Opinião

IR sobre gastos com viagens no exterior fere lógica da tributação

Autor

  • Alexandre Alkmim Teixeira

    é advogado professor da Faculdade Milton Campos da PUC Minas e da USP Ribeirão Preto PhD pela Universidade de Santiago de Compostela (Espanha) e doutor em Direito Tributário Internacional pela USP.

4 de fevereiro de 2016, 6h23

A Receita Federal do Brasil (RFB) editou, no último dia 25 de janeiro de 2016, a Instrução Normativa RFB 1.611, que regulamenta a cobrança do imposto de renda retido na fonte (IRRF) para remessa de valores em pagamento de gastos com turismo no exterior.

Segundo a lógica adotada pela Receita Federal, a isenção do IRRF sobre referidas remessas havia sido concedida pelo prazo de 15 anos. Expirado o benefício fiscal no tempo, o governo brasileiro teria restaurado o seu poder de exigir a retenção do imposto de renda na fonte.

A verdade, no entanto, é que o Brasil não tinha, e continua não tendo, poder tributário legítimo para exigir referida exação.

O Brasil adotou a tributação dos residentes pelos rendimentos auferidos no exterior apenas a partir da Lei 9.249/1995 (universalidade). Antes de referida lei, apenas os rendimentos auferidos no território nacional estavam sujeitos à tributação no país (territorialidade pura).

A base conceitual da tributação internacional parte do pressuposto de que um Estado, através do seu poder soberano de tributar, pode alcançar (i) todos os fatos geradores de riqueza ocorridos dentro do seu território (princípio da fonte); e (ii) a riqueza percebida pelos seus residentes no exterior (princípio da residência).

Essa dupla percepção é uma decorrência direta do próprio conceito clássico de Estado, formado pela conjunção de três elementos fundamentais: soberania, território e povo[1].

Nesse sentido, exercendo a sua soberania territorial, o Estado tem poder de tributar toda riqueza produzida dentro de seus limites geográficos (terrestre, marítimo e aéreo), independentemente de quem seja o seu beneficiário (nacional, residente, estrangeiro ou não residente).

Na mesma ordem de ideias, pelo vínculo decorrente do elemento “povo”, o Estado pode tributar as riquezas auferidas pelos seus residentes, ainda que fora do território nacional.

Heleno Torres [2] bem explica o alcance da norma tributária, cujo entendimento pode ser assim condensado:

  Território brasileiro Exterior
Residente Rendimento tributável Rendimento tributável
Não residente Rendimento tributável Não alcançável

Na conjunção dessas duas matizes, temos que os rendimentos auferidos por residentes no Brasil, que tenham origem no país ou no exterior, assim como os rendimentos auferidos por não residentes, por atividades desenvolvidas no país, estão sujeitos à tributação no Brasil.

Em nenhuma hipótese se cogita a tributação do não residente pelos rendimentos auferidos no exterior. Por óbvio, se a pessoa, no exercício de suas atividades, não aufere riqueza por atividade desenvolvida no território nacional (ou seja, exclui-se a soberania pelo elemento territorial) e não é residente no Brasil (ou seja, exclui-se a soberania pelo vinculo pessoal — povo), ela não está sujeita ao pagamento de imposto de renda no país.

A questão é bastante simples: pode o Governo brasileiro tributar o taxista residente em Chicago pelos ganhos que ele aufere exercendo suas atividades nos Estados Unidos da América? Pode o governo brasileiro tributar o resultado percebido por uma loja de souvenir sediada em Budapeste por suas vendas locais? Pode o imposto de renda brasileiro alcançar os ganhos do Charles Aznavour pelos shows que ele executa na França? A resposta é óbvia que não.

Pois é exatamente isso o que pretende a IN RFB 1.611/2016: tributar pelo imposto de renda brasileiro, os ganhos de hotéis, operadoras de turismo, locadoras de veículos, operadoras de cruzeiro naval etc., sediadas no exterior, pelas atividades por elas exercidas fora do território nacional.

O fato de uma pessoa residente no Brasil remeter ao exterior valores para custear gastos com viagens que serão executadas fora do território nacional não implica, nem mesmo por presunção, que os destinatários são pessoas sujeitas à tributação da renda no Brasil.

Exatamente por isso que as remessas a esse título estavam sujeitas à isenção desde que o país passou a adotar a tributação da renda no plano mundial, em 1996. Não se trata, referida isenção, de benefício fiscal, mas sim de ajuste da legislação interna às hipóteses em que a norma tributária pode efetivamente surtir efeitos. A partir do momento em que a renda de um prestador de serviço não residente, pelo exercício das suas atividades no exterior, não pode ser alcançada pelo imposto de renda brasileiro, a isenção funciona(va) como instrumento de adequação da correta incidência na tributação da renda.

Expirado o prazo da isenção, não é de se supor que o Brasil tenha adquirido o poder de tributar os rendimentos auferidos no exterior por pessoa não residente.

A posição expressa pela IN RFB 1.611/2016 não apenas atenta contra a lógica da tributação da renda no Brasil e no mundo, como fere diretamente disposições constantes de acordos para evitar a dupla tributação celebrados com sessenta e três países.

Antes que o Brasil passe o constrangimento internacional por tentar tributar, sem legitimidade, fatos não sujeitos à norma brasileira, seria prudente que próprio Governo reconhecesse a inconsistência da medida.


1CASTRO, Amílcar de. Direito internacional privado. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 1. Valério de Oliveira Mazzuoli identifica, ainda, que, “na tradição alemã, Estado é um termo jurídico que se refere, ao mesmo tempo, à Staatsgewalt (um ramo do Poder Executivo que garante soberania interna e externa), à Staatsgebiet (um território com limites claramente definidos), e à Staatsvolk (o conjunto total dos cidadãos que o compõem coordenados abaixo à sua jurisdição)”. De toda sorte, na acepção moderna, o Estado é identificado, juridicamente, como ente com personalidade jurídica internacional, que agrega os elementos soberania, povo e território. Mazzuoli acrescenta dois outros elementos: finalidade e capacidade de se relacionar com os outros Estados. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 353.

2 TÔRRES, Heleno Taveira. Pluritributação internacional sobre as rendas de empresas. 2 ed. p. 89. 

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