Investigação legítima

União não deve indenizar família de militar acusado pela Comissão da Verdade

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27 de dezembro de 2016, 13h38

A divulgação de que militares participaram de violações aos direitos humanos não gera dano moral se os fatos apontados foram comprovados por testemunhas e provas. Assim entendeu o juízo da 5ª Vara Federal de Porto Alegre ao negar pedido de indenização apresentado pela família do general Floriano Aguilar Chagas (morto em setembro de 2011) contra a União.

No relatório final da Comissão Nacional da Verdade, o militar foi acusado de participar de operações conjuntas entre os governos do Brasil, do Chile e da Argentina na época em que os três países estavam sob ditaduras.

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Comissão Nacional da Verdade, criada em 2012, analisou relatos e documentos sobre violações entre 1946 e 1988.

Os filhos do militar negam que ele tenha praticado qualquer crime e disseram que a divulgação dos fatos causou danos à imagem dele e também de seus parentes. Além de cobrar indenização por dano moral, eles tentavam obrigar a União a excluir o nome de Chagas do relatório e a se retratar na imprensa, inclusive internacional.

Os autores afirmaram ainda que a comissão —  responsável por investigar violações a direitos humanos entre 1946 e 1988 — afrontou a Lei da Anistia e violou o princípio da irretroatividade legal. Também argumentaram que o grupo foi parcial em suas investigações, por ter apurado apenas crimes cometidos por militares, e que o relatório do grupo de apuração "mancha, macula e deslustra a memória" do militar.

Já a União afirmou que não há qualquer conflito entre a Comissão da Verdade e a Lei da Anistia, pois nenhuma das normas revogou ou anulou disposições legislativas já estabelecidas.

O juízo federal concordou com o argumento da União, destacando que não há qualquer violação às disposições da Lei da Anistia (6.683/79), pois “a própria Lei 12.528/11 [que criou o grupo] dispõe, expressamente, que as atividades desenvolvidas por aquele órgão ‘não terão caráter jurisdicional’ (art.4º, § 4º)”.

Ainda segundo a sentença, “não há como afirmar que houve parcialidade na escolha dos membros da Comissão da Verdade, já que composta por diferentes segmentos da sociedade (juristas, ministro do STJ, professores, advogados e jornalista)”. Além disso, a própria lei que criou a Comissão da Verdade, em seu artigo 2º, parágrafo 1º, impedia seus membros de exercerem cargos executivos em partidos políticos ou terem funções de confiança no poder público.

O juízo disse ainda que comissão identificou os autores das “graves violações de direitos humanos” por meio de documentos e relatos de vítimas e testemunhas. “Não se trata de injúria, tampouco difamação afirmar que o Cel. Floriano Aguilar Chagas, nomeado para o cargo de Adido do Exército junto à Embaixada do Brasil na Argentina, de 1973 a 1975 (26 meses) […] esteve auxiliando na vigilância dos brasileiros asilados que estavam na Argentina e subsidiando serviços de informações e órgãos de inteligência das Forças Armadas e da Polícia Federal.”

Partindo das provas e relatos apresentados, o juízo reforça na sentença que não há como afirmar que a citação ao general partiu de conclusões parciais e inverídicas. “Assim, ainda que os sucessores do General mencionado não concordem com as conclusões da CNV, não há ‘error in procedendo’ passível de reexame em via judicial na espécie dos autos.”

Anos de chumbo
“Os fatos históricos passados durante o regime militar, antes sigilosos, devem ser revelados a quem viveu aquele período de nossa história e às novas gerações, concordem os envolvidos ou não, sendo o Relatório da Comissão da Verdade apenas um destes instrumentos. Centenas, se não milhares, de documentos, livros, notícias de jornais, relatos de testemunhas e de vítimas foram colhidos para elaborá-lo”, disse o juízo.

Floriano Aguilar Chagas é apontado como personagem central na operação que resultou no desaparecimento de duas pessoas quando era adido do Exército junto à Embaixada do Brasil em Buenos Aires.

O militar também é citado como um dos membros brasileiros na atuação integrada entre as três principais ditaduras da época na América do Sul: chilena, brasileira e argentina. Depois do golpe contra o então presidente do Chile Salvador Allende (11 setembro de 1973), ele passou a monitorar asilados políticos brasileiros que voltaram do país andino por causa da ruptura democrática promovida na época.

Chagas é apontado por documentos e testemunhas como um dos planejadores, junto com o agente chileno Enrique Arancibia Clavel, da Dirección de Inteligencia Nacional (DINA), do atentado à bomba que matou o general chileno Carlos Prats e sua esposa Sofia Cuthbert, em Buenos Aires, no dia 30 de setembro de 1974 — Arancibia foi condenado criminalmente na Argentina em 2004. A família nega.

Clique aqui para ler a decisão.

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