Opinião

PIS/Cofins sobre variação cambial gera dúvidas ao exportador

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16 de fevereiro de 2016, 6h09

Artigo produzido por especialistas do Insper. As opiniões emitidas são de responsabilidade exclusiva de seus autores.

As Leis 10.637, de 30 de dezembro de 2002 e 10.833, de 29 de dezembro de 2003 trazem as regras gerais para a apuração do PIS e Cofins não cumulativos, respectivamente. Tal regime de apuração é adotado pelas as empresas exportadoras de bens e mercadorias. Referidos normativos, em linhas gerais, dispunham sobre a incidência do PIS e Cofins sobre todas as receitas das empresas, mas com a possibilidade de creditamento de algumas despesas consideradas como insumos. As alíquotas dessas contribuições são 1,65% (PIS) e 7,60% (Cofins).

Assim, em princípio, a variação cambial positiva integrava as apurações de PIS e Cofins. Contudo, a variação cambial negativa, por falta de previsão legal, não poderia ser creditada.

Esta situação era muito criticada à época, já que a alta volatilidade do valor do dólar frente ao real causava grandes distorções nas apurações de PIS e Cofins. As inconsistências ocorriam quando em um determinado mês se verificava variação cambial positiva, que era oferecida à tributação, e no mês seguinte não raro poderia haver variação cambial negativa, que não poderia ser creditada.

No contexto dessa discussão, o Decreto 5.164, de 30 de julho de 2004, reduziu as alíquotas do PIS e da Cofins sobre receitas financeiras, inclusive sobre a variação cambial positiva, para alíquota zero por cento[1], resolvendo-se a referida inconsistência gerada pela volatilidade do dólar frente ao real.  Vale lembrar que, nos termos do artigo 9º da Lei nº 9.718, de 27 de novembro de 1998[2], a variação cambial positiva é considerada uma receita financeira.

Por sua vez, o Decreto 8.426, de 1º de abril de 2015, com vigência a partir do dia 1º de julho de 2015, retirou a alíquota zero das receitas financeiras, aumentando as alíquotas do PIS e da Cofins sobre as receitas financeiras para 0,65% e 4%[3], respectivamente.

Contudo, no mês seguinte ao da publicação do Decreto 8.426/15, foi editado o Decreto 8.451 de 19 de maio de 2015, o qual manteve as alíquotas de PIS e Cofins em zero por cento[4] sobre a variação cambial para os casos em que esta variação decorra de receitas de exportação de bens e serviços e de obrigações contraídas pela pessoa jurídica, inclusive em empréstimos e financiamentos.

Neste particular, um ponto que merece destaque e que depende de interpretação refere-se ao tratamento fiscal relativo ao saldo de caixa oriundo de exportações depositadas em contas correntes situadas no exterior. Alguns contribuintes interpretam que, em razão da imunidade constitucional relacionada às exportações, a variação cambial incidente sobre o saldo de caixa depositado no exterior oriundo do recebimento de exportações também deveria estar abarcada pela alíquota zero.

Por outro lado, outros defendem que a operação de exportação que está abarcada pelo benefício da alíquota zero é finalizada quando o exportador recebe o produto da exportação. Assim, a variação cambial do saldo de caixa oriundo de exportações depositadas em contas correntes situadas no exterior seria tributada como receita financeira. Esta é a posição da Receita Federal do Brasil, ao publicar o Ato Declaratório Interpretativo 8 de 16 de novembro de 2015[5].

Nossa interpretação do parágrafo 3º do artigo 1º do Decreto 8.246/2015 é no sentido de que a variação cambial do caixa no exterior, mesmo que oriunda de receita de exportação, não está incluída no benefício de alíquota zero. 

Alguns contribuintes questionam judicialmente a majoração da alíquota de PIS e Cofins sobre as receitas financeiras, inclusive sobre variação cambial positiva, trazida pelo Decreto 8.426/2015, sob o argumento de que esta majoração afronta o princípio constitucional da legalidade, entendendo que a majoração de alíquota efetuada por meio de Decreto do Poder Executivo não encontra respaldo na Constituição Federal.  

Em algumas situações, os contribuintes obtém liminares[6] no sentido de suspender a exigibilidade dos valores que deixaram de ser recolhidos à título de PIS e da Cofins sobre as receitas financeiras que auferem, inclusive a variação cambial positiva, com a entrada em vigor das alterações promovidas pelo Decreto 8.426/15. Contudo, a jurisprudência atual está dividida, já que em outros processos as liminares foram indeferidas[7].

Um outro argumento passível de argumentação pelos contribuintes diz respeito à inconstitucionalidade da limitação ao princípio da não cumulatividade. Isso porque, ao ser inserida no texto constitucional, a não cumulatividade das contribuições PIS e da Cofins (que havia sido inserida no ordenamento inicialmente pelas Leis 10.637/02 e 10.833/03), teria sido elevada à categoria de princípio constitucional.

Assim, em um primeiro momento, a não cumulatividade estava prevista tão-somente na legislação infraconstitucional (Leis 10.637/02 e 10.833/03). Contudo, em seguida, foi publicada a Emenda Constitucional 42, de 19 de dezembro de 2003, estabelecendo que a lei definiria os setores da atividade econômica para os quais a não cumulatividade seria aplicável. Deste modo, por meio da referida Emenda Constitucional, a não cumulatividade passou a ser prevista na Constituição Federal.

A crítica que se faz à visão da Receita Federal sobre a não cumulatividade e às leis que tratam do tema é no sentido de que, de acordo com a previsão constitucional, o legislador estaria restrito a limitar os setores da economia a serem beneficiados, mas nunca poderia limitar especificamente despesas passíveis de creditamento. Assim, a não cumulatividade deve ser lida amplamente, sendo aplicável a todas as despesas necessárias para o contribuinte auferir suas receitas, e não de forma restritiva.

No caso específico das variações cambiais negativas, em nossa opinião, este argumento tem mais força quando interpretado em conjunto com a razoabilidade, já que não é plausível e racional tributar-se as variações cambiais positivas mas se poder diminuir da base de apuração dessas contribuições as variações cambiais negativas, principalmente em período de forte instabilidade cambial.

Outro ponto que gera dúvidas é com relação à apuração da variação cambial positiva sobre o saldo em conta corrente no exterior a ser incluída na apuração de PIS e da Cofins. Isso porque o Ato Declaratório 08/15 não deixa claro se esta variação cambial seria calculada diariamente ou mensalmente.

Imagine-se uma situação em que o contribuinte contabiliza a variação cambial diariamente, em que os valores positivos são contabilizados em uma conta e os valores negativos em outra conta. Isto dentro de um mesmo mês. O contribuinte deveria incluir nas apurações de PIS e Cofins somente os resultados positivos? Ou poderia deduzir os valores negativos?

Em nossa opinião, como a apuração do PIS e da Cofins é efetuada mensalmente, os valores positivos e negativos relacionados à variação cambial do saldo em conta corrente no exterior devem ser tributados conjuntamente, ou seja, somente seria incluído nas apurações de PIS e Cofins o resultado positivo líquido, o que seria mais racional e lógico.

Se entendido de outra forma, a variação cambial negativa do saldo em conta corrente no exterior apurado em um determinado mês não poderia, por falta amparo legal, ser compensada com a variação cambial positiva apurada nos meses seguintes.

Referida inconformidade pode ser solucionada pelo disposto no artigo 30 da MP 2.158-35[8], que prevê a possibilidade do contribuinte optar pela tributação (IRPJ, CSLL, PIS e COFINS) da variação cambial pelo regime de caixa ao invés de optar pelo regime de competência.

Pelo regime de caixa, somente o resultado positivo apurado na liquidação da operação vai ser incluído nas apurações do IRPJ, CSLL, PIS e da Cofins. Referida opção deve ser efetuada no mês de janeiro de cada ano-calendário e é irretratável.

Em conclusão, a incidência de PIS e Cofins sobre a variação cambial positiva relacionada à receita de exportação de bens e mercadorias está limitada ao saldo de caixa situado no exterior, já que o Decreto 8.426/15 majorou a alíquota de PIS e da Cofins para 4,65%.

Para solucionar esta questão, alguns contribuintes tem se insurgido e questionado judicialmente esta matéria alegando-se haver majoração de tributos o fere o princípio constitucional da legalidade ou, a partir de uma melhor avaliação se prefere optar por tributar a variação cambial pelo regime de caixa para retirar mencionada distorção.


[1] Art. 1º Ficam reduzidas a zero as alíquotas da Contribuição para o PIS/Pasep e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) incidentes sobre as receitas financeiras, inclusive decorrentes de operações realizadas para fins de hedge, auferidas pelas pessoas jurídicas sujeitas ao regime de incidência não cumulativa das referidas contribuições.
[2] Art. 9º As variações monetárias dos direitos de crédito e das obrigações do contribuinte, em função da taxa de câmbio ou de índices ou coeficientes aplicáveis por disposição legal ou contratual serão consideradas, para efeitos da legislação do imposto de renda, da contribuição social sobre o lucro líquido, da contribuição PIS/Pasep e da Cofins, como receitas ou despesas financeiras.
[3] Art. 1º Ficam restabelecidas para 0,65% (sessenta e cinco centésimos por cento) e 4% (quatro por cento), respectivamente, as alíquotas da Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público – PIS/Pasep e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – Cofins incidentes sobre receitas financeiras, inclusive decorrentes de operações realizadas para fins de hedge, auferidas pelas pessoas jurídicas sujeitas ao regime de apuração não cumulativa das referidas contribuições.
[4] § 3º Ficam mantidas em zero as alíquotas das contribuições de que trata o caput incidentes sobre receitas financeiras decorrentes de variações monetárias, em função da taxa de câmbio, de: I – operações de exportação de bens e serviços para o exterior; e II – obrigações contraídas pela pessoa jurídica, inclusive empréstimos e financiamentos.
[5] Art. 1º Para fins de aplicação da alíquota zero da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins incidentes sobre as receitas financeiras decorrentes de variações monetárias, em função da taxa de câmbio, de operações de exportação de bens e serviços para o exterior a que se refere inciso I do § 3º do art. 1º do Decreto 8.426, de 1º de abril de 2015, devem ser consideradas as variações cambiais ocorridas até a data do recebimento pelo exportador dos recursos decorrentes da exportação.
[6] Processos 001175510.2015.4.03.6100, 0068167-75.2015.4.02.5101 e 0090275-98.2015.4.02.5101.
[7] Processos 9218-02.2015.4.01.3803 e 0042793-10.2015.4.01.3800
[8] Art. 30.  A partir de 1º de janeiro de 2000, as variações monetárias dos direitos de crédito e das obrigações do contribuinte, em função da taxa de câmbio, serão consideradas, para efeito de determinação da base de cálculo do imposto de renda, da contribuição social sobre o lucro líquido, da contribuição para o PIS/Pasep e Cofins, bem assim da determinação do lucro da exploração, quando da liquidação da correspondente operação.
§ 1º À opção da pessoa jurídica, as variações monetárias poderão ser consideradas na determinação da base de cálculo de todos os tributos e contribuições referidos no caput deste artigo, segundo o regime de competência.

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