Conduta atípica

Falsificar assinatura em procuração não é crime se ato foi inútil, diz TJ-RS

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3 de fevereiro de 2016, 8h05

Falsificar assinatura em procuração será conduta materialmente atípica se não produzir lesão à Justiça nem ameaçar a fé pública, apesar da previsão expressa no artigo 298, caput, do Código Penal. Por isso, a 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul absolveu dois advogados denunciados pela falsificação da assinatura de uma cliente em documento apresentado em ação contra a Brasil Telecom em Juizado Especial Cível do interior. Na origem, a sentença havia absolvido apenas um dos denunciados.

O relator das apelações, desembargador Rogério Gesta Leal, observou que os advogados nem precisariam ter tomado tal atitude, pois o Enunciado 77 do Fórum Nacional de Juizados Especiais diz que o advogado que tem seu nome no termo de audiência — caso dos autos — está legalmente habilitado para todos os atos do processo, inclusive para a interposição de recursos.

‘‘Prejuízo para a fé pública e administração da Justiça também não houve, pois o ato dos réus foi completamente inútil ao deslinde das ações judiciais. Já havia o trânsito em julgado na ação de conhecimento e na execução, e o documento falsificado era completamente desnecessário para o conhecimento das contrarrazões ao recurso apresentado pela parte contrária no processo de embargos’’, afirmou o desembargador.

Leal esclareceu que a falsificação de documento é crime formal que se dá independentemente do efetivo benefício do agente causador ou do prejuízo das vítimas, direta ou indiretamente. Entretanto, o Direito Penal só deve incidir quando os bens jurídicos mais essenciais à vida em sociedade sofrerem significativa lesão ou ameaça de lesão.

‘‘Clarividente está, no caso dos autos, que a conduta do réu Roberto – tenha sido praticada com ou sem a participação do réu Marcelo – visou apenas evitar um prejuízo a um jurisdicionado. Não houve dolo de enganar a Justiça ou diminuir a fé que a sociedade como um todo tem nos documentos públicos ou particulares, pois o advogado estava, efetivamente, autorizado para patrocinar aqueles processos, e a juntada da procuração foi indiferente ao conhecimento das contrarrazões ao recurso’’, disse o relator, reformando a sentença nesse aspecto.

O caso
O imbróglio teve início quando uma consumidora ajuizou ação ressarcitória contra a Brasil Telecom no Juizado Especial Cível da Comarca de Santana de Livramento, na fronteira com o Uruguai. Como não houve acordo na audiência de conciliação, a consumidora, por orientação da juíza leiga, nomeou o advogado Marcelo para representá-la. Ele participou da audiência de instrução e patrocinou todos os demais atos processuais.

Transitada em julgado a decisão de mérito favorável à autora, a Brasil Telecom apresentou embargos à execução somente em relação à multa de 10% incidente pelo atraso no adimplemento do montante devido. Marcelo, no entanto, não conseguia contatar sua cliente, para que lhe fosse outorgada a procuração a ser juntada às contrarrazões aos embargos. Em função dessa dificuldade, pediu ao advogado Roberto — que lhe ajudava em alguns processos — que localizasse a autora e colhesse sua assinatura.

Conforme o processo, os dois profissionais chegaram a discutir a real necessidade da outorga da procuração, já que o nome de Marcelo constava no termo de audiência de instrução e em todos os demais atos processuais. Mesmo assim, Roberto teria sugerido que fosse acostado o documento, a fim de não prejudicar a parte autora. No último dia para apresentar as contrarrazões, sem localizar a cliente, a solução encontrada foi falsificar sua assinatura na procuração.

O modo empregado para falsificar a assinatura não ficou claro nos autos, pois há diferentes versões sobre a efetiva participação do réu Marcelo. O que se sabe é que quem assinou foi Roberto, que admitiu o fato. Mesmo assim, ambos foram denunciados pelo Ministério Público estadual, dados como incursos nas sanções do artigo 299, caput, na forma do artigo 29, caput — ambos do Código Penal. Ou seja, crime de inserir declaração falsa em documento para alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante com a ajuda de alguém.

No primeiro grau, o juiz Gildo Meneghello Jr., da Vara Criminal daquela comarca, julgou a denúncia do MP parcialmente procedente. Absolveu o réu Marcelo, com base no artigo 386, inciso V, do Código de Processo Penal, por não ter concorrido para a infração penal. E condenou Roberto como incurso nas sanções do artigo 298 (falsificar documento), do Código Penal, às penas de um ano e quatro meses de reclusão, além de multa. A pena foi convertida em prestação de serviços à comunidade.

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