Crise no MPF

Dallagnol não se preocupa com crise, pois seu salário está garantido, diz Aragão

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31 de dezembro de 2016, 12h28

O ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão afirmou ao chefe da força-tarefa da operação “lava jato”, Deltan Dallagnol, que ele e os demais procuradores da República que atuam no caso ajudaram a jogar a economia brasileira no buraco, mas que não se preocupam com isso porque “seus empregos não correm risco”.

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Para Eugênio Aragão, Deltan Dallagnol tem que "baixar a bola" e atuar com discrição.
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Em carta aberta a Dallagnol, Aragão — que também é procurador da República — criticou a postura messiânica dele nas redes sociais. Recentemente, o membro da força-tarefa da “lava jato” chamou a atenção daqueles que “vestem a camisa do complexo de vira-lata” e disse era “possível um Brasil diferente”.

Para o ex-ministro da Justiça, quem tem complexo de vira-lata, na verdade, são os integrantes do Ministério Público Federal que atuam no caso. A seu ver, eles idolatram os EUA sem conhecer a história desse país, que foi, pelo menos, tão “banhado em sangue” quanto o Brasil.

E essa idolatria aos norte-americanos e a atitude moralista de Dallagnol e seus colegas jogou o Brasil em uma recessão que já durá três anos e acabará por dar as chaves do mercado da construção civil a empresas dos EUA, declara Aragão.

“E vocês, narcisos, se acham lindinhos por causa disso, né? Vangloriam-se de terem trazido de volta míseros dois bilhões em recursos supostamente desviados por práticas empresariais e políticas corruptas. E qual o estrago que provocaram para lograr essa casquinha? Por baixo, um prejuízo de 100 bilhões e mais de um milhão de empregos riscados do mapa. Afundaram nosso esforço de propiciar conteúdo tecnológico nacional na extração petrolífera, derreteram a recém-reconstruída indústria naval brasileira.”

De acordo o último ministro da Justiça de Dilma Rousseff, Dallagnol, “à frente de sua turma, vai entrar na história como quem contribuiu decisivamente para o atraso econômico e político que fatalmente se abaterão sobre nós”.

Porém, o chefe da força-tarefa da “lava jato” não deve estar preocupado com a situação econômica do país, avalia Aragão. Afinal, “não são os seus empregos que correm risco”, diz ele ao seu colega de MPF. E eles não têm do que reclamar, ressalta o ex-ministro. Isso porque os integrantes do órgão ganham “muito bem”, recebem auxílios alimentação e moradia no valor de quase R$ 1 mil cada um e mais um “ilegal” auxílio-moradia “tolerado pela morosidade do Judiciário que vocês tanto criticam”.

“Vivemos numa redoma de bem-estar. Por isso, talvez, à falta de consciência histórica, a ideologia de classe devora sua autocrítica. E você e sua turma não acham nada demais se milhões de famílias não conseguirem mais pagar suas contas no fim do mês, porque suas mães e seus pais ficaram desempregados e perderam a perspectiva de se reinserirem no mercado num futuro próximo”, acusa Aragão.

E mais: Eugênio Aragão diz na carta que seus colegas de MPF usaram a bandeira do “combate à corrupção” como cortina de fumaça para derrubar Dilma Rousseff e aumentar o poder dos promotores e procuradores. Na visão do ex-ministro, eles também erraram o alvo ao fixar a corrupção como o pior problema do Brasil, quando esse “troféu” é, na realidade, da desigualdade econômico-social.

Devido a isso tudo, Aragão pede que Deltan Dallagnol “baixe a bola”, pare de perseguir o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de “fazer teatro com PowerPoint”. “Faça seu trabalho em silêncio, investigue quem tiver que investigar sem alarde, respeite a presunção de inocência, cumpra seu papel de fiscal da lei e não mexa nesse vespeiro da demagogia, pois você vai acabar ferroado. Aos poucos, como sempre, as máscaras caem e, ao final, se saberá quem são os que gostam do Brasil e os que apenas dele se servem para ficarem bonitos na fita! Esses, sim, costumam padecer do complexo de vira-lata!”, finaliza.

Outros ataques
Essa não é a primeira carta de Eugênio Aragão a um integrante do MPF. Em setembro, o ex-ministro da Justiça enviou missiva ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot, apontando que sua atuação não condiz com o que ele pregava antes de chegar ao cargo.

De acordo com Aragão, se antes ele era crítico da postura adotada pelo MPF durante a Ação Penal 470, o processo do mensalão, ele repete a fórmula de crucificar acusados na operação “lava jato”.

Posteriormente, Eugênio Aragão acusou o juiz federal Sergio Moro, responsável pelos processos da operação “lava jato”, de ser um criminoso. Em mensagem enviada ao professor alemão Markus Pohlmann, cuja universidade (de Heidelberg) recebeu o juiz para uma palestra, Aragão afirma que “Moro é um criminoso, também sob a perspectiva alemã. Ele se tornou punível quando violou sigilo funcional, para não falar em prevaricação”.

O e-mail do ex-ministro foi enviado junto com uma carta, assinada por 28 professores de Direito, História e Ciência Política, que questiona o fato de a Universidade de Heidelberg convidar Moro para falar sobre combate à corrupção. O evento ocorreu no dia 9 de dezembro, mas a carta foi enviada no dia 6. O documento elenca acusações contra o juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba.

Além de citarem que Moro determinou a ilegal condução coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para depor e vazou, “criminosamente”, gravações de conversas entre Lula e a então presidente Dilma Rousseff, os professores dizem que o juiz viola a Constituição, leis e a soberania nacional, entregando informações à Justiça dos Estados Unidos, “com quem dialoga frequentemente, sobre andamento de processos brasileiros, permitindo que réus brasileiros firmem acordo de colaboração com a justiça dos EUA, em detrimento do interesse das empresas nacionais brasileiras”.

Leia abaixo a íntegra da carta:

Carta aberta ao jovem colega Deltan Dallagnol

"Denn nichts ist schwerer und nichts erfordert mehr Charakter, als sich in offenem Gegensatz zu seiner Zeit zu befinden und laut zu sagen: Nein."

(Porque nada é mais difícil e nada exige mais caráter que se encontrar em aberta oposição a seu tempo e dizer em alto e bom som: Não!)

Kurt Tucholsky

Caro colega,

Acabo de ler por blogs de gente séria que você estaria a chamar atenção, no seu perfil de Facebook, de quem "veste a camisa do complexo de vira-lata", que seria "possível um Brasil diferente" e que a hora seria agora. Achei oportuno escrever-lhe esta carta pública, para que nossa sociedade saiba que, no Ministério Público, há quem não bata palmas para suas exibições de falta de modéstia.

Vamos falar primeiro do complexo de vira-lata. Acredito que você e sua turma sejam talvez os que menos autoridade têm para falar disso, pois seus pronunciamentos são a prova mais cabal de SEU complexo de vira-lata. Ainda me lembro daquela pitoresca comparação entre a colonização americana e a lusitana em nossas terras, atribuindo à última todos os males da baixa cultura de governação brasileira, enquanto o puritanismo lá no Norte seria a razão de seu progresso. Talvez você devesse estudar um pouco mais de história, para depreciar menos este país. E olha que quem cresceu nas "Oropas" e lá foi educado desde menino fui eu, hein… talvez por isso não falo essa barbaridade, porque tenho consciência de que aquele pedaço de terra, assim como a de seu querido irmão do Norte, foram os mais banhados de sangue humano ao longo da passagem de nossa espécie por este planeta. Não somos, os brasileiros, tão maus assim: na pior das hipóteses somos iguais, alguns somos descendentes dos algozes e a maioria somos descendentes das vítimas.

Mas essa sua teorização vulgar não diz tudo sobre SEU complexo. Você à frente de sua turma vai entrar na história como quem contribuiu decisivamente para o atraso econômico e político que fatalmente se abaterão sobre nós. E sabe por que? Porque você e sua turma são ignorantes e não conseguem enxergar que o princípio fiatiustitia et pereatmundus nunca foi aceito por sociedade sadia qualquer neste mundão de Deus. Summum jus, summainiuria, já diziam os romanos: querer impor sua concepção pessoal de justiça a ferro e fogo leva fatalmente à destruição, à comoção e à própria injustiça.

E o que vocês conseguiram de útil neste País para acharem que podem inaugurar um "outro Brasil", quiçá melhor do que aquele em que vivíamos? Vocês conseguiram agradar ao irmão do Norte, que faturará bilhões de nossa combalida economia, e conseguiram tirar as empresas nacionais do mercado global altamente competitivo da construção civil de grandes obras de infraestrutura. Tio Sam agradece. E vocês, narcisos, se acham lindinhos por causa disso, né? Vangloriam-se de terem trazido de volta míseros dois bilhões em recursos supostamente desviados por práticas empresariais e políticas corruptas. E qual o estrago que provocaram para lograr essa casquinha? Por baixo, um prejuízo de 100 bilhões e mais de um milhão de empregos riscados do mapa. Afundaram nosso esforço de propiciar conteúdo tecnológico nacional na extração petrolífera, derreteram a recém-reconstruída indústria naval brasileira.

Claro, não são seus empregos que correm risco. Ganhamos muito bem no Ministério Público, temos auxílio-alimentação de quase mil reais, auxilio-creche com valor perto disso, um ilegal auxílio-moradia tolerado pela morosidade do Judiciário que vocês tanto criticam. Temos um fantástico plano de saúde e nossos filhos podem frequentar a liga das melhores escolas do País. Não precisamos de SUS, não precisamos de Pronatec, não precisamos de cota nas universidades, não precisamos de Bolsa-Família e não precisamos de Minha Casa, Minha Vida. Vivemos numa redoma de bem-estar. Por isso, talvez, à falta de consciência histórica, a ideologia de classe devora sua autocrítica. E você e sua turma não acham nada demais se milhões de famílias não conseguirem mais pagar suas contas no fim do mês, porque suas mães e seus pais ficaram desempregados e perderam a perspectiva de se reinserirem no mercado num futuro próximo.

Mas você achou fantástico o acordo com os governos dos EEUU e da Suíça, que permitiu-lhes, na contramão da prática diplomática brasileira, se beneficiar indiretamente de um asset sharing sobre produto de corrupção de funcionários brasileiros e estrangeiros. Fecharam esse acordo sem qualquer participação da União, que é quem, em última análise, paga a conta de seu pretenso heroísmo global, e repassaram recursos nacionais sem autorização do Senado. Bonito, hein? Mas, claro, na visão umbilical corporativista de vocês, o Ministério Público pode tudo e não precisa se preocupar com esses detalhes burocráticos que só atrasam nosso salamaleque para o irmão do  Norte! E depois você fala de complexo de vira-lata dos outros!

O problema da soberba, colega, é que ela cega e torna o soberbo incapaz de empatia.Mas como neste mundo vale a lei do retorno, o soberbo também não recebe empatia, pois seu semblante fica opaco, incapaz de se conectar com o outro.

A operação de entrega de ativos nacionais ao estrangeiro, além de beirar alta traição, esculhambou o Brasil como nação de respeito entre seus pares. Ficamos a anos-luz de distância da admiração que tínhamos mundo afora. Vocês atropelaram a Constituição: segundo ela, compete à presidenta da República manter relações com Estados estrangeiros, não ao musculoso Ministério Público. Daqui a pouco vocês vão querer até uma representação diplomática nas capitais do circuito Elizabeth Arden, não é?

Ainda quanto a um Brasil diferente, devo-lhes lembrar que "diferente" nem sempre é melhor e que esse servicinho de vocês foi responsável por derrubar uma presidenta constitucional honesta e colocar em seu lugar uma turba envolvida nas negociatas que vocês apregoam mídia afora. Esse é o Brasil diferente? De fato é: um Brasil que passou a desrespeitar as escolhas políticas de seus vizinhos e cultivar uma diplomacia da nulidade, pois não goza de qualquer respeito no mundo. Vocês ajudaram a sujar o nome do país. Vocês ajudaram a deteriorar a qualidade da governação, a destruição das políticas inclusivas e o desenvolvimento sustentável pela expansão de nossa infraestrutura com tecnologia própria.

E isso tudo em nome de um "combate" obsessivo à corrupção. Assunto do qual vocês parecem não entender bulhufas! Criaram, isto sim, uma cortina de fumaça sobre o verdadeiro problema deste pais, que é a profunda desigualdade social e econômica. Não é a corrupção. Esta é mero corolário da desigualdade, que produz gente que nem vocês, cheios de "self righteousness", fariseus com apretensão de serem justos e infalíveis, donos da verdade e do bem estar. Gente que pode se dar ao luxo de atropelar as leis sem consequência nenhuma. Pelo contrário, ainda são aplaudidos como justiceiros.

Com essa agenda menor da corrupção vocês ajudaram a dividir o país, entre os homens de bem e os safados, porque vocês não se limitam a julgar condutas como lhes compete, mas ousam julgar pessoas, quando estão longe de serem melhores do que elas. Vocês não têm capacidade de ver o quanto seu corporativismo é parte dessa corrupção, porque funciona sob a mesma gramática do patrimonialismo: vocês querem um naco do Estado só para chamar de seu. Ninguém os controla de verdade e vocês acham que não devem satisfação a ninguém. E tudo isso lhes propicia um ganho material incrível, a capacidade de estarem no topo da cadeia alimentar do serviço público. Vamos falar de nós, os procuradores da República, antes de querer olhar para a cauda alheia.

Por fim, só quero pontuar que a corrupção não se elimina. Ela é da natureza perversa de uma sociedade em que a competição se faz pelo fator custo-benefício, no sentindo mais xucro. A corrupção se controla. Controla-se para não tornar disfuncionais o Estado e a economia. Mas esse controle não se faz com expiação de pecados. Não se faz com discursinho falso-moralista. Não se faz com homilias em igrejas. Faz-se com reforma administrativa e reforma política, para atacar a causa do fenômeno e não sua periferia aparente. Vocês estão fazendo populismo, ao disseminarem a ideia de que há o "nós, o povo" de honestos brasileiros, dispostos a enfrentar o dragão da corrupção como um São Jorge redivivo. Você e eu sabemos que não existe isso e que não existe, com sua artificial iniciativa popular das "10 medidas", solução viável para o problema. Esta passa pela revisão dos processos decisórios e de controle na cadeia de comando administrativa e pela reestruturação de nosso sistema político calcado em partidos que não merecem esse nome. Mas isso tudo talvez seja muito complicado para você e sua turma compreenderem.

Só um conselho, colega: baixe a bola. Pare de perseguir o Lula e fazer teatro com PowerPoint. Faça seu trabalho em silêncio, investigue quem tiver que investigar sem alarde, respeite a presunção de inocência, cumpra seu papel de fiscal da lei e não mexa nesse vespeiro da demagogia, pois você vai acabar ferroado. Aos poucos, como sempre, as máscaras caem e, ao final, se saberá quem são os que gostam do Brasil e os que apenas dele se servem para ficarem bonitos na fita! Esses, sim, costumam padecer do complexo de vira-lata!

Antes da próxima homilia diante de correligionários incautos, reflita sobre a lição do Evangelho: "Por que reparas no cisco que está no olho do teu irmão, quando não percebes a trave que está no teu? Ou como poderás dizer ao teu irmão: 'Deixa-me tirar o cisco do teu olho', quando tu mesmo tens uma trave no teu? Hipócrita, tira primeiro a trave do teu olho, e então verás bem para tirar o cisco do olho do teu irmão." (Evangelho segundo São Mateus 7, 3-5)

Um forte abraço de seu colega mais velho e com cabeça dura, que não se deixa levar por essa onda de "combate" à corrupção sem regras de engajamento e sem respeito aos costumes da guerra.

Eugênio José Guilherme de Aragão”.

*Texto alterado às 10h50 do dia 2/1/2017 para correção de informação.

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