Retrospectiva 2016

Setor de seguro, como um todo, está estagnado e indica redução

Autor

  • Ernesto Tzirulnik

    é advogado doutor em Direito pela Universidade de São Paulo(USP) é presidente do Instituto Brasileiro de Direito do Seguro e da Comissão de Direito do Seguro (IBDS) e resseguro da OAB-SP.

31 de dezembro de 2016, 6h38

O negócio de seguro, como um todo, está estagnado e indica redução. Segundo os dados divulgados no site Tudo sobre Seguros, da Fundação Escola Nacional de Seguros (Funenseg), compilados a partir das estatísticas publicadas pela Superintendência de Seguros Privado (Susep) — até outubro de 2016 —, o setor sujeito a essa autarquia apresentou crescimento nominal de 7,8%. Entretanto, como a inflação medida pelo IPCA foi de 9,2%, houve decréscimo das operações de seguro de 1,3%.

O segmento de seguros de pessoas cresceu 4,3% em termos reais, mas 7,2% correspondem a crescimento nos produtos de acumulação (PGBL, VGBL, Previdência), e os produtos de risco, tipicamente securitários, que são os seguros de vida e acidentes pessoais individuais e coletivos decresceram 4,7%. O segmento de seguros gerais apresentou decréscimo de 8,3%. O seguro de automóveis decresceu 11,4%. Os seguros patrimoniais decresceram 6,9%. Entre estes últimos, o ramo de riscos de engenharia decresceu 30%, e os demais riscos empresariais decresceram 6%. Os seguros de RC profissional cresceram 18%, o D&O decresceu 5,8% e, no cômputo geral, os seguros de responsabilidade civil decresceram 3,2%. Os seguros rurais pouco caíram, 0,8%.

Não obstante isso, o negócio envolve valores elevados. A receita total de prêmios foi de R$ 190 bilhões até o mês de outubro, não computado o seguro saúde e os planos de saúde, que estão fora da supervisão da Susep. Os seguros propriamente ditos, que são os chamados seguros de risco, faturaram um total de R$ 83 bilhões de prêmios. As comissões de intermediação, nesses seguros de risco, atingiram R$ 20 bilhões. Nos seguros pessoais de risco, as receitas somaram R$ 25 bilhões, as comissões de intermediação, R$ 8 bilhões, e os capitais pagos a segurados e beneficiários, também R$ 8 bilhões. Nos ramos elementares, as receitas foram de R$ 58 bilhões, as comissões de corretagem, R$ 12 bilhões, e R$ 32 bilhões as indenizações e provisões para sinistros.

Com relação ao PIB brasileiro, o setor (seguros de risco e acúmulo) representa 3,9%. É com a soma do seguro saúde, dos planos de saúde não securitários e da capitalização que o setor atinge os muito propagados 6,2%.

O seguro obrigatório de veículos automotores de vias terrestres, conhecido pela sigla DPVAT, faturou R$ 8 bilhões, dos quais R$ 4 bilhões (50%) foram pagos ao Estado para manutenção do Sistema Único de Saúde (SUS) e do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran). As despesas de comercialização foram de R$ 61 milhões. O total de indenizações mais as provisões técnicas somaram R$ 3,9 bilhões. Discute-se, com razão, se é tributo disfarçado, pois metade da receita — e negocia-se a ampliação dessa fatia — é destinada ao Estado para a prestação de serviços públicos. São indenizações ínfimas, R$ 13,5 mil em caso de morte, e o sistema interessa a poucos: as pequenas seguradoras, que recebem para regular a quase totalidade dos sinistros, e as instituições, que recebem parte dos prêmios.

Entrementes, o seguro brasileiro vem-se ajustando à quebra de paradigmas ocorrida com a mudança das políticas estatais no setor, desde os anos 1990, quando o IRB Brasil Resseguros S.A., ainda monopolista, já dava sinais de atuação como ressegurador privado. Esse processo culmina com a extinção do monopólio do resseguro, pela Lei Complementar 126/2007, a qual é regulamentada em 2008, quando as primeiras resseguradoras passam a ser autorizadas a operar. Nesse momento, o IRB perde septuagenária competência normatizadora, embora, entre a edição da LC 126/2007 e sua regulamentação, ainda dispondo de competência regulamentar, tenha preparado o terreno para suas atividades vindouras, editando, por exemplo, a Sereg 2.428/2007, que contém normas aplicáveis a seguros de riscos de engenharia reduzindo o conteúdo das garantias desse seguro e atribuindo maior poder discricionário para a recusa de riscos, inclusive prorrogações, uma normatização contrária ao recomendado pelos sistema jurídico, que busca promover o interesse dos segurados e beneficiários.

Ao mesmo tempo, a Susep, tendo recebido a competência que antes cabia ao IRB, passa a intervir mais frequente e horizontalmente no setor. Essa intervenção parece ser bastante problemática. Além de fiscalizar a solvência das companhias seguradoras, a autarquia federal exerce intensa atividade regulamentadora, que, em geral, reduz compulsoriamente o conteúdo das garantias dos seguros, quando se padronizam seguros com coberturas básicas mínimas e parte das coberturas que normalmente integravam os seguros usais, padrão, é remetida para o rol de garantias adicionais, a serem contratadas em apartado. Isso já repercutiu em diversos ramos, como riscos de engenharia, responsabilidade civil de administradores (D&O) e riscos ambientais.

Simultaneamente, iniciativas legislativas ameaçam fixar percentuais máximos de garantia conjugados com cláusulas de reposição impossíveis de serem exercidas, como sucede na proposta de conteúdo para o seguro-garantia, hoje em discussão no Congresso Nacional (PLS 559/2013).

No âmbito do Poder Judiciário, o pêndulo que antes apontava para os consumidores mostra-se inclinado para as seguradoras, como exemplos a restrição à ação direta, que passou a depender do litisconsórcio passivo do segurado, e a carência do suicídio nos seguros de vida e acidentes pessoais, que foi estendida a todos os tipos de suicídio. Esse fenômeno, no último ano, tornou-se mais detectável por algumas decisões judiciais proferidas em demandas envolvendo o seguro de responsabilidade civil dos administradores, conhecido pela sigla D&O, nas quais é recusado o direito do segurado à prestação financeira destinada a suportar os custos de defesa, que é precisamente uma das garantias do seguro, antes de transitada em julgado sentença condenatória por crime doloso. O longevo princípio in dubio pro segurado vai-se, de roldão, com o in dubio pro reu.

O que se vê, em geral, é a ausência de orientação geral e política para o setor e, via de consequência, incidentes de intervenção estatal desalinhados com os valores básicos que devem reger a atividade regulamentar em matéria de seguro, de forma a garantir o desenvolvimento do mercado interno, a solidarização social e econômica, a eliminação de condutas discriminatórias e a proteção dos segurados e beneficiários de seguro. Arrastam-se as tentativas de proporcionar ao seguro um quadro de regras claras que possam promover tais objetivos e blindá-lo da hiperatividade regulamentadora estatal. Nesse sentido, por exemplo, tramita há 12 anos o PL 3.555/2004, que pretende outorgar a primeira lei de contrato de seguro do país.

Entre as inúmeras virtudes do PL 3.555/2004, que se espera seja transformado em lei no ano de 2017, estão as seguintes: (1) uniformiza a linguagem do direito obrigacional, transformando-se o seguro em instituto mais facilmente inteligível; (2) funcionaliza o seguro para os cometimentos constitucionais brasileiros, como o crescimento do mercado interno, a solidarização social e econômica, a supressão das diferenças regionais etc.; (3) atribui imperatividade à lei brasileira sobre os contratos de seguro e à jurisdição estatal e arbitral sediada no Brasil; (4) prevê que os seguros devem estimular os negócios (princípio da audácia) e induz às coberturas amplas (all risks); (5) estabelece a necessidade de bases técnicas comprováveis; (6) faz a prevenção de conflitos cotidianos já encaminhados pela experiência jurisprudencial, doutrinária, nacional e estrangeira; (vii) veda políticas discriminatórias de empresas e indivíduos; (7) estabelece a obrigatoriedade de motivação para as recusas de subscrição e de prestação de indenização e de capital; (8) conduz ao aproveitamento dos negócios jurídicos securitários e faz a diferenciação dos efeitos dos atos dolosos e dos atos culposos; (9) democratiza e dá eticidade aos procedimentos de regulação e liquidação de sinistro, criando responsabilidades para os reguladores; (10) funcionaliza ao seguro as atividades de resseguro e retrocessão, assim como a intermediação.

Realimentando a expectativa de se dispor de lei moderna para promover as atividades e garantir os interesses dos segurados, beneficiários, seguradoras, resseguradores e da sociedade em geral, a Câmara dos Deputados acaba de aprovar por unanimidade o voto favorável do relator desse projeto, deputado Lucas Vergílio, fruto dos esforços conjuntos do Instituto Brasileiro de Direito do Seguro (IBDS), CNseg Confederação Nacional das Empresas de Seguro e Federação Nacional dos Corretores de Seguro (Fenacor).

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