Anuário da Justiça

Desembargadores do TJ-SP são contra liberar posse de drogas para consumo

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23 de fevereiro de 2016, 9h00

Desembargadores da Seção Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo são contrários à descriminalização do porte de drogas para consumo próprio. Consultados para a edição 2016 do Anuário da Justiça São Paulo, que será lançada na sede do tribunal nesta quarta-feira (24/2), às 18h, os juízes sustentaram, em resumo, que o interesse social da saúde pública prevalece sobre o do indivíduo. A publicação trata das decisões do maior tribunal do mundo e traz um perfil de cada um dos seus julgadores.

O desembargador Antônio Carlos Tristão Ribeiro, que presidiu a 5ª Câmara Criminal em 2015, diz que “o consumo de drogas, ainda que das chamadas leves, é comprovadamente prejudicial à saúde” e que, “com a liberação do porte para uso pessoal, pode incrementar o número de consumidores e, consequentemente, do tráfico ilícito”. Tristão Ribeiro comenta que o bem jurídico tutelado, no caso, é a saúde pública, e não a saúde do usuário.

José Raul Gavião de Almeida, desembargador da 6ª Câmara Criminal, conta de sua experiência nos processos que "o consumo de entorpecente tem propiciado um aumento de criminalidade e da violência, além da ruína de famílias e da dignidade humana do usuário". "A liberação da droga tornará mais fácil o acesso ao entorpecente e reduzirá a inibição de seu uso, o que significa aumentar o número de usuários", afirma.

À frente da 7ª Câmara Criminal do TJ em 2015, Fernando Geraldo Simão também é contrário à descriminalização do porte de drogas para consumo. “Para que isso ocorra, seria preciso que o Estado se estruturasse, para acompanhamento do dependente para atendimentos e acompanhamentos psicológico, educativo, além de tratamentos farmacológicos, assistência médica, clínicas de recuperação etc. Sem essas medidas estruturantes, que não existem, e não existirão pelos sinais de desinteresse governamental, a liberação pura e simplesmente para o uso de drogas seria escancarar as portas para o caos.” Ele acredita que o Supremo Tribunal Federal terá cautela para dirimir essa questão.

O ex-presidente da Seção Criminal e atual comandante das sessões da 5ª Câmara, Geraldo Francisco Pinheiro Franco, afirma que a medida não só representa um retrocesso como aumentaria a criminalidade: “Tenho para mim que não há lugar para a descrimininalização do porte. O usuário necessita da atenção do poder público para livrar-se dessa chaga que é o entorpecente. Simplesmente liberar o uso ou quantificá-lo, para mim, representa um retrocesso, sempre com o devido respeito de quem pensa em contrário, porque a questão não está vinculada apenas à saúde pública e à liberdade pessoal, mas tem liame decisivo com o tráfico. Assim como o roubo e a receptação andam juntos, o tráfico e o uso também. De qualquer forma, é tema para discussão aprofundada.”

O desembargador Guilherme de Souza Nucci, integrante da 16ª Câmara Criminal, procura problematizar a questão: “Descriminalizar para simplesmente garantir a liberdade individual ou o direito à privacidade, sem nenhum outro cuidado, não sou favorável. O usuário precisa ser diferenciado do viciado. Este precisa de tratamento; aquele consome drogas como diversão. De todo modo, descriminalizando o uso, o tráfico continua sendo um crime grave. Logo, cria-se uma situação ilógica: o comprador age ‘licitamente’ comprando drogas; o vendedor comete delito grave ao fornecer a droga. Se houver a intenção de descriminalizar, o Estado deve assumir o controle, a fiscalização e até o modo de venda da droga, sob pena de ensejar o caos”.

Exceção
De visão mais garantista, o desembargador da 12ª Câmara Criminal Carlos Vico Mañas foi o único ouvido pelo Anuário a concordar totalmente com a liberação, inclusive sem fazer distinção de qualquer droga. “Sou absolutamente favorável à descriminalização do uso de qualquer entorpecente para consumo pessoal. Além da questão jurídica de não se poder falar em crime quando não há vítima (é a própria pessoa que está se autolesionando), é uma questão de saúde pública. Não é para ser resolvida pelo Direito e, particularmente, pelo Direito Penal. A solução penal para esse tipo de situação é absolutamente inócua e contraproducente, estimuladora da própria criminalidade. Não vejo utilidade pública e social alguma a punição criminal do usuário de entorpecente”, defende.

Mañas pondera apenas a respeito da quantidade: “É um critério um tanto quanto arriscado, que de alguma maneira vai fazer com que os traficantes passem a portar uma menor quantidade. Em princípio, não vejo com bons olhos essa estipulação de uma quantidade determinada. A análise de cada caso concreto permite uma avaliação mais justa. Criminalizar a conduta não é dar uma solução ao problema; é vender uma solução falsa para a comunidade”.

Discussão no Supremo
A descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal entrou na pauta do Supremo Tribunal Federal em agosto de 2015. O caso, com repercussão geral reconhecida, foi movido em 2011 pela Defensoria Pública de São Paulo, depois que um homem foi condenado a dois meses de prestação de serviço à comunidade por ter sido flagrado com três gramas de maconha. O crime está previsto no artigo 28 da Lei 11.343/2006, que fixa penas para “quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização”. As penas previstas não envolvem prisão, mas o acusado sofre todas as consequências de um processo penal e, se condenado, deixa de ser réu primário.

O ministro Gilmar Mendes é o relator do caso. Para ele, criminalizar a posse para uso “fere o direito ao livre desenvolvimento da personalidade, em suas diversas manifestações”. Ele votou pela inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas, de forma a preservar a aplicação na esfera administrativa e cível das sanções previstas para o usuário, como advertência, prestação de serviços à comunidade e comparecimento em curso educativo. A votação foi, então, suspensa por pedido de vista do ministro Edson Fachin.

Com a retomada do julgamento, Fachin também votou pela declaração de inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei 11.343/2006, para definir atípico o porte exclusivamente de maconha. Na sequência, votou o ministro Luís Roberto Barroso. O voto também se limitou à descriminalização em relação à maconha, sem se pronunciar sobre outras drogas. O ministro propôs, ainda, que o tribunal fixe critérios objetivos para distinguir o consumo pessoal de tráfico. O julgamento foi interrompido por pedido de vista do ministro Teori Zavascki.

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