Herança x concurso

Caso de cartório divide Supremo e promove debate sobre autoridade do CNJ

Autor

4 de fevereiro de 2016, 5h05

Um caso emblemático para a situação dos cartórios do país, com desdobramentos na Justiça estadual, em tribunais superiores e no Conselho Nacional de Justiça teve mais um capítulo nesta segunda-feira (1º/2), com decisão da ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, que cassou liminar do ministro Ricardo Lewandowski. Trata-se da titularidade do 1º Tabelionato de Protesto e de Registros de Títulos e Documentos Civil de Pessoa Jurídica de Goiânia. 

Cármen Lúcia devolveu a titularidade do cartório a Naurican Lacerda, que obteve esse direito após prestar concurso público. Durante o recesso do Judiciário, em janeiro, Lewandowski havia determinado que o posto deveria ser dado a Maurício Borges Sampaio, que o herdou do pai.

O caso teve início quando o Conselho Nacional de Justiça fez um levantamento das situações dos cartórios no Brasil. Com os dados em mãos, determinou que fosse declarada vacância em centenas deles por constatar que a legislação não estava sendo respeitada. Entre eles estava o Tabelionato de Goiás.

Porém, no dia seguinte ao ser afastado, Sampaio, o herdeiro, conseguiu decisão da Justiça estadual e foi recolocado no posto. Mais tarde o juiz que concedeu a medida foi forçadamente aposentado por relação escusas justamente com o dono do cartório.

O CNJ não se deu por vencido. O então corregedor nacional de Justiça, ministro Francisco Falcão, determinou que ele perdesse o posto novamente e ainda disse que o entendimento da Justiça local no caso não deveria ter poder algum. “A declaração de eficácia ou ineficácia do decreto do TJ-GO por sentença da Justiça estadual de Goiás não afeta o reconhecimento da vacância da serventia pela Corregedoria Nacional de Justiça”, disse.

Natureza jurisdicional
O caso chegou aos superiores. O ministro Teori Zavascki é o relator no STF e já negou dois mandados de segurança ao herdeiro. Em parecer, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, também se manifestou de forma contrária a Sampaio. 

Porém, no exercício do plantão Judiciário, o ministro Lewandowski foi em uma direção contrária. Ele, que é presidente do CNJ, concedeu liminar favorável ao herdeiro e argumentou que o Conselho não tem autoridade para mudar decisões de juízes. 

“Em que pese o entendimento do Corregedor Nacional de Justiça, parece-me que sua posição diverge da pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que afasta o Conselho Nacional de Justiça a competência para intervir em processos de natureza jurisdicional, vedando a fiscalização, o reexame e a suspensão dos efeitos de ato de conteúdo jurisdicional”, escreveu Lewandowski.

Agora, com a decisão da ministra Cármen Lúcia, Lacerda assume o cartório e junto com Borges espera a decisão final da corte. 

Previsão constitucional
O advogado Tiago de Lima Almeida, do Celso Cordeiro & Marco Aurélio de Carvalho Advogados aponta que o Conselho Nacional de Justiça, de acordo com a Constituição Federal, possui atribuições de natureza administrativa e, portanto, a sua competência não lhe permite reexaminar ou suspender uma decisão proferida em um processo jurisdicional.

"Não se pode extrair em momento algum que, dentre suas atribuições, este órgão poderá investir-se de função jurisdicional para tornar ineficaz uma decisão judicial, pois, ainda que tal decisão se mostre equivocada, esta somente poderá ser revista por um tribunal superior, obedecendo, dentre outros, o fundamental duplo grau de jurisdição", afirma.

 

MS 32.104
Clique aqui para ler a decisão da ministra Cármen Lúcia.

*Texto alterado às 19h57 do dia 4 de fevereiro de 2016 para acréscimos.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!