Substituição de Scalia

Possível escolha ruim de novo ministro preocupa políticos e juristas dos EUA

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16 de fevereiro de 2016, 14h15

O preenchimento da vaga aberta na Suprema Corte dos EUA, com a morte do ministro Antonin Scalia, não se tornou apenas uma guerra política, como noticiado pela ConJur, porque tanto republicanos/conservadores quanto democratas/liberais querem dominar a corte e, consequentemente, o destino do país. É também uma grande preocupação para a comunidade jurídica americana. Afinal, não é fácil escolher um nome que irá abrilhantar a corte. E alguns erros terríveis já aconteceram no passado.

A Suprema Corte já teve ministros como Samuel “Old Bacon Face” Chase, que promovia desordens nos portos da Costa Leste e prendia partidários de Thomas Jefferson, ou James “Scrooge” McReynolds (lembrando que “Uncle Scrooge” é o Tio Patinhas), que, além de avarento, era intolerante a ponto de sair do plenário quando um de seus colegas judeus fosse falar, escreveu o professor de Direito Constitucional na Universidade de Baltimore Garret Epps, em um artigo para o site The Atlantic.

Porém, “o pior ministro da história da Suprema Corte” foi Stephen Field, segundo o escritor Ian Millhiser, autor do livro Injustices: The Supreme Court's History of Comforting the Comfortable and Afflicting the Afflicted, citado por Epps em seu artigo. “Field era detestável no tribunal e era detestável fora dele”, diz Millhiser.

No entanto, sua história é interessante: provavelmente foi o único ministro da Suprema Corte a usar um paletó especialmente confeccionado para poder disparar duas pistolas ao mesmo tempo, através dos bolsos, e, também provavelmente, o único ministro a ser preso por assassinato, em pleno exercício do cargo.

Field foi nomeado para a corte por Abraham Lincoln em 1863 e permaneceu no cargo por 34 anos. Seu caso criminal começou em 14 de agosto de 1989, quando ele teve um “reencontro”, como definido pelos jornalistas da época, com um ex-colega do Tribunal Superior da Califórnia, David Terry. Desse “reencontro” no restaurante de um trem, Terry saiu morto. Field e seu guarda-costas, um delegado de polícia, saíram para a cadeia.

Segundo os historiadores, Terry era um “grandalhão”, de mais de 1,90 m, que carregava um facão de caça escondido na roupa. Ele já era ministro do Tribunal Superior da Califórnia quando Field foi nomeado ministro da corte em 1857. Pouco tempo depois, Terry renunciou ao cargo, porque havia marcado um duelo. Ele matou seu antagonista, que, por sinal, era amigo de Field. Diz a história que Field o odiou por isso: “E quando Fields odeia, ele odeia para sempre”, escreveu-se à época.

Após o duelo e uma breve passagem pelo Exército Confederado, Terry voltou a advogar na Califórnia. Representou uma “senhorita bela e volúvel”, chamada Sarah Hill, que foi amante de um poderoso advogado de São Francisco. Quando o advogado se recusou a casar, ela se tornou amante do senador William Sharon, de Nevada. Sharon a colocou no Grand Hotel de São Francisco e lhe garantiu uma mesada de US$ 500 por mês. O relacionamento, porém, “azedou”, e o senador mandou o dono do hotel despejá-la de sua suíte.

Contratado por Sarah Hill, Terry processou Sharon. Um documento “produzido” por Sarah comprovava que os dois haviam se casado e ela exigia a metade dos lucros de US$ 10 milhões do senador, provindos de sua mina de prata em Nevada. Quando Sharon morreu, Terry se casou com Sarah, que era três décadas mais jovem, e moveu uma ação contra o espólio do senador.

O processo tramitou pela Justiça e, em nível de recurso, teve o pior destino possível: caiu nas mãos do ministro Field, o inimigo mortal de Terry, e de outros dois juízes. Naquela época, os ministros da Suprema Corte voltavam uma vez por ano ao tribunal de recursos para atuar como juízes. E assim, Field não só teve a oportunidade de se vingar de Terry, como se encarregou de ler a decisão do tribunal contra Sarah, que Terry representava.

Sarah se levantou e insultou os juízes, chamando-os, entre outras coisas, de corruptos. Quando um policial da corte tentou prendê-la, Terry puxou seu facão para defendê-la. Os policiais os dominaram, e Field, como juiz-presidente, mandou prender os dois. Terry foi libertado seis meses mais tarde e jurou, publicamente, que iria dar uma surra de chicote em Field — no mínimo.

Desde então, Field passou a ser protegido por um guarda-costas, o delegado Charles Neagle, por ordem do procurador-geral do estado. No entanto, a oportunidade de vingança de Terry surgiu em uma viagem noturna de trem de Los Angeles para São Francisco. Field e Neagle estavam no restaurante do trem, quando Terry apareceu e caminhou na direção deles. Neagle gritou para ele parar, o que ele não fez. Quando Terry colocou a mão no bolso, Neagle atirou duas vezes e o matou. O delegado da cidade mais próxima colocou o ministro e seu colega guarda-costas na cadeia e os acusou de homicídio.

Poder executivo do presidente
Field foi libertado rapidamente, graças a um Habeas Corpus concedido pela Justiça federal. O caso de Neagle prosseguiu na Justiça. Pela lei da época, um Habeas Corpus federal só era concedido se o caso de prisão resultasse de “um ato feito ou omitido em consequência de uma lei dos Estados Unidos”.

O processo de Neagle chegou à Suprema Corte em 1890. A maioria dos ministros admitiu que “não existe lei que autorize tal proteção como a que Neagle foi instruído a dar ao ministro Field”. No entanto, entendeu a corte, o procurador-geral agiu em nome do presidente, e a chamada take-care clause dava ao presidente poder para proteger juízes federais.

A cláusula take-care, como é conhecida, deriva do parágrafo 3º do artigo II da Constituição dos EUA, segundo a qual o presidente deve cuidar que as leis sejam fielmente executadas (take care that the laws be faithfully executed).

Segundo o professor Garret Epps e o site Constitution Daily, essa é uma cláusula da Constituição que nunca ninguém entendeu — e nenhum tribunal, de qualquer instância, ousou interpretá-la, desde que ela apareceu na Constituição até hoje.

Discute-se se a cláusula expande o poder do presidente, quando a lei não prevê determinada situação, para lhe dar capacidade de agir rapidamente e evitar “panes” no governo do país ou se ela limita o poder do presidente, obrigando-o a garantir a execução da lei, para que ele não exerça a autoridade de um rei.

Em seu artigo, o professor Epps lembra que a Suprema Corte terá uma oportunidade de interpretar essa cláusula — e pôr fim à dúvida — quando examinar um novo programa criado pelo presidente Obama, que prorroga por três anos a deportação de certos imigrantes ilegais, período em que poderão trabalhar. Alguns estados, liderados pelo Texas, moveram uma ação contra o programa, alegando que não há lei que o justifique.

É uma situação que se encaixa, tipicamente, na cláusula take-care. A necessidade de segurar no país “certos imigrantes ilegais”, tais como os que ajudam os agricultores, justifica uma medida administrativa do presidente, para não prejudicar a economia do país, ou tal medida é injustificável porque não há lei que a sustente?

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