Sessão distante

Julgamento virtual sai do novo CPC, mas deve continuar em tribunais

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17 de fevereiro de 2016, 13h30

Uma mudança discreta no novo Código de Processo Civil retirou dispositivo que liberava expressamente o julgamento de recursos por meio eletrônico, em casos sem sustentação oral. O trecho estava no artigo 945 do texto original da reforma, de 2015, mas foi revogado pela Lei 13.256/2016, a mesma que retirou a obrigação de julgamentos em ordem cronológica e restabeleceu aos tribunais locais o juízo de admissibilidade de recursos ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça.

O dispositivo foi retirado pelo Congresso Nacional, após emenda apresentada pelo deputado federal Daniel Vilela (PMDB-GO), e a alteração despertou críticas de entidades que representam a magistratura. Especialistas ouvidos pela revista Consultor Jurídico, porém, entendem que julgamentos virtuais continuam liberados, pois a nova redação do código não impede a prática.

“Essa polêmica surgiu porque saiu do CPC o artigo que adotava de forma expressa esse tipo de julgamento, mas o que não é proibido por lei, é permitido”, afirma o desembargador Ronaldo Alves de Andrade, do Tribunal de Justiça de São Paulo. Membro da 8ª Câmara de Direito Público, onde já são comuns as análises não presenciais, ele afirma que impedir a medida seria contraditório, já que o objetivo do novo código é agilizar decisões. No TJ-SP, pelo menos 32 câmaras adotam o sistema. Só no Direito Criminal ainda há resistência.

“Sessão presencial é ideal para advogado que faz sustentação oral”, defende a desembargadora Ligia de Araújo Bisogni, da 14ª Câmara de Direito Privado. “O novo CPC não contemplou o julgamento virtual, mas o Tribunal de Justiça de São Paulo tem resolução sobre o tema. É preciso acabar com o mito de que as partes seriam prejudicadas. Os desembargadores trocam informações e, em muitos casos, a discussão é muito mais saudável do que as que acontecem presencialmente na câmara.”

A Associação dos Magistrados Brasileiros chegou a enviar ofício à presidente Dilma Rousseff (PT) pedindo que ela vetasse a revogação, mas não teve resposta. Embora também avalie que a via eletrônica não foi proibida pelo novo CPC, a entidade entende que o país perdeu a oportunidade de regulamentar a prática e uniformizar procedimentos adotados por alguns tribunais, de acordo com o juiz Thiago Brandão, integrante da Comissão de Estudos do CPC formada pela AMB.

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Germano Siqueira, da Anamatra, diz que revogação vai desestimular a iniciativa.
Divulgação/Anamatra

Já para a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, que também havia provocado a presidente Dilma junto com a AMB, a revogação vai desestimular uma prática positiva. “Como a norma foi retirada do texto, os tribunais vão acabar privilegiando os julgamentos presenciais”, afirma o presidente da Anamatra, Germano Siqueira. “Muitos processos não exigem debate em plenário físico, pois abrangem matéria repetida, podendo ser resolvidos com mais celeridade”, defende.

Sessões não presenciais já são comuns no Supremo Tribunal Federal. Pelo menos cinco outras cortes também têm regras próprias, segundo o Conselho Nacional de Justiça: os TJs de São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso e Rondônia, além do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (RJ e ES). Em setembro, o CNJ reconheceu a prática após consulta feita pela 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul — a decisão, aliás, foi unânime e proferida pelo Plenário Virtual do conselho.

“É manifesta a conformação das sessões eletrônicas ou virtuais de julgamentos colegiados com a legislação processual vigente, seja em razão do princípio da instrumentalidade das formas, seja porque o CPC e a Lei 11.419/2006 de há muito autorizam a realização de todos os atos e termos do processo por meio eletrônico”, escreveu o relator, conselheiro Carlos Eduardo Dias. “Na atual quadra da história, a busca pelo cumprimento do princípio constitucional da razoável duração do processo passa, forçosamente, pelo uso inteligente e racional da tecnologia da informação.”

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Sessão presencial assegura publicidade, afirma Marcus Vinicius Furtado Coêlho.
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Ala contrária
A análise alternativa de recursos não é bem-vista em setores da advocacia. Para Marcus Vinicius Furtado Coêlho, ex-presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, o modelo presencial “assegura mais o direito constitucional à publicidade nos julgamentos”. Ele integrou a comissão de juristas do Senado responsável por estudar a reforma.

Em 2011, quando o TJ-SP editou norma sobre o tema, o Conselho Federal da OAB declarou-se contra. “É um precedente muito grave que pode fazer com que os tribunais julguem às escondidas”, disse o presidente da entidade na época, Ophir Cavalcante.

A Associação dos Advogados de São Paulo fez coro às críticas. “Julgamento virtual é julgamento por e-mail. Julgamento por e-mail é um julgamento em que o advogado e a parte não têm acesso algum. São trocas de e-mails privados entre os desembargadores”, afirmou o então presidente da entidade, Arystóbulo de Oliveira Freitas, durante audiência na Câmara dos Deputados, também em 2011. Segundo o atual presidente da Aasp, Leonardo Sica, a entidade hoje entende que a medida é possível, mas deve ser descartada sempre que ao menos uma das partes solicitar o modo presencial.

Conforme o artigo 945, revogado em janeiro, a discordância das partes não obrigava motivação, sendo suficiente para determinar o julgamento em sessão presencial.

O novo CPC entra em vigor em março de 2016. Nenhum entrevistado pela ConJur demonstrou preocupação com as normas. A maioria disse que todos os operadores de Direito já têm estudado as mudanças e que é comum aperfeiçoar os procedimentos na prática, quando se definir jurisprudência sobre regras específicas.

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