Reflexões Trabalhistas

Acordo coletivo não se restringe à redução dos valores de adicionais

Autor

  • Raimundo Simão de Melo

    é consultor Jurídico advogado procurador regional do Trabalho aposentado doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP professor titular do Centro Universitário do Distrito Federal-UDF/mestrado em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho e autor de livros jurídicos.

12 de fevereiro de 2016, 11h27

O objetivo deste breve artigo é refletir sobre a possibilidade de, por meio de negociação coletiva (convenções e acordos coletivos de trabalho), patrões e empregados poderem estabelecer cláusulas sobre o pagamento de adicionais de insalubridade, periculosidade e penosidade.

A princípio, não há, no meu ver, nenhum problema em se estabelecer num instrumento coletivo de trabalho negociado sobre o pagamento desses adicionais. A questão a ser verificada diz respeito à forma e conteúdo da pactuação, para se considerá-la válida ou não.

Se se pactuar acima do que estabelece a lei não existe problema algum, mas se em percentual inferior ao legal e/ou proporcional ao tempo de exposição ao risco ou aos agentes insalubres, perigosos e penosos, o instrumento poderá ser impugnado, porque a norma será considerada prejudicial ao trabalhador e ofensiva à ordem pública, como entende atualmente a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho.

No passado a Súmula 364 do TST acolhia a possibilidade de negociação do adicional de periculosidade inferior à lei, cuja redação original era a seguinte:

“ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. EXPOSIÇÃO EVENTUAL, PERMANENTE E INTERMITENTE. I — Faz jus ao adicional de periculosidade o empregado exposto permanentemente ou que, de forma intermitente, se sujeita a condições de risco. Indevido, apenas, quando o contato dá-se de forma eventual, assim considerado o fortuito, ou o que, sendo habitual, dá-se por tempo extremamente reduzido. II — A fixação do adicional de periculosidade, em percentual inferior ao legal e proporcional ao tempo de exposição ao risco, deve ser respeitada, desde que pactuada em acordos ou convenções coletivos” (grifados).

Mas, por interpretação sistemática e teleológica das normas legais regentes da espécie, de natureza cogente e de ordem pública, tal possibilidade deixou de ser acolhida pela corte superior, sob o fundamento de se está diante de normas de segurança e medicina do trabalho, de natureza pública, imperativa e, por isso, inderrogáveis ao talante dos atores coletivos das relações de trabalho, por mais importante que seja a negociação coletiva.

O embasamento legal da orientação anterior da Súmula 364 do TST foi o inciso XXVI do artigo 7º da Constituição Federal, que reconhece como direito dos trabalhadores urbanos e rurais as Convenções e Acordos Coletivos de trabalho. Mas esse comando, por si só, não é suficiente para validar qualquer avença coletiva, porque uma coisa é o reconhecimento genérico dos instrumentos coletivos de trabalho; outra é o seu conteúdo, sobre os quais há limitações à chamada autonomia privada coletiva das partes no tocante às normas cogentes, de ordem pública e indisponíveis.

A negociação coletiva, sem dúvida, é importante e necessária para a resolução dos conflitos de trabalho, mais um dos mais marcantes exemplos de limitação da autonomia privada coletiva das partes na negociação coletiva encontra-se nas normas de ordem pública, referentes à medicina, higiene e segurança do trabalho.

E no caso não cabe, data venia, o argumento de que se está diante de uma indenização, porque o conteúdo maior da norma não é o pagamento do adicional, mas, a prevenção dos males do trabalho insalubre, perigoso ou penoso para o trabalhador. E se se facilitar em relação ao pagamento dos respectivos adicionais, não haverá interesse do empregador em melhorar as condições de trabalho, como ocorre no tocante aos adicionais de insalubridade, na base de 10%, 20% e 30% do salário mínimo, como hoje é reconhecido pelo STF, o que representa um “prêmio” para quem não tem interesse em prevenir os males para a saúde dos trabalhadores nos ambientes de trabalho.

Assim, o percentual dos adicionais será o previsto na lei, ainda que outro inferior venha a ser fixado em Convenção ou Acordo Coletivo de trabalho. Estes instrumentos aplicam-se apenas se forem mais benéficos ao trabalhador, porque a negociação coletiva nessa matéria não pode estabelecer regras contrárias à lei (Processo TST — RR-62508/2002-900-11-00.5).

Nessa linha evolutiva, em 2011 o TST alterou a redação da Súmula 364, excluindo o seu inc. II, que permitia o pagamento proporcional do adicional de periculosidade ou inferior ao da lei, quando decorrente de acordo coletivo de trabalho. Sua nova redação está assim vazada:

SÚMULA 364 DO TST: “ADICIONAL DEPERICULOSIDADE. EXPOSIÇÃO EVENTUAL, PERMANENTE E INTERMITENTE.
Tem direito ao adicional de periculosidade o empregado exposto permanentemente ou que, de forma intermitente, sujeita-se a condições de risco. Indevido, apenas, quando o contato dá-se de forma eventual, assim considerado o fortuito, ou o que, sendo habitual, dá-se por tempo extremamente reduzido”.

Com base nessa nova orientação, a 6ª Turma do TST manteve a nulidade de redução de adicional de periculosidade por meio de acordo coletivo de trabalho. A Turma, à unanimidade, seguiu o voto do relator, ministro Maurício Godinho Delgado, no sentido de que o adicional decorre de medida de saúde e segurança do trabalho e, portanto, trata-se de direito indisponível, não sujeito à flexibilização por negociação coletiva. O ministro lembrou que a tendência do TST é a de conferir importância especial às normas de higiene, saúde e segurança do trabalho mesmo diante de normas coletivas negociadas. Citou ainda como exemplo a OJ 342 da SDI-1 (hoje Súm. 437 – II), que considera inválida cláusula coletiva que suprima ou reduza o intervalo intrajornada, e assinalou que, com o cancelamento do item II da Súmula 364, o entendimento que prevalece é o de que a fixação do adicional de periculosidade em percentual inferior ao legal e proporcional ao tempo de exposição ao risco é vedada pela ordem jurídica, ainda que haja previsão em norma coletiva (Processo RR-1000-24.2005.5.17.0014).

Cabe ponderar, entretanto, que o conteúdo dos instrumentos coletivos de trabalho não se restringe ao pagamento a menor dos adicionais aludidos. Muito pelo contrário, a negociação coletiva pode ter importante papel no tocante à normatização e melhoria das condições de trabalho, especialmente envolvendo o trabalho insalubre, perigoso e penoso, podendo patrões e empregados negociar jornadas reduzidas no trabalho insalubre, perigoso ou penoso, estabelecer sobre pausas para evitar fadiga, aumentar os percentuais de adicionais e criar outros onde não existe ainda regulamentação legal (penosidade, por exemplo), sobre a cumulatividade dos adicionais de insalubridade entre si e destes com os de periculosidade e penosidade, além de outras inúmeras questões voltadas à prevenção dos riscos para a saúde dos trabalhadores e para a diminuição das doenças e acidentes do trabalho, que é o objetivo maior a ser perquirido por todos.

Autores

  • Brave

    é consultor jurídico e advogado. Procurador Regional do Trabalho aposentado. Doutor e Mestre em Direito das relações sociais pela PUC/SP. Professor de Direito e de Processo do Trabalho. Membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho. Autor de livros jurídicos, entre outros Direito ambiental do trabalho e a saúde do trabalhador.

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