Estado da Economia

Avaliação de eficiência e efetividade é necessária em nossa política econômica

Autor

  • José Maria Arruda de Andrade

    é professor associado de Direito Econômico e Economia Política da Universidade de São Paulo (USP) livre-docente e doutor pela mesma instituição professor do programa master de pós-graduação em Finanças e Economia da Escola de Economia de São Paulo Fundação Getulio Vargas (FGV EESP) foi secretário-adjunto da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda e pesquisador visitante no Instituto Max-Planck de Inovação e Concorrência em Munique (Alemanha).

21 de fevereiro de 2016, 10h30

Spacca
Em recente fala, o Ministro do Planejamento, Valdir Simão, defendeu a revisão dos gastos públicos (com políticas sociais); uma espécie de revisão do que está ou não funcionando, ou seja, um pente fino para evitar o piloto automático dos gastos e políticas sociais.

Afora a correção da declaração, que de fato não contraria um senso comum e intuitivo, qualquer política sem governança e avaliação de resultados pode descambar para ineficiência e falta de efetividade de seus propósitos e resultados. Convém, assim, analisar as características e as dificuldades de sua implementação no universo das políticas econômicas que se valem de instrumentos fiscais, objeto de nosso interesse de pesquisa.

Como temos defendido, essas políticas econômicas, após as fases de (i) elaboração/estudos e (ii) implementação, necessitam estar sujeitas a (iii) governança durante sua execução.

Essa governança pode ser prevista na própria criação da medida (comissões de avaliação, acompanhamento e controle por parte de um órgão responsável etc). Além disto, sua gestão não dispensa uma efetiva fiscalização, seja interna (Controladoria Geral da União, no âmbito federal) seja externa (tribunais de conta, notadamente).

A governança de cada política permitirá não somente o cumprimento dos objetivos e requisitos legais, como também a (fase iv) análise da eficiência e efetividade da medida, o que dará subsídios para a revisão, correção, aprimoramento ou até supressão da política instituída.

Acreditamos que muito se evoluiu quando se trata do uso de instrumentos fiscais em políticas econômicas, seja porque houve uma melhora na implementação das medidas (e a Lei de Responsabilidade Fiscal teve um papel importante, aqui), seja pelo aprofundamento decorrente da fiscalização realizada pelos tribunais de contas[1]. Há muito, contudo, a aprimorar e, parece-nos, vivemos justamente essa fase, a de cobrança por governança e análise de resultados (eficiência e efetividade).

Em acórdão relativamente recente do plenário do Tribunal de Contas da União (TC 018.259/2013-8, acórdão 1205/2014) houve uma detida discussão sobre a governança dos gastos tributários indiretos (renúncias).

Várias questões norteiam a auditoria dessas políticas por parte daquele órgão: “(1) O processo de instituição de renúncias tributárias está bem definido e propicia o planejamento e a avaliação das políticas públicas por elas financiadas? (2) Qual sistemática é adotada para elaboração da previsão das renúncias tributárias e quais órgãos participam desse processo? (3) Há mecanismos de governança para o acompanhamento da concessão e da execução das renúncias tributárias? (4) As políticas públicas financiadas por renúncias tributárias são fiscalizadas e é realizada alguma avaliação dos resultados”?

Muitos são os motivos a fundamentar a necessidade de reforço na governança das políticas econômicas e sociais que se valem de renúncias tributárias. Contudo, também muitas são as dificuldades relacionadas. Em textos anteriores, já mencionamos uma delas: a própria dificuldade de se delimitar o que são os gastos tributários (muitas medidas sequer deveriam ser consideradas como tal). Além disso, algumas renúncias, sobretudo aquelas relativas a produtos, seriam de difícil ou inútil avaliação. Por exemplo: que tipo de proveito teríamos ao avaliar o impacto da medida que impôs a renúncia dos tributos incidentes sobre a água mineral?

Outras medidas, por sua vez, seriam passíveis de uma avaliação mais simples. Por exemplo, aqueles regimes especiais que desoneram toda ou parte da cadeia de produção de alguns produtos industrializados, sobretudo para diminuir o seu preço final (pense-se no regime da indústria da defesa, dos produtos de telecomunicação ou informática, por exemplo). A avaliação dessa medida está relacionada ao preço e a efetiva aquisição dos produtos que foram objeto da medida.

Por fim, outras medidas representam enorme desafio quando se pensa em avaliar os resultados de sua eficiência, eficácia e efetividade. A desoneração da folha de pagamentos é uma dessas. As variáveis de interesse são muitas e dinâmicas. Como saber qual foi a parcela de responsabilidade por determinados resultados setoriais (contratação, demissão de empregados, importação e exportação)? Como isolar os efeitos do tratamento obtido com base na medida daqueles resultados que foram gerados por outros fatores estranhos a ela?

O desafio está longe de ser trivial. Várias são as formas de se avaliar, e com certeza, as fragilidades dos modelos e as dificuldades não devem servir de escusa à necessidade de avaliação crítica das políticas implementadas.

Muitas vezes, a análise se dá em termos estáticos. O método de mensuração das renúncias do governo federal (Demonstrativo de Gastos Tributários, elaborado pela Receita Federal do Brasil), até por necessidade de conservadorismo, se vale desse tipo de abordagem. Ou seja, busca-se mensurar qual seria a tributação normal caso não houvesse a renúncia estudada e, depois, calcula-se a renúncia imaginando o recolhimento potencial (estático). O pressuposto é de que a renúncia não tem efeito futuro e dinâmico sobre o mercado (claro que a Receita, depois, analisa os resultados mais efetivos da renúncia, de forma mais retrospectiva, mas ainda assim, não se avalia o impacto da medida sobre as variáveis de mercado em jogo).

Esse tipo de estudo mais simples e estático é o que, geralmente, aparece nas críticas do jornalismo econômico. Pega-se o valor de uma renúncia, pesquisa-se alguma variável de interesse (emprego, por exemplo) e faz-se uma contraposição simples, comparando algum número com outro, sem maiores cuidados com a avaliação dinâmica da interação da medida com aquele número. Um exemplo é: determinada medida visava estimular o emprego, mas o setor “x” demitiu tantas mil pessoas. A pergunta que não se coloca, todavia, é: “mas quantas pessoas teriam sido demitidas se não houvesse a medida”?

Além de análises estáticas, há técnicas dinâmicas retrospectivas e prospectivas.

Os métodos retrospectivos buscam analisar os dados disponíveis (pretéritos) para avaliar a medida. Quando se analisa esses dados, busca-se isolar as variáveis de interesse, visando segregar as alterações causadas pela medida daquelas alterações causadas por outros fatores alheios à política. Justamente por se tratar de vários expedientes não simples que se pode até questionar se se está de fato diante de um método empírico. Ainda assim, a análise retrospectiva que busca compreender e segregar os efeitos causados diretamente pela medida tem a vantagem de melhor avaliar os resultados em questão. Um desses métodos é o econométrico (das diferenças nas diferenças, de controle sintético etc.).

Por fim, existem modelos que buscam simular os efeitos esperados de uma medida, a partir de teorias de equilíbrio de mercado e a partir do uso de sistemas de informática. Trata-se de método prospectivo, que tem na análise de equilíbrio geral computacional seu melhor exemplo. Também aqui pode-se questionar as premissas do modelo que busca simular o comportamento dos agentes de mercado, tendo em vista a complexidade de se prever todas as ações desses agentes. Mas, acima de tudo, não se deve esquecer que é melhor uma política econômica que busque subsídios, ainda que limitados, em métodos estudados por diversos pesquisadores do que a mera intuição do agente político dotado de poder para implantar uma medida econômica.

Como se viu, há muito a se fazer em matéria de governança executiva das renúncias tributárias e de avaliação de eficiência, eficácia e efetividade delas.

Podemos sintetizar algumas sugestões, não conclusivas, acerca da matéria:

Fase (i) de elaboração de estudo: os estudos que precedem e subsidiam a elaboração de uma política econômica que se vale de renúncia tributária devem buscar elementos que justifiquem e fundamentem essa medida (como simulações ou análise de preços esperados, custo da medida e custo/benefício unitário da renúncia).

Fase (ii) de implementação: além do cumprimento de todos os requisitos legais quando se trata de instituir uma renúncia tributária (previstos na Constituição e na Lei de Responsabilidade Fiscal), na medida do possível, essas renúncias devem prever órgãos ou comissões responsáveis pela observância das exigências inerentes a ela (condicionalidades, documentação, projetos, cadastros) e pela avaliação periódica dos resultados alcançados, com a maior transparência possível (sobretudo pela publicação no site do órgão responsável). Como exemplo, lembre-se que a desoneração da folha de pagamento conta com uma Comissão Tripartite responsável pela avaliação semestral dela (CTDF).

Além disso, seria recomendável que as medidas tivessem prazo certo de vigência ou, ao menos, previsão de que a renovação se dará somente após a realização de amplos estudos que a justificassem. Atualmente, são comuns as desonerações sem imposição de prazo, sem órgão diretamente responsável e, muitas vezes, sem qualquer contrapartida por parte dos beneficiados (ausência de condicionalidades). Obviamente não entraria nessa categoria as isenções mais simples, relativas a produtos fundamentais ou em virtude de equidade.

Fase (iii) de governança: Importante que a própria lei preveja se a governança será feita por ministérios setoriais específicos ou por aqueles ministérios centrais (notadamente o da Fazenda e o do Planejamento). Essa é uma recomendação clara do TCU no acórdão mencionado acima e tem a sua razão de ser. Uma medida sem gestor e sem governança não tem os seus resultados devidamente avaliados.

Fase (iv) de análise de resultados: por fim, ainda que diante de todas as dificuldades inerentes aos métodos de avaliação, as políticas que envolvem renúncias tributárias devem ser avaliadas constantemente, não só diretamente pelo órgão da administração, mas também mediante convênios com universidades e centros de pesquisa. Esse é um dos principais pontos que demandam desenvolvimento por parte dos governos, o que não passa despercebido pelos órgãos de fiscalização interna e externa.

Mais do que a escolha de ministérios setoriais ou órgão específicos, que devem mesmo continuar com as suas atribuições executivas relacionadas a essas políticas, o governo deveria buscar atribuir competência para essa avaliação global de todas as renúncias a uma equipe (do Ministério da Fazenda ou interministerial). Essa avaliação partiria, claro, do Demonstrativo de Gastos Tributários da Receita Federal do Brasil, mas avançaria na sua avaliação, a partir da característica de cada desoneração e a partir das melhores técnicas disponíveis de avaliação (na economia e estatística).

Um bom exemplo dessa sugestão, envolvendo outro tema, o dos benefícios creditícios e financeiros, é o da atribuição de responsabilidade da Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Fazenda de avaliar todos os benefícios, classificando-os quanto à função orçamentária e avaliando-os de acordo com os resultados planejados e obtidos[2].

Certamente avançaremos muito se algo semelhante for instituído com relação aos gastos tributários indiretos.

 


[1] Veja-se, nesse sentido, os acórdãos do TCU preocupados com o controle das renúncias tributárias> Acórdãos 747/2010-TCU-Plenário e 3.437/2012-TCU-Plenário (TC 015.052/2009-7); Acórdão 2.766/2012-TCU-Plenário (TC 015.511/2012-0); Acórdão 3.137/2011-TCU-Plenário (TC 030.315/2010-7); Acórdão 73/2013-TCU-Plenário (TC 041.429/2012-7); e o Acórdão 3.695/2013-TCU-Plenário (TC 015.436/2013-6).

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  • Brave

    é Professor Associado de Direito Econômico e Economia Política da USP, livre-docente em Direito Econômico e doutor em Direito Econômico e Tributário pela USP. Foi pesquisador visitante no Instituto Max-Planck de Inovação e Concorrência em Munique, Alemanha.

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