Direitos humanos

Pressão política e publicidade são trunfos de Comissão Interamericana

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22 de fevereiro de 2016, 20h31

A pressão política, além da questão jurídica, é um dos principais trunfos da Comissão Interamericana de Direitos do Homem (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA). A opinião é da advogada e professora livre-docente de Direito Internacional da Universidade de São Paulo Maristela Basso. "Pela pressão e pelo precedente, ela consolida a evolução dos direitos humanos."

A especialista explica que essa influência vem da publicidade concedida aos processos que chegam à CIDH. Segundo Maristela Basso, quando um tema é analisado pela corte, passa-se a seguinte mensagem: “Não estou sozinho, tem alguém que olha por mim”. No ano passado, a comissão recebeu mais de 2,1 mil petições. Esse número representa um crescimento de 23% em relação a 2014.

Também professor da Faculdade de Direito da USP e juiz do Tribunal Administrativo do Sistema Econômico Latino-Americano e do Caribe (Sela), João Grandino Rodas conta que outra razão dessa publicidade é o grande número de interessados no assunto, como, por exemplo, organizações não governamentais. Ele ressalta, porém, que deve ser dada a devida importância às condenações impostas pela corte.

“Em uma suposta condenação, existe a possibilidade de a responsabilidade internacional do Brasil ser cobrada, por exemplo”, diz Rodas. Dados apresentados pela CIDH mostram que o Brasil é o quinto país que mais demanda na comissão, com 99 petições, e a segunda nação a ter mais pedidos acatados (40).

Longo e lento caminho
Apesar da pressão política e da publicidade concedida aos processos, Maristela Basso ressalta que os problemas enfrentados na jurisdição internacional são os mesmos apresentados pela Justiça interna. “A corte é lenta. Em média, o juízo de admissibilidade varia entre quatro e cinco anos.”

Para Marcelo Sobrino, professor de Direito Internacional da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fesp-SP), a lentidão processual depende do modo como o Direito nacional “dialoga” com o internacional e das estruturas políticas de cada país. Ele também explica que a lentidão é resultado do alto volume de ações e da necessidade de garantir os princípios básicos.

"O processo, em geral, tende a ser lento, por conta do alto volume de demandas — muito superior à capacidade operacional das cortes — e da necessidade de se garantir alguns princípios básicos, tais como o da ampla defesa, do contraditório e do duplo grau de jurisdição, que também são direitos humanos. Paradoxalmente, ao se garantir a plenitude desses direitos, via de regra acaba-se ferindo outro, que é o da duração razoável do processo. Ora, Justiça lenta não é Justiça", afirma Sobrino.

João Grandino Rodas ressalta que a lentidão da Justiça, algo com que os brasileiros estão acostumados, não deveria ser tão tolerada, pois a demora no julgamento pode ser uma pena mais grave do que a imposta na sentença. “Justiça que tarda, falha […] É um tanto imperial aquela história de que a Justiça precisa tomar o tempo que for. O que adianta tomar o tempo que for e não fazer Justiça depois?”, questiona.

Incorporação das decisões
Mesmo com essa influência indireta graças à pressão política, a incorporação das decisões da CIDH muitas vezes é complicada, ou ocorre sem que a população perceba. Maristela Basso explica que alguns países usam o conceito de soberania clássica para não se submeterem à jurisdição da corte. “Muitos não se submetem nem mesmo ao seu próprio Judiciário”, afirma, explicitando que essas práticas ocorrem mais em países ditatoriais.

A advogada explica que as decisões da CIDH são internalizadas em portarias de agências reguladoras ou projetos de lei. “As respostas, em muitos casos, são sutis. Muitas vezes, a decisão da corte é cumprida e nem sabemos que ela foi”, diz, complementando que o cumprimento das decisões é necessário para que o país não fique desacreditado frente à comunidade internacional. “Se uma corte internacional profere uma decisão, e o país não a cumpre, isso acaba repercutindo em toda a comunidade internacional. É um país cuja conduta não é consistente. Ratifica os tratados, mas não reconhece a jurisdição. Ou, se submetido à corte, vai e se defende, mas não cumpre a decisão.”

João Grandino Rodas diz que as cobranças derivadas das decisões podem ocorrer das mais variadas formas. Ele conta que pode ser pedida uma nova legislação, ou que o país condenado pague uma indenização. “Não é igual a execução interna, mas também não acaba dizendo ‘está tudo bem, para deixar para lá’.”

Amplitude dos direitos humanos
Os casos analisados pela CIDH tratam especificamente de violações dos direitos humanos, mas o próprio conceito do tema é abrangente. “O núcleo básico é o da dignidade da pessoa humana. Em torno dele foi se estruturando toda a arquitetura de direitos humanos, e a violação desses direitos pode resultar, ao final, não apenas em sanções penais, mas também em civis”, explica Sobrino.

Um dos componentes dessa estrutura são os direitos humanos do trabalhador. Maristela Basso explica que algumas ações são movidas dentro desse assunto porque, por exemplo, uma empresa adota procedimentos predatórios para ganhar mercado. Segundo ela, há todo um sistema que gira em volta dessa empresa, e alterações nessa sistemática podem afetar vários atores, influenciando diretamente em seus direitos como ser humano e trabalhador.

“As empresas têm que observar, além daquele rol de direitos já existentes, os direitos humanos dos trabalhadores, pois há uma sociedade que está em volta de uma empresa e que precisa ter seus direitos respeitados. Os trabalhadores têm o direito de permanecer no trabalho, de se desenvolver, de sustentar sua família, ou seja, à dignidade. É muito mais uma relação trabalhador, empresa e Estado, do que uma relação empresa-Estado. Estado esse que deve garantir a ordem econômica”, afirma a advogada.

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