Opinião

Juizados Especiais Federais desrespeitam direito ao descanso dos advogados

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26 de dezembro de 2016, 10h42

Falaremos aqui sobre a ilegalidade do parágrafo 2º do artigo 2º da Portaria 22/2016 da Coordenadoria dos Juizados Especiais Federais da 3ª Região (São Paulo e Mato Grosso do Sul)[i]. Observemos o texto:

Artigo 2º. Não haverá intimação via portal de intimações eletrônicas no período de 20/12 a 20/01.

Parágrafo 1º. As intimações expedidas pelas unidades durante o período compreendido no caput terão a contagem do prazo estabelecido no artigo 5º da Lei 11.419/06 iniciado somente no primeiro dia útil seguinte ao período de suspensão dos prazos.

Parágrafo 2º. As intimações com o prazo iniciado antes do dia 20/12 que se encerrariam durante o período compreendido no caput, ficam prorrogados para o primeiro dia útil seguinte.

De saída, vale relembrar que a Emenda Constitucional 45/2004 aboliu expressamente o instituto das férias coletivas nos juízos de primeiro grau e nos tribunais de segundo grau (artigo 93, XII, CR/88). Embora a Lei 5.010/1966 estabelecesse os dias compreendidos entre 20 de dezembro e 6 de janeiro como feriados na Justiça Federal e nos Tribunais Superiores, em âmbito local o curso dos prazos processuais nessa época de festas de fim de ano ficava pendente da regulamentação de cada Tribunal estadual.

Esse cenário prejudicou os advogados, especialmente os que trabalham individualmente ou em pequenos escritórios, que ficaram sem período de férias ou, quando muito, com o descanso limitado a um período de cerca de dezoito dias. Com base nisso, a classe dos advogados conseguiu ver introduzido no novo CPC (2015) norma que, nacionalmente, busca garantir a esses profissionais um período de trinta dias de descanso. Trata-se do art. 220, in verbis:

Artigo 220. Suspende-se o curso do prazo processual nos dias compreendidos entre 20 de dezembro e 20 de janeiro, inclusive.

Parágrafo 1º. Ressalvadas as férias individuais e os feriados instituídos por lei, os juízes, os membros do Ministério Público, da Defensoria Pública e da Advocacia Pública e os auxiliares da Justiça exercerão suas atribuições durante o período previsto no caput.

Parágrafo 2º. Durante a suspensão do prazo, não se realizarão audiências nem sessões de julgamento.

Não se trata de feriado ou de férias forenses. O Código simplesmente previu um período em que a contagem dos prazos processuais fica suspensa. Como explica André Roque[ii]:

Considerado uma das grandes conquistas da advocacia no CPC/2015 e com intuito de assegurar período de descanso para os advogados, o dispositivo em tela estabelece, sem qualquer margem para as leis de organização judiciária, em todo e qualquer juízo e tribunal, a suspensão dos prazos processuais no período de 20 de dezembro a 20 de janeiro, inclusive. Prazos que tenham se iniciado antes do dia 20 de dezembro, portanto, têm sua contagem paralisada e voltam a correr após o fim do período de suspensão. A suspensão é somente dos prazos processuais, não atingindo os prazos de direito material, reproduzindo-se aqui a mesma discussão apresentada a respeito do artigo 219.

Note-se bem: trata-se de suspensão de prazos, de maneira que a contagem fica paralisada e, a partir de 21 janeiro, torna a correr de onde parou. Imagine-se uma intimação para a prática de determinado ato em 10 (dez) dias, que tenha sido feita no dia 16/12/2016 (sexta-feira). O primeiro dia de contagem do prazo será o dia 19/12/2016 (segunda-feira). A contagem ficará suspensa de 20 de dezembro a 20 de janeiro e, no dia 23/01/2017 (segunda-feira), teremos o segundo dia do prazo para a prática desse ato (porque os dias 21 e 22/01/2017 são, respectivamente, sábado e domingo).

Daí já se nota a clara incompatibilidade da previsão da Portaria do TRF com o dispositivo do novo CPC. A prevalecer a regra da Portaria, o prazo do mesmo ato venceria no dia 23/01/2017 ao passo que, pelo CPC, o termo final será o dia 02/02/2017.

A Portaria seria legal apenas se o art. 220 do CPC não se aplicasse aos processos em trâmite nos Juizados Especiais. Essa hipótese chegou a ser cogitada. Ainda em 2015, o Fórum Permanente de Processualistas Civis editou o Enunciado n. 269, com a seguinte interpretação[iii]:

269. (art. 220) A suspensão de prazos de 20 de dezembro a 20 de janeiro é aplicável aos Juizados Especiais. (Grupo: Impactos do CPC nos Juizados e nos procedimentos especiais de legislação extravagante).

Sem embargo das pertinentes críticas à produção imoderada de enunciados interpretativos, como aquelas feitas por Lenio Luiz Streck aqui no Conjur[iv], fato é que o §2º do art. 1.046 do novo CPC prescreve que “permanecem em vigor as disposições especiais dos procedimentos regulados em outras leis, aos quais se aplicará supletivamente este Código”. As Leis n. 9.099/1995, 10.259/2001 e 12.153/2009, que tratam dos Juizados, não regulamentam de modo especial a contagem dos prazos e as hipóteses de suspensão da sua contagem. Ou seja: a forma de contagem e o período de sua  suspensão aplicam-se ordinariamente aos processos que tramitam nos Juizados Especiais.

Não vinga o argumento de que a suspensão da contagem dos prazos nesse período “atenta contra os princípios fundamentais dos processos analisados pelos juizados especiais, como a simplicidade, a economia processual e, sobretudo, a celeridade”[v], como defendeu a corregedora nacional de Justiça, ministra Nancy Andrighi, em relação à regra da contagem dos prazos em dias úteis.

Em nenhum dos casos – contagem em dias úteis e suspensão da contagem entre 20/12 e 20/01 – sustenta-se a invocação genérica dos princípios orientadores dos processos dos Juizados para afastar tais regras. No que se refere ao debate aqui proposto – aplicabilidade da suspensão dos prazos aos processos dos Juizados – não há incremento de complexidade que atente contra a “simplicidade”. Não há produção de atos adicionais e desnecessários que atentem contra a “economia processual”. E não há prejuízo à “celeridade”, até porque “os juízes, os membros do Ministério Público, da Defensoria Pública e da Advocacia Pública e os auxiliares da Justiça exercerão suas atribuições durante o período previsto no caput” do art. 220 do CPC.

Ademais, não suspender a contagem dos prazos nos Juizados seria equivalente a esvaziar a norma do CPC, já que a finalidade de conferir férias de trinta dias aos advogados privados restaria prejudicada pela necessidade desses profissionais elaborarem suas manifestações processuais no referido intervalo, quando atuassem nos Juizados. Geraria, outrossim, odiosa discriminação dos advogados que patrocinam causas nos Juizados em relação àqueles que atuam nas Varas comuns.

Mas, por esforço argumentativo, imaginemos que a suspensão da contagem dos prazos entre 20/12 e 20/01 fosse incompatível com os princípios orientadores dos processos dos Juizados. A solução, então, seria não suspender os prazos, ou seja, não aplicar o art. 220 do CPC. Só que a Portaria do TRF da 3ª Região não fez isso. Criou uma norma nova, um tertium genus que reconhece o período de suspensão de prazos entre 20/12 e 20/01 mas, ao mesmo tempo, estabelece uma nova forma de contagem. Não se paralisa a contagem e, caso o termo final recaia nesse período, prorroga-se para o primeiro dia útil subsequente.

Não há fundamento normativo que sustente essa solução. Os considerandos do texto se referem ao art. 220 do CPC e à Resolução CNJ 241/2016 (republicada como Resolução CNJ n. 244/2016), mas nem o CPC nem a invocada Resolução permitem que se chegue a essa regra. Em síntese, o parágrafo 2º do artigo 2º da Portaria 22/2016 da Coordenadoria dos Juizados Especiais Federais da 3ª Região é ilegal. A pretexto de interpretar, aquele órgão judiciário fez papel de legislador positivo. Por isso, todos os advogados que se sintam prejudicados com essa indevida supressão de seu direito ao descanso devem, legitimamente, buscar de todas as formas juridicamente possíveis o afastamento de tal regra.

* Em nota, a Coordenadoria dos Juizados Especiais Federais da 3ª Região afirma que a norma criticada pelo autor refere-se ao período de dez dias para consultas no Portal de Intimações (de acesso restrito), e não sobre o prazo processual relativo ao ato objeto da intimação.

 


[i]       Disponível em http://www.trf3.jus.br/trf3r/index.php?id=823. Acesso em 19-12-2016.

[ii]      ROQUE, André. Comentário ao art. 220. In GAJARDONI, Fernando da Fonseca [et. al.]. Teoria geral do processo: comentários ao CPC de 2015: parte geral. São Paulo: Forense, 2015.

[iii]     Disponível em: http://portalprocessual.com/tag/fppc/. Acesso em 19-12-2016.

[iv]    STRECK, Lenio Luiz. A febre dos enunciados e a constitucionalidade do ofurô! Onde está o furo? Disponível em http://www.conjur.com.br/2015-set-10/senso-incomum-febre-enunciados-ncpc-inconstitucionalidade-ofuro. Acesso em 19-12-2016.

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