecer um juiz para conduzir o processo. Combinar de excluir prova oral também acho muito difícil ser aceito. Agora, um perito pré-acordado entre ambos, não vejo porque não ser aceito pela Justiça”, disse Carlos Braga à ConJur ao final do evento.

Ana Carolina Beneti, sócia do Souza Cescon, afirma que mesmo com a Justiça sendo mais barata e ganhando aspectos mais negociáveis, a arbitragem deve continuar por um tempo sendo a preferência das empresas. “Nesse primeiro momento todo mundo vai aguardar para ver como o CPC será aplicado e como será o impacto. Então, por um tempo, vão continuar preferindo a arbitragem”, opina.

Juiz da Justiça estadual de São Paulo, Swarai Cervone estima que irá demorar uma década para que a aplicação do CPC esteja normatizada. O magistrado disse que a nova lei confere maior poder aos juízes, mas que este é limitado pela razoabilidade. Concorda que foram importados aspectos da arbitragem e que muitos de seus colegas já sinalizaram que vão resistir à negociação processual entre as partes.

Boa-fé processual
Outro ponto falado no seminário foi o reforço que o novo Código de Processo Civil dá no conceito de boa-fé processual. “Isso é algo já previsto e que nunca saiu do papel no Brasil. Precisamos de um esforço entre juízes, advogados e principalmente nas faculdades para mudar a mentalidade. Tento passar isso no Largo de São Francisco, onde dou aulas e já vejo uma geração começando a ter outro pensamento. A boa fé precisa estar presente e ser praticada”, afirmou Cervone.

Para o advogado Carlos Braga, é necessário se reforçar o combate aos recursos que buscam a prescrição do processo e a Justiça entregará resultados mais rápidos quando todos agirem segundo a boa-fé. “Os desembargadores também devem produzir acórdãos com bem mais qualidade, para que sirvam de fato como um guia jurídico para juízes e advogados e tenham um efeito pedagógico em todo o sistema”, conclui Braga.

O tom geral era de otimismo quanto ao novo CPC, com exceção do ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça Sidnei Beneti. Apesar de ter feitos elogios a nova lei, ele afirma que o código alarga o número de recursos possíveis e que todos os prazos processuais foram aumentados. Beneti citou uma máxima da Justiça alemã: “O Estado Democrático de Direito pressupõe que os processos tenham fim algum dia”. 

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