Opinião

Levar a sério a tarefa do jurista é uma luta pelo amanhã do Direito

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28 de dezembro de 2016, 11h31

Hoje, para atuar como jurista genuíno, é necessário escrever sobre as cinzas do tédio jurídico, levantando a cama de brasas do rescaldo onde a chama do triunfo do Direito ainda conserva o fogo de seu espírito; será, assim, mostrar as incompetências práticas, desvelar as incongruências teóricas, declarar o absurdo das certezas fundamentalistas em legisladores ferozes, precárias figuras de barro tão voláteis como frágeis, denunciar a deterioração — quando não falta — de convicções, a indiferença frente o erro, àqueles que confundem a Teoria Geral do Direito com um manual de etiqueta, espécie de lugar comum meramente convencional, disposta somente para um cerimonial de estilo, e, sobretudo, àqueles que creem que o Direito se manifesta por cortesia de uma República aristocrática, como graça ou privilégio, e não como garantia legal de indenização frente aos depredadores da vida coletiva, contra o vigor dos corruptos, a arrogância dos soberbos e a fatuidade dos prepotentes.

Hoje, é inescusável ao jurista iluminar a sombra às costas da palavra, camuflada pela folhagem da linguagem e a conversa dos vendedores de fumo, que logo mancham e asfixiam, e também dos silêncios de sábias conjecturas que se vendem por reservados e cautelosos sendo, na verdade, mudos.

Hoje, para professar como jurista autêntico, é forçoso ser agente moral do Direito. Mas não como pietistas vaticanos ou fundamentalistas talibãs, mas como predicadores da "moralidade interna do Direito", cujo credo jurídico proclamou Fuller em sete mandamentos universais: que as leis sejam gerais, públicas, irretroativas, não contraditórias, que não imponham deveres impossíveis de cumprir, estáveis no tempo, e que a atuação dos Poderes do Estado seja congruente com aquilo que estabelecem[1]. O que há além disso são ilusões dos falsos profetas, dissimuladores de subjetividades que apenas ocultam axiomas de consciência individual, ou seja, um novo escolástico, ou, pior ainda, sensivelmente a tomada de decisões argumentadas desde um egoísmo racional. O chamamento das tochas não ilumina; é, pelo contrário, o dos piromaníacos que queimam a objetividade social como a ideia moral regulativa do Direito.

Hoje, é urgente para o jurista recuperar a razão do Direito como razão de vida, e não única e principalmente como virtuosismos lógicos formulados em campanas de cristal ilhados da história, do presente e o porvir dos povos e nações. A prática do Direito vai além das destrezas exercidas em câmaras de vazio seladas à emoção do êxito, ao sentimento de fracasso, à esperança apaixonada. O Direito é um enxugamento da vida, não o sudário com que tantas vezes se amortece.

Hoje, é vital para o jurista afirmar a legalidade, se é efetiva conquista da legitimidade democrática, sem ceder e abandonar-se às visões de benéficas utopias judiciais promovidas por intrépidos protagonistas[2] ou, mais funestamente, desde puras pretensões pessoais. O funcionalismo social do sistema jurídico sempre permite novos equilíbrios entre as partes que integram seu conjunto; não obstante, é igualmente inquestionável que uma só parte está longe de poder representar a totalidade, e ainda mais substituir-se nela e assim suplantá-la. Os reajustes são não apenas inevitáveis, mas inclusive aconselháveis. Mas a vanguarda do Direito está formada por uma multidão, que sempre encontra seu caminho sem ter que recorrer a mentores ou ser dirigida por guias, e, menos ainda, por preceptores togados. Não cabe colocar tutores à cidadania. O maior valor de um cidadão na cidade são seus direitos civis. Assim, levar a sério a tarefa do jurista é agora o compromisso de afirmação jurídica e luta pelo amanhã do Direito. E amanhã já é hoje.

*Tradução: Rafael Giorgio Dalla Barba


[1] Lon L. Fuller, Morality of Law, New Haven: University Press, 1969, cap. II.
[2] “Porque o Direito não é, nem sequer poderia ser mesmo que pretendesse… O texto da lei e nada mais, mas a lei com toda sua textura de princípios e de conceitos capazes de uma vida própria, […] que não a audácia do juiz e sua pretensão protagonista impulsam, mas que exigem rigorosamente o fundacionalismo da sociedade e a inserção nele de preceitos gerais e estáveis”. Cf. Eduardo García Enterría, La Constitución como norma y el Tribunal constitucional, Madrid: Civitas, 1981, p. 224.

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