Paradoxo da Corte

​A expectativa da entrada em vigor do novo CPC: o que nos aguarda?

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23 de fevereiro de 2016, 8h00

Exaltado quando aprovado, o Código de Processo Civil de 1973, nestas últimas quatro décadas, prestou-se, de um lado, a reger precipuamente o processo contencioso de forma segura e eficiente e, de outro, a servir de base para a construção de vigorosa doutrina e sólida jurisprudência acerca de institutos e mecanismos que marcaram a nossa experiência jurídica.

Um dos mitos que se exige desfazer é o de que o Código de Processo Civil é o responsável pela morosidade crônica da prestação jurisdicional. A crua realidade é bem outra: a ineficiência da administração da Justiça tem como causas primordiais a ausência de um serviço judiciário aparelhado e a banalização das demandas judiciais. No Brasil, litiga-se, em todo território nacional, por tudo. É absolutamente surpreendente e intolerável a judicialização dos conflitos individuais sobre questões que poderiam ser dirimidas fora do ambiente forense (por exemplo: acesso a medicamentos, inserção abusiva do devedor nos cadastros de proteção ao crédito, extravio de bagagem, atraso de voo, cobrança de débitos condominiais, má prestação de serviços em geral etc.).

Com o passar do tempo, no entanto, diante de um número crescente e alarmante de demandas pendentes, devido, sobretudo, aos referidos fatores, o diploma processual em vigor sofreu sucessivas intervenções legislativas, que acabaram fragmentando demasiadamente a sua estrutura original. Ressalte-se, outrossim, que, acompanhando as tendências de vanguarda da ciência processual, diferentes paradigmas foram sendo assimilados e aperfeiçoados pelos operadores do Direito.

Assim, toda essa natural evolução recomendava, de modo inexorável, a elaboração de um novel Código de Processo Civil.

Apresentado ao Senado, o anteprojeto que se transformou no Projeto 166/2010, do novo CPC, caracterizou-se por uma tramitação legislativa cuidadosa e participativa, imbuída de inequívoco espírito republicano. Na verdade, em reiteradas oportunidades, toda a comunidade jurídica foi convidada a oferecer críticas e sugestões à sua respectiva elaboração. 

É, sem dúvida, empenho hercúleo a construção de nova codificação, qualquer que seja o seu objeto.

No tocante ao processo civil, colocando em destaque essa evidente dificuldade, Carnelutti (incumbido, há mais de 80 anos, de elaborar um anteprojeto do CPC italiano, engavetado pela ascensão do regime fascista) chamava a atenção para a diferença entre a arquitetura científica e a arquitetura legislativa, sendo certo que esta última não deve desprezar os valores conquistados pela dogmática jurídica.

A tal propósito, nota-se, de logo, que o texto legal, finalmente sancionado em 16 de março de 2015 — Lei 13.105 —, não descurou a moderna linha principiológica que advém do nosso texto constitucional. Pelo contrário, destacam-se em sua redação inúmeras regras que, a todo o momento, procuram assegurar o devido processo legal aos litigantes. Até porque os fundamentos de um Código de Processo Civil devem se nortear, em primeiro lugar, pelas diretrizes traçadas na Constituição Federal.

E, assim, num primeiro exame de conjunto, é possível afirmar que a legislação processual prestes a entrar em vigor merece os maiores encômios. Tenho firme convicção de que será mais fácil advogar e judicar pelo novo Código de Processo Civil, uma vez que se apresenta bem mais simplificado e seguro. Igualmente, devo dizer que não me preocupa, nem um pouco, a possível dilatação dos poderes do juiz, visto que freada pelo constante — e às vezes até redundante — respeito ao contraditório. 

Embora passível de inúmeras críticas pontuais, o novo CPC encerra um modelo processual governado pelas garantias do due process of  law e pela flexibilização do procedimento a ser estruturado mediante cooperação das partes, na moldura de uma visão moderna, bem mais participativa.

Saliente-se, por outro lado, que a disciplina legal que em breve estará em vigor, em vários dispositivos, fomenta a solução consensual das controvérsias, em particular por meio da conciliação e da mediação. Não é preciso registrar que, à luz desse novo horizonte que se descortina sob a égide do novel diploma processual, os aludidos protagonistas do foro não devem medir esforços na direção da composição amigável do litígio.

Importa ressaltar, por outro lado, apenas como exemplo, que, reafirmando o crescente protagonismo dos tribunais superiores na sociedade brasileira contemporânea e a consequente importância de seus respectivos pronunciamentos judiciais, o novo Código de Processo Civil procura valorizar a jurisprudência, no capítulo introdutório do título que disciplina a ordem dos processos nos tribunais (artigos 926 a 928).

Vale observar que tais regras destacam, com clareza, a louvável preocupação do legislador com o aspecto pedagógico no trato da matéria, sobretudo no que respeita à função institucional que é atribuída aos tribunais, visando à uniformização da interpretação e da aplicação do ordenamento jurídico.  

Ademais, o legislador adotou importantes novidades, mas sempre com a devida cautela, em prol da efetividade do princípio da duração razoável do processo, inclusive no que se refere à atividade satisfativa.

As alterações processuais se projetam para a sociedade. É a melhor distribuição de Justiça que, em tese, objetiva-se com a reforma. O processo judicial constitui a rota segura para fazer com que o império do Direito seja restabelecido, e a paz social prevaleça, com a solução mais segura e efetiva dos litígios interpessoais.

É evidente que, para se alcançar a celeridade na tramitação das demandas e para que as decisões proferidas sejam tecnicamente mais acertadas e socialmente mais justas, torna-se necessário conjugar a reforma processual ora introduzida em nosso sistema legal com um novo desenho da estrutura judiciária, municiada dos meios materiais disponíveis em época contemporânea.

Feito este singelo diagnóstico, deve ser frisado que não há motivo para qualquer desconforto, visto que, com o passar do tempo, contando com o preparo adequado e o esforço dos operadores do Direito, creio que será superado o exagerado pessimismo de alguns céticos, que criticam o novo diploma apenas pelo sabor da crítica.

Como tudo na vida, não devemos sofrer por antecipação.

Ademais, tomando como meu o vaticínio do processualista português Miguel Teixeira de Sousa, pode-se afirmar que somente depois da entrada em vigor de um novo Código de Processo Civil é que começam as verdadeiras dificuldades.

Antes de tudo, é o próprio novo diploma que deve conquistar os operadores do Direito para o regime processual que passa a vigorar, convencendo-os de suas vantagens; depois, as entidades de classe dos juízes, dos advogados e do Ministério Público têm o dever institucional de preparar e treinar os respectivos profissionais; simultaneamente, o Poder Judiciário não poderá medir esforços para aparelhar de modo minimamente consistente a máquina do serviço judiciário; e, finalmente, há que se esperar que, na praxe forense, o novo Código de Processo Civil garanta efetivamente uma melhor administração da Justiça: segura, tempestiva e eficiente.

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