Materiais acessórios

Delação premiada é elemento auxiliar, não central, diz Ayres Britto

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17 de fevereiro de 2016, 7h11

Apesar de considerar a importância das delação& premiada, o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Carlos Ayres Britto vê a medida como um dos vários elementos que fazem parte de uma investigação. “É um elemento auxiliar, não central. A colaboração sozinha não pode servir para condenar ninguém, ela tem que se fazer acompanhar de elementos probatórios”, afirmou em entrevista à revista da Caixa de Assistência dos Advogados de São Paulo (Caasp).

Nelson Jr./SCO/STF
Segundo Ayres Britto, a delação premiada "não pode roubar a cena".
Nelson Jr./SCO/STF

Para o jurista, a efetividade da delação resulta do fato de o ser humano ser mais sensível a recompensas do que castigos. “O Direito Penal atua no vórtice de um pugilato entre vírus e antivírus.” Mesmo assim, ele repete que as colaborações são materiais acessórios. “O que a delação não pode é roubar a cena”, complementou.

Muito usada na operação “lava jato”, a delação foi amplamente divulgada como um novo instituto, mas Ayres Britto mostra o contrário. “A colaboração premiada se inscreve no âmbito de um mecanismo de controle social penal que desde o século XIX recebeu o nome de sanção premiada. Por exemplo, o sergipano Tobias Barreto, gênio da raça, primeiro jusfilósofo brasileiro, já falava nos livros dele — e ele morreu em 1889.”

Questionado sobre supostas alterações cometidas no conteúdo dessas delações, o advogado ressalta a importância que dá à prática, mas considera abominável adulterar uma delação para incriminar alguém. “[A delação] Corresponde à evolução do Direito Penal, que, entretanto, para ser saudado como juridicamente válido, é preciso que se compatibilize com as garantias constitucionais dos indivíduos”, opina.

Manifesto dos advogados
Em relação ao manifesto de advogados que criticou as práticas do poder público em relação aos advogados na “lava jato”, Ayres Britto destacou que o material não buscou intimidar ou influenciar o Judiciário e que é amigo de muitos dos assinantes da carta — como os juristas Bandeira de Mello, Dalmo Dallari e Fábio Konder Comparato — publicada nos jornais Folha de S.Paulo, O Estado de S. Paulo e O Globo.

“Há coisas ali que procedem, outras não procedem. O que procede no manifesto, para além de qualquer dúvida razoável, é o caráter expositivo, midiático das notícias de investigação, de indiciamento e de denúncia”, afirmou o ministro aposentado do STF. Segundo ele, não se deve expor nenhum ser humano, independentemente de sua posição na sociedade. “Nesse ponto, a operação ‘lava jato’ não tem o meu aval.”

Ayres Britto disse também que a “lava jato” é uma continuação do preceito que veio na esteira da Ação Penal 470 (o processo do mensalão), de que ninguém está acima da lei. Sobre o mensalão, ele entende que o esquema de pagamentos indevidos a parlamentares em troca de apoio partiu de um projeto de poder que “foi a inspiração da delinquência de caráter penal”.

Classificando o esquema de propinas envolvendo contratos da Petrobras como petrolão, Ayres Britto diz que a “lava jato” “demonstra um vínculo lógico de inspiração entre as esferas política e econômica” e que a operação dá sequência ao propósito estatal e judiciário de dar eficácia ao Direito Penal. Sobre uma das figuras mais conhecidas por causa das investigações, o juiz federal Sergio Moro, o advogado disse considerá-lo um profissional responsável e competente. “Independente, eticamente imaculado, e com boa experiência nas lides forenses.”

Erro do Supremo
O ex-presidente do STF, mesmo destacando seu respeito pela corte e a transparência dada ao julgamento do caso, considerou que o tribunal errou no julgamento sobre o rito do impeachment. “O Supremo parece que embaralhou as coisas, confundiu processo de impeachment com processo legislativo.”

O jurista explicou que o impeachment só pode ser regido pela Constituição e por lei especial, nunca por um regimento externo. Segundo ele, o instituto exclui regimento interno, que foi a base usada pelo STF para fazer algumas interpretações. Essa exclusão, de acordo com Ayres Britto, surge pelo processo ser de inter-referência operacional entre os poderes.

“O processo de impeachment significa a mais externa corporis das matérias, a ponto de transversalmente envolver três poderes: o Poder Legislativo, por duas Casas, o presidente da República, que é processado e julgado, e o presidente do Supremo, que preside a sessão de julgamento do Senado”, argumentou o advogado.

“Tecnicamente, eu acho que o Supremo errou em dois temas centrais: primeiro, parece que ele se esqueceu de um advérbio de modo privativamente usado pela Constituição para definir competências tanto da Câmara quanto do Senado. Se você consultar a Constituição, vai encontrar no artigo 51: ‘Compete privativamente à Câmara dos Deputados…’. E não abre exceção para permitir delegação de competência. Aí você parte para o artigo 52, o das competências, em que o discurso constitucional é repetido letra por letra: o que é de competência privativa de um pré-exclui a competência do outro. O discurso da Constituição é: cada qual no seu quadrado, e o Supremo não se atentou para isso, então acabou conferindo ao Senado uma competência revisional que ele não tem à luz da Constituição”, complementou o ministro aposentado do STF.

Questionado sobre as motivações para o impedimento da presidente Dilma Rousseff, Ayres Britto afirmou que as pedaladas fiscais não são motivo suficiente. “A Lei de Responsabilidade Fiscal tem a ver com finanças públicas, e a Constituição separa o tema das finanças públicas do tema do orçamento. Violar a Lei Orçamentária é causa de impeachment, caracteriza crime de responsabilidade, mas pedalada fiscal não caracteriza crime de responsabilidade, enquanto normatividade sobre finanças públicas. Até porque a Lei de Responsabilidade Fiscal, Lei Complementar 101, é posterior à Constituição.”

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