Empate anunciado

Política americana pode tornar Suprema Corte irrelevante por mais de um ano

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24 de fevereiro de 2016, 12h43

Em uma reunião a portas fechadas do Comitê Judiciário do Senado dos EUA, os 11 senadores republicanos assinaram uma carta, na qual se comprometeram a não receber nenhuma nomeação do presidente Obama para substituir o ex-ministro Antonin Scalia, morto em 13 de fevereiro.

“Não haverá audiência de sabatina, não haverá votação, não haverá novo ministro até que Obama deixe a Presidência”, diz a carta, segundo os jornais The Washington Post, The Washington Times, The National Law Journal e outras publicações.

O presidente eleito em novembro deste ano, republicano ou democrata, só tomará posse em 20 de janeiro de 2017. Mesmo que ele envie a indicação de um nome ao Senado na primeira semana de seu governo, o processo de sabatina e votação tomará mais de um mês, o que significa que a Suprema Corte dos EUA, se esse “compromisso” for mantido, ficará com oito ministros (quatro conservadores/republicanos e quatro liberais/democratas) por mais de um ano.

Nesse período, todos as votações de repercussão nacional na Suprema Corte, em que os ministros tendem a votar de acordo com suas convicções conservadoras ou liberais, tendem a terminar empatados: 4 a 4. Há casos, embora raros, em que as posições ideológicas dos ministros dão lugar às convicções jurídicas e as decisões são imprevisíveis.

Em caso de empate, prevalece a última decisão, tomada por tribunal inferior — ou o Tribunal Superior de um estado ou um tribunal de recursos federal. Isso significa que quaisquer decisões que os oito ministros tomarem com base em suas convicções ideológicas — ou seja, quase todas — se tornaram irrelevantes, na prática.

Essa é uma consequência. A outra é a de que a Suprema Corte não criará precedentes, porque não irá decidir coisa alguma — uma vez que decisão prevalecente de um tribunal inferior não cria precedente nacional.

Empate anunciado
No primeiro dia de trabalho sem Scalia, os oito ministros em atividade na Suprema Corte indicaram que o primeiro empate na votação final está a caminho. Em uma audiência para examinar uma prática policial costumeira nos EUA de parar e revistar pessoas que consideram suspeitas, embora a suspeita não seja razoável, os quatro ministros liberais se pronunciaram contra a prática e os quatro ministros conservadores a favor.

O caso envolve a detenção de um homem, por um policial de Utah, que saía de uma casa que estava sendo vigiada por suspeita de tráfico de drogas. Com base em um mandado de prisão ainda pendente, por causa de uma pequena violação da lei do trânsito, o policial prendeu e revistou o “suspeito” e encontrou drogas ilegais com ele.

O Tribunal Superior de Utah decidiu que a prisão e a revista foram ilegais. E que mesmo o mandado de prisão por causa de uma pequena infração de trânsito era insuficiente para justificar a revista e consequente prisão. Isso levou o estado de Utah a entrar com recurso na Suprema Corte dos EUA.

Com o empate na Suprema Corte já anunciado, essa decisão do tribunal de Utah vai prevalecer — isto é, os conservadores/republicanos vão perder o primeiro caso para os liberais/democratas, porque querem ganhar a vaga de Scalia a todo custo.

É um ganho considerável para os liberais. Na Suprema Corte, a ministra Sonia Sotomayor indagou: “O que está faltando para nos tornarmos um estado policial?”. Mas, com a possível vitória liberal, uma reviravolta está prevista para as práticas policiais nos EUA, de uma maneira geral muito agressivas.

Mandados de prisão
Em muitas cidades, uma grande porcentagem da população está sob ameaça de prisão, porque há alguma espécie de mandado de prisão contra elas. Na cidade de Ferguson (Missouri), por exemplo, há mandados de prisão contra 80% da população, como descobriu o Departamento de Justiça, ao investigar o assassinato de um negro de 18 anos, desarmado, por um policial branco, no ano passado.

Na cidade de Cincinnati, em Ohio, há mais de 100 mil mandados de prisão pendentes, porque as pessoas deixaram de comparecer a um tribunal para se defender da acusação de alguma infração. Na cidade de Nova York, há mais de 1,2 milhão de mandados de prisão pendentes.

A maioria desses mandados, segundo o USA Today, se refere a infrações de trânsito. Em alguns municípios, os policiais são encorajados a produzir multas. E, se não pagas, são estimulados a localizar os infratores para ameaçá-los de prisão (ou prendê-los) se não pagarem as multas, a fim de aumentar a receita da cidade, diz o jornal.

O único ministro que pode impedir a declaração de irrelevância da Suprema Corte dos EUA é Anthony Kennedy, há tempos considerado o fiel da balança da corte, porque ele costuma votar com base em suas convicções pessoais, em vez de suas convicções ideológicas.

Na audiência, ele disse não entender porque o policial revistou e prendeu o suspeito na rua, se o mandado de segurança era para investigar a casa que, segundo as suspeitas, era usada para tráfico de drogas.

Para as próximas etapas, a previsão é de mais quatro empates, dois a favor dos conservadores e dois a favor dos liberais, porque irão prevalecer as decisões de tribunais inferiores. Os conservadores irão levar um caso de restrição a clínicas de aborto e outro que contraria o plano de imigração de Obama. Os liberais irão manter o Obamacare, o plano de seguro-saúde para os pobres, e a obrigação dos funcionários públicos de contribuir para o sindicato.

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