Jurisprudência Fiscal

Autoarbitramento, impairment e outras questões tributárias

Autores

  • Mary Elbe Queiroz

    é advogada tributarista sócia da Queiroz Advogados Associados pós–doutora em Direito Tributário (Universidade de Lisboa – Portugal) Doutora em Direito Tributário (PUC-SP) mestre em Direito Público (UFPE) professora e presidente do Conselho Jurídico do Ibrei.

  • Antonio Elmo Queiroz

    é advogado sócio do escritório Queiroz Advogados Associados e diretor do Centro de Estudos Avançados de Direito Tributário e Finanças Públicas do Brasil.

11 de fevereiro de 2016, 7h00

Spacca
Mary Elbe Queiroz e Elmo Queiroz [Spacca]Mesmo dispondo de contabilidade com o registro da receita e despesa, e apresentando um resultado positivo no período, uma empresa fez sua declaração para o fisco federal com opção pelo autoarbitramento e apontando receita igual a zero, portanto sem débito de IRPJ/CSLL.

Houve autuação, considerando “descabido que o sujeito passivo, estando obrigada a manter escrituração contábil e a possuindo, pretenda desconsiderá-la ou simplesmente ignorar essa obrigatoriedade, considerando ter a prerrogativa de autoarbitrar seu lucro. Não havendo fundamento legal ao arbitramento do lucro, devendo ser portanto recusado sua opção a esta forma de tributação, o IRPJ e a CSLL foram apurados com base no lucro real trimestral”.

A contribuinte defendeu-se alegando que “optou pelo lucro arbitrado porque seus registros contábeis e fiscais não eram confiáveis, sendo que a escrituração do Livro Diário foi feita ‘às pressas’ em razão de sua necessidade de participar de processo licitatório, assim como a DIPJ foi apresentada sem informações para futura retificação”.

Julgando o caso, Turma do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais cancelou a autuação de IRPJ/CSLL, observando que não poderia haver tributação trimestral pois a própria contribuinte não apurou dessa forma, nem tributação anual pois ausente a escrituração de balancetes de suspensão, e, tampouco, tributação presumida pois inexistente essa opção; portanto, só restando manter o autoarbitramento feito; assim ementado:

Acórdão 1302-001.747 (publicado em 2/2/2016)

AUTOARBITRAMENTO. ESCRITURAÇÃO COMERCIAL APRESENTADA AO FISCO. EXIGÊNCIA DOS TRIBUTOS INCIDENTES SOBRE O LUCRO MEDIANTE APURAÇÃO TRIMESTRAL DO LUCRO REAL. FALTA DE ELABORAÇÃO DAS DEMONSTRAÇÕES EXIGIDAS PELA LEGISLAÇÃO FISCAL. HIPÓTESE QUE AUTORIZA O AUTOARBITRAMENTO.

A legislação fiscal impõe ao sujeito passivo o levantamento de balanço patrimonial e de demonstrações de resultado, bem como de lucros e prejuízos acumulados, ao final de cada período de apuração.

Não se verificando a opção pelo lucro presumido, a pessoa jurídica deve apurar o lucro real trimestralmente, salvo se atender às obrigações acessórias para sua apuração anual. Ausente esta última exceção, frente a escrituração comercial com encerramento anual, configura-se uma das hipóteses de arbitramento dos lucros, o que valida a opção pelo autoarbitramento indicada pelo sujeito passivo nas declarações apresentadas e impõe o cancelamento das exigências de IRPJ e CSLL formuladas na sistemática do lucro real trimestral.


Impairment
Uma contribuinte, ao contabilizar um projeto de pesquisa de nova linha de negócio, registrou a despesa desse projeto na antiga conta de ativo diferido, para posterior amortização, o que garantiria a paridade entre a futura receita e a despesa de desenvolvimento.

Contudo, tendo submetido o projeto a teste de recuperabilidade, através de uma avaliação econômico-financeira, reconheceu uma perda, realizando uma “amortização imediata do investimento sob justificativa de que o ativo, ao se tornar maduro para exploração, teria revelado custo superior ao que seria possível recuperar no futuro”.

Como tal amortização reduziu a tributação, foi autuada porque a “reavaliação do ativo diferido ao preço de mercado, trata-se de operação de natureza patrimonial, a ser realizada em conta de reavaliação do ativo, lá permanecendo até sua realização, sem transitar em conta de resultado, não alterando o lucro líquido e em consequência, sem alterar o resultado fiscal”; somente podendo ser reconhecida fiscalmente se tivesse havido uma alienação (artigo 418 do RIR/99).

Houve defesa, apontando que tudo estaria conforme norma societária da CVM, bem como das regras decorrentes da introdução do padrão contábil IFRS, e como consta no “artigo 179 da lei das S/A e no pronunciamento NPC VII do Ibracon, as entidades apenas poderiam ativar gastos que estivessem vinculados ou potencialmente vinculados com receitas a serem obtidas em períodos futuros. Caso isso não fosse possível, os montantes ativados deveriam ser imediatamente amortizados na sua totalidade”. Sendo assim, como descoberto no teste de impairment que não haveria receita futura correspondente à despesa, foi obrigada a amortizar imediatamente.

Porém, julgando o recurso, Turma do Carf manteve a autuação, não aceitando já analisar o caso sob a ótica do IFRS, já que os fatos se deram em período anterior, e que “a contribuinte poderia, portanto, apenas amortizar o ativo no período em que o direito fosse usufruído” (artigo 324 do RIR/99); assim ementado:

Acórdão 1302-001.754 (publicado em 2/2/2016)

BAIXA DE ATIVO DIFERIDO.
A base de cálculo do IRPJ e da CSLL somente pode ser afetada por perdas de capital previstas na legislação tributária, devendo ser mantida a glosa correspondente a ativos baixados em razão de teste de impairment ou para evitar ressalvas ao balanço patrimonial em processo de abertura de capital.

Voto (…)

De fato, embora a legislação contábil, especialmente aquela aplicável às sociedades de capital aberto, com interpretação exteriorizada pela CVM, tenha evoluído para exigir que o ativo das pessoas jurídicas seja apresentado em valores mais próximos da realidade, a Lei nº 6.404/76 ainda não havia sido alterada no período de apuração fiscalizado, e mantinha o mesmo direcionamento que orientou a edição do Decreto-lei nº 1.598/77, base legal do art. 418 do RIR/99. (…)

Na primeira alteração promovida pela Lei nº 11.638/2007 já restou estampado, neste dispositivo, a orientação que justificou o procedimento adotado pela contribuinte, definindo-se como integrantes do ativo diferido as despesas pré-operacionais e os gastos de reestruturação que contribuirão, efetivamente, para o aumento do resultado de mais de um exercício social e que não configurem tão-somente uma redução de custos ou acréscimo na eficiência operacional.

A comparação dos textos legais evidencia que no regramento original seriam mantidas em ativo diferido as aplicações realizadas com vistas a produzir resultados por mais de um exercício social. E o valor assim investido não se sujeitaria a reavaliações posteriores, mas apenas à correspondente amortização, na forma do art. 183 da Lei das S/A, que disciplina os critérios de avaliação do ativo, nos seguintes termos: (…)

Sob este direcionamento contábil, a legislação tributária vigente no ano-calendário 2006 somente cogita do registro de perda de capital se verificada uma das hipóteses assim consolidadas no art. 418 do RIR/99. (…)

Frente a tais circunstâncias, somente se poderia cogitar, no período autuado, da apropriação da amortização correspondente, na forma do art. 324 e seguintes do RIR/99.


Decisões variadas
a) No Acórdão 3301-002.738 (publicado em 4/2/2016), discutido se o fato de automóvel receber tributação com alíquota zero nas concessionárias faz com que a receita com seguro e financiamento desse automóvel também tenha o mesmo tratamento. E Turma do Carf nega tal possibilidade; assim ementado: “A atividade de intermediação de negócios (financiamentos e seguros), exercida por concessionárias de veículos caracteriza como receita da prestação de serviços e não existe previsão legal para excluí-la da base de cálculo do PIS e da Cofins no regime da não-cumulatividade. Também não se insere no contexto da tributação monofásica a que estão vinculados os veículos”.

b) No Acórdão 2401-003.981 (publicado em 14/1/2016), Turma do Carf mantém anulação de autuação porque, havendo norma de responsabilidade solidária para empresas que integram um grupo econômico de fato (artigo 30, IX, da Lei 8.212/90), o coobrigado não pode ser indigitado como contribuinte; assim ementado: “O erro na subsunção do fato ao critério pessoal da regra-matriz de incidência, decorrente da incorreta interpretação da legislação pela autoridade lançadora, a qual diante da previsão de solidariedade entre empresas de grupo econômico considera que o lançamento pode ser efetuado diretamente em qualquer uma delas, é vício material”.

Autores

  • é pós-doutora e doutora em Direito Tributário. Membro do CONJUR da FIESP. Membro da Comissão de Juristas do Senado para estudar a Desburocratização. Membro Imortal da ANE. Presidente do IPET. Professora. Advogada sócia de Queiroz Advogados.

  • é advogado, sócio do escritório Queiroz Advogados Associados e diretor do Centro de Estudos Avançados de Direito Tributário e Finanças Públicas do Brasil.

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