Perdão alterado

Indulto natalino separa crimes por gravidade e acaba com a comutação

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23 de dezembro de 2016, 15h36

O governo publicou nesta sexta-feira (23/12) o Decreto 8.940/2016, com as regras de concessão do indulto natalino, tradicional nesta época. A principal mudança neste ano é a diferenciação entre crimes com grave ameaça ou violência e aqueles promovidos sem essas práticas.

Em anos anteriores, as regras tomavam com base as faixas de penas aplicadas — o Poder Executivo tem a prerrogativa de estipular as condições anualmente. Em 2016, serão beneficiados presos condenados a até 12 anos de reclusão por crimes sem grave ameça ou violência, desde que já tenham cumprido 1/4 da pena (primários) ou 1/3 (se reincidente).

No caso dos condenados por crimes com grave ameaça ou violência, o decreto prevê duas faixas de pena para concessão do indulto: até 4 anos, desde que cumprido 1/3 (primários) ou metade (se reincidentes); de 4 a 8 anos de reclusão, desde que tenha sido cumprida a metade da pena (primários) ou 2/3 (reincidentes).

Este ano não será permitida a concessão de indulto em hipóteses gravíssimas, como em várias condenações por múltiplos homicídios simples ou roubos com uso de arma de fogo. Crimes hediondos já não davam direito a indulto, conforme a Lei 8.072/1990.

“Perdão parcial”
O texto também exclui a comutação: redução da pena quando o preso não consegue alcançar todos os requisitos para o indulto. Esse benefício acaba garantindo ao detento uma futura progressão de regime e, sem sua previsão, especialistas preveem impactos diretos no aumento da população carcerária. 

Ficaram de fora ainda pessoas que cumprem penas restritivas de direitos, assim como o perdão para multas: quem deve pena pecuniária pode receber indulto, mas deverá quitar o valor em execução fiscal, com inscrição em dívida ativa. 

No ano anterior, relatos de falta grave ocorridos após a publicação do decreto não suspendiam nem impediam o indulto ou a comutação de penas. Agora, esse item também foi excluído.

Ainda há o fim da abrangência do indulto para detração e remissão de penas. As regras também alteraram o indulto concedido a presos com filhos. Uma delas é o fim da diferenciação de cumprimento de penas entre pais e mães.

Outra mudança é a idade dos filhos usada como condição para o indulto. Se em 2015 eram liberadas as pessoas com filhos até 18 anos, agora a idade caiu para 12. A exceção à regra continua condicionada à doença crônica grave ou deficiência que necessite de cuidados diretos.

No ano passado, tiveram indulto os pais presos que cumpriram um terço da pena, quando primários, e metade da pena se reincidentes. Já a regra das mães era de 1/4 da pena, quando primárias ou 1/3 se reincidentes.

Participação da OAB
Por fim, enquanto o decreto de 2015 previa expressamente o direito de que a Ordem dos Advogados do Brasil e ouvidorias do Sistema Penitenciário enviassem ao juízo competente a lista de presos que se enquadravam nas regras, o texto atual deixa de citar essa possibilidade.

Segundo o presidente da seccional gaúcha da OAB, Ricardo Breier, a ausência da citação direta à entidade não muda nada na prática. "Continuaremos trabalhando pelo aprimoramento do indulto."

Repercussão
Para o defensor público Carlos Roberto Isa, coordenador do Núcleo de Situação Carcerária da Defensoria Pública de São Paulo, as novas regras vão acentuar o encarceramento em massa, pois restringem de forma significativa o número de beneficiados.

O principal problema, para ele, é o fato de a comutação ter sido ignorada. Ele diz que a instituição ainda vai analisar quais medidas tomará diante da mudança; uma das alternativas seria continuar solicitando o benefício com base no decreto de 2015, assinado pela então presidente Dilma Rousseff (PT). Para ele, o texto pune filhos adolescentes dos presos ao reduzir para 12 anos o requisito para o indulto, num período em que o convívio familiar é relevante.

O defensor federal Danilo de Almeida Martins, secretário de Atuação no Sistema Penitenciário Nacional e Conselhos Penitenciários da Defensoria Pública da União, elogia a previsão de regime diferenciado a presas grávidas, mas no geral pontos do novo texto. “Quisera eu ouvir o ministro da Justiça anunciar – como o fez – com orgulho o aumento da rigidez dos critérios para obtenção do indulto e, concomitantemente, defender com veemência a busca por um sistema penitenciário que realmente busque a ressocialização de nossos presos”, afirma.

“Nossas prisões não cuidam de preparar o retorno de nossos apenados para o convívio em sociedade e, agora, institutos de política criminal sabidamente válidos como o do indulto recebem esse tratamento por parte de nossos governantes. É uma pena.”

Segundo a criminalista Maíra Fernandes, que foi presidente do conselho penitenciário do Rio de Janeiro, o decreto divulgado é um retrocesso gigantesco, principalmente pelo fim da comutação. “Essa possibilidade de redução da pena era uma esperança para o preso.”

A advogada diz que ficou assustada com o teor do decreto, pois as mudanças restringem demais a possibilidade do preso conseguir o benefício. Diz ainda que as imposições do texto mostram desconhecimento do sistema carcerário brasileiro. “Me preocupa como o sistema penitenciário vai receber essa reforma.”

Maíra reforça que o impacto da mudança será muito forte, principalmente pelas restrições impostas aos presos por crimes com grave ameaça ou violência, que, no Brasil, são normalmente detidos por roubo — tráfico, exceto o privilegiado, não entra no indulto por ser crime hediondo. “Na prática é dar indulto a quase ninguém.”

“Vai explodir o sistema”, alerta a advogada, destacando que não é porque as regras do indulto foram apresentadas nesta sexta-feira que seus beneficiados conseguirão usufruir da concessão na próxima segunda, por exemplo. Ela conta que viu, em 2015, ser concedido um pedido de indulto feito em 2012.

Clique aqui para ler o Decreto 8.940/2016.

Confira as principais regras previstas para concessão do indulto este ano:

Situação do preso Reincidente Primário
Crime grave com pena não superior a 4 anos cumprimento de 1/3 da pena cumprimento de 1/4 da pena
Crime grave com pena acima de quatro anos e inferior a oito cumprimento de 2/3 da pena cumprimento de metade da pena
Crime grave com pena não superior a 4 anos (Idosos, gestantes e presos com filhos) cumprimento de 1/3 da pena cumprimento de 1/4 da pena
Crime grave com pena acima de 4 anos e inferior a oito (Idosos, gestantes e presos com filhos) cumprimento de metade da pena cumprimento de 1/3 da pena
Presos com filhos crianças com até 12 anos de idade crianças com até 12 anos de idade
Crime sem grave ameaça cumprimento de 1/3 da pena cumprimento de 1/4 da pena
Crime sem grave ameaça (Idosos, gestantes e presos com filhos) cumprimento de 1/4 da pena cumprimento de 1/6 da pena

* Texto atualizado às 18h45 do dia 23/12/2016 para acréscimo de informações.

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