Virada na jurisprudência

Para Marco Aurélio, STF impôs "flexibilização das liberdades individuais"

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24 de fevereiro de 2016, 21h29

Para o ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, a decisão do tribunal que autorizou a prisão já depois da decisão de segundo grau é uma “flexibilização, sem precedentes, das liberdades fundamentais”. “Sei muito bem que a sociedade almeja e exige a correção de rumos, mas esta há de acontecer sem açodamento. Não se avança culturalmente fechando a Lei das leis da República, que é a Constituição Federal, sob pena de vingar a lei do mais forte, o critério de plantão”, disse na noite desta quarta-feira (24/2).

Marco Aurélio falava em discurso durante lançamento de um livro em homenagem a ele. A obra, intitulada Direito Financeiro: na Jurisprudência do STF, lista os processos que estão na pauta do Supremo que tratam sobre o assunto e os discute de acordo com orientações dadas pelo ministro em seus votos. O livro é organizado pelos tributaristas Heleno Torres, Marcus Abraham e Marcos Lívio Gomes.

O comentário de Marco Aurélio foi feito em relação ao julgamento, do dia 17 de fevereiro, que permitiu a execução da pena já depois de o tribunal confirmar a sentença condenatória. Na discussão em Plenário, o ministro criticou a mudança repentina da jurisprudência que era corrente desde pelo menos 2006. "A sociedade não pode viver aos sobressaltos", votou.

No discurso desta quarta, ele ponderou que, embora os tempos sejam de "crise política, de crise econômico-financeira", "cumpre atuar sem paixão, com temperança e contenção". "Deve-se guardar princípios e valores."

O livro conta com artigos de diversos especialistas em Direito Financeiro, além dos ministros Luiz Fux e Luiz Edson Fachin e do prefácio o ministro Ricardo Lewandowski, presidente do STF.

Leia o discurso:

Na feitura deste livro, campearam a solidariedade intelectual, a busca da guarda e perpetuação da memória, o engrandecimento dessa instituição maior que é o Supremo. Isso ocorreu em época de crise política, em época de crise econômico-financeira, em época de impasse, já agora agravado por flexibilização, sem precedentes, das liberdades fundamentais. Em quadra como a presente, cumpre atuar sem paixão, com serenidade, temperança e contenção. Deve-se guardar princípios e valores. Sei muito bem que a sociedade almeja e exige a correção de rumos, mas esta há de acontecer sem açodamento. Não se avança culturalmente fechando a Lei das leis da República, que é a Constituição Federal, sob pena de vingar a lei do mais forte, o critério de plantão, a Babel. A prevalecer as pinceladas notadas, para não falar em traulitadas de toda ordem, onde vamos parar? Não sei, o horizonte é sombrio. Avança-se culturalmente quando observado o ordenamento jurídico, sem improvisações, sem tergiversações, sem forçar a mão nos mais diversos campos da vida nacional. Eis o preço que se paga por viver em um Estado Democrático de Direito: é módico e está ao alcance de todos. Fora disso não há salvação. É esta a mensagem que direciono, muito embora o momento seja de festa, de alegria, de muito amor.

Atribuo esta publicação ao fato de haver vivido, até aqui e profissionalmente, em grandes laboratórios: o da advocacia, o do Ministério Público e o do Judiciário.

Agradeço, com esfuziante entusiasmo, aos organizadores e apresentadores da obra, os doutores Marcos Lívio Gomes, Marcus Abraham e Heleno Torres.

Magistratura, academia e advocacia podem e devem caminhar de braços dados.

Reconheço o quanto é difícil coordenar atores do saber.

Ao chefe do Poder Judiciário, ministro Ricardo Lewandowski, meu presidente, pelo inexcedível prefácio. Aos assessores do gabinete no que pinçaram e revelaram situações concretas a demonstrarem a evolução da jurisprudência: Adriane Rocha Callado Henriques, Alexandre Reis Siqueira Freire, Carlos Alexandre de Azevedo Campos, José Marcos Vieira Rodrigues Filho, Marcelo Novelino Camargo, Marcos Paulo Dutra Santos, Roberto Lisandro Leão, Rodrigo Crelier Zambão da Silva e Vinícius de Andrade Prado – artífices do Direito.

Aos doutores articulistas que aquiesceram ao convite para falarem sobre esse ramo do Direito – o Financeiro, tão responsável pela circulação da riqueza nacional.  Não se trata de Direito simplesmente tributário. É mais que isso, muito mais do que isso, lembrando-me da nomenclatura  da caidera que fiz na Faculdade Nacional do Direito. Vinte e seis são os articulistas e, para não tomar mais tempo, personifico-os, sem distinção, nas pessoas dos ministros Luiz Fux e Luiz Edson Fachin. E abro parênteses: com orgulho, constato a participação de minha filha, hoje colega de sacerdócio, Letícia De Santis Mendes de Farias Mello. Nela reconheço as qualidades da mãe, também juíza, e, quem sabe, os meus defeitos.

Aos que aqui vieram testemunhas este lançamento. Fizeram-me acreditar haver valido a pena o esforço desenvolvido, sempre na busca de servir bem e bem servir aos semelhantes.

Colho, em curso a caminhada, o estímulo à perseverança.

Muito obrigado a todos!”

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