Opinião

CPC libera penhora quando execução é extinta em Embargos à Execução

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23 de dezembro de 2016, 8h11

O projeto de lei que viria a se tornar o novo Código de Processo Civil foi inicialmente aprovado no Senado em versão que tornava regra a ausência de efeito suspensivo ao recurso de apelação. Contudo, a redação final manteve a ordem que já vigia, garantindo duplo efeito (suspensivo e devolutivo) ao recurso, apenas excetuando algumas situações pontuais.

Uma análise perfunctória poderia levar à equivocada noção de permanência integral do regime do código revogado, o que, como tentaremos demonstrar, não é o caso. Ao contrário, como exige a boa hermenêutica, essa regra deve ser interpretada em conjunto com todo o conteúdo do novo diploma e sua base principiológica, o que importa em pontuais, mas importantes, alterações no sistema recursal e seus efeitos.

Isso porque, como o novo regramento processual dota de eficácia plena as decisões judiciais (artigo 995 do novo CPC), a extensão do efeito suspensivo do recurso de apelação, previsto como regra no artigo 1.012, deve ser interpretado sistemática e restritivamente e, nesse rumo, as questões processuais efetivas sofrem pequenos ajustes, mas, como dito, impactantes para o processo civil.

Analisaremos aqui apenas um desses efeitos que, em nossa visão, sofreu pequena e pontual alteração, mas cujo impacto é deveras significativo no sistema processual civil nacional.

É o que ocorre com a sentença que, acolhendo pedido formulado em Embargos à Execução, decreta a extinção integral da execução. Buscaremos demonstrar que a liberação da penhora, eventualmente apresentada pelo executado, visando dotar sua oposição de efeito suspensivo – já que não é obrigatória para exercício da resistência do devedor, é consequência direta desse provimento jurisdicional e nem mesmo o efeito suspensivo do recurso cabível é capaz de impedir que ocorra.

Impor o contrário seria onerar o executado em demasia, ao arrepio da base principiológica e normativa que rege o processo executivo, tudo sob o enfoque do Código de Processo Civil vigente. Delimitada a questão proposta, resgataremos a natureza jurídica dos institutos envolvidos para demonstrar que, no novo regime processual, não é possível manter a penhora após o decreto de extinção integral da execução por acolhimento de pedido em Embargos à Execução.

Pois bem. Sabe-se que a natureza jurídica da penhora, conforme entendimento dominante na melhor doutrina é de ato executivo, como ensina o escólio de Humberto Theodoro Júnior:

Daí por que o entendimento dominante na melhor e mais atualizada doutrina é o de que a penhora é simplesmente um ato executivo (ato do processo de execução), cuja finalidade é a individuação e preservação dos bens a serem submetidos ao processo de execução, como ensina Carnelutti.[1]

Adianta-se, como se concluirá, que, como ato puramente executivo, não tem, por sua própria natureza, como sobreviver à extinção da própria execução, sendo um contrassenso mantê-la a garantir um processo reconhecidamente inexequível (mesmo que a decisão não tenha transitado em julgado), ao menos sob a normatização processual vigente.

Isso porque, como dito, o atual Código de Processo Civil, prestigiando o princípio da efetividade da prestação jurisdicional, antecipou o momento processual de eficácia das decisões, fazendo-o desde a decisão proferida pelo juízo de primeira instância, em contrapartida à previsão da norma correlata do diploma anterior (artigo 497 do CPC/73[2]) que dava à decisão de segunda instância essa autonomia. É o que se extrai do artigo 995 do novo CPC:

Art. 995.  Os recursos não impedem a eficácia da decisão, salvo disposição legal ou decisão judicial em sentido diverso.

Relembre-se que a natureza jurídica da sentença é, segundo valiosa lição de Humberto Theodoro Junior, ato judicial (decisão) que concede a prestação jurisdicional:

Sentença definitiva, ou sentença em sentido estrito, é a que exaure a instância ou o primeiro grau de jurisdição através da definição do juízo, isto é, a que dá a solução ao litigio posto sub iudice, fazendo-o mediante acolhimento ou rejeição (total ou parcial) do pedido formulado pelo autor (art. 459).[3]

Voltando à hipótese em análise – sentença de extinção integral da execução em acolhimento de pedido formulado em Embargos à Execução, pode-se extrair que a premissa revela, necessariamente, que o provimento jurisdicional fora prestado na ação autônoma de resistência à execução e, como efeito correlato, decretou a extinção do feito executivo.

Essa delimitação é imprescindível para demonstrar que nem mesmo o efeito suspensivo do recurso de apelação cabível a combater tal sentença impede a liberação da penhora efetivada na Execução. Embora o efeito suspensivo seja regra para o recurso de apelação que vier, eventualmente, a ser apresentado contra a sentença, sua incidência limita-se apenas e tão somente ao processo dos Embargos, em nada atingindo a execução, que permanecerá extinta e sem andamento.

É dizer, o efeito suspensivo da apelação aviada contra sentença proferida em sede de Embargos à Execução, cujo teor decreta a extinção integral da Execução, em nada aproveita o processo de execução em si, sendo, a bem da verdade, sua eficácia, restrita aos próprios Embargos.

De forma didática, poder-se-ia separar os efeitos desta sentença em dois polos: o primeiro atinge a própria ação de Embargos à Execução (enquanto ação autônoma que constitui[4]) e o segundo atinge a ação de execução a que resisti.

O efeito suspensivo do recurso cabível opera apenas nos efeitos que irradiam a própria ação de Embargos à Execução, como nos ensina a brilhante elucidação de Fredie Didier sobre o tema:

A apelação contra a sentença que acolher a impugnação tem efeito suspensivo, o que não significa, porém, que a execução haverá de prosseguir. Acolhida a impugnação, a execução extinguiu-se. O efeito suspensivo da apelação impede, apenas, que o executado inicie a execução da verba de sucumbência, não tendo o condão de afastar a própria extinção da execução, que não deverá, por isso mesmo, prosseguir enquanto pendente a apelação interposta pelo exequente.[5]

Nesse sentido, parece-nos que o novo regime processual civil – em que, repita-se, a decisão tem eficácia imediata – adequa-se melhor à natureza jurídica da penhora, porquanto uma vez prestada a tutela jurisdicional nos autos dos Embargos à Execução com acolhimento de seu pedido e extinção da execução, o efeito suspensivo de eventual recurso que lhe impugne não aproveita o feito executivo e, portanto, não subsidia a permanência de efeito de nenhum ato executivo.

Sob essa ótica, se o provimento jurisdicional dos Embargos à Execução não implicar na extinção integral da execução, a manutenção da penhora, por sua vez, mantém correspondência com sua natureza jurídica e sua manutenção é inquestionável, exercendo, assim, a função que se lhe espera.

Em ambos os casos, a efetividade da prestação jurisdicional é prestigiada em consonância com a natureza jurídica dos institutos envolvidos, exatamente como pretendeu o novo Código de Processo Civil.

Neste ponto, é necessário destacar que, se a extinção da execução decorrer de inexequibilidade de título que contenha cláusula compromissória, reconhecendo a necessidade de prévia formação do título no juízo arbitral, nem mesmo há efeito suspensivo ao recurso, como se extrai da exceção prevista no artigo 1.012, parágrafo primeiro, incido IV, do novo CPC:

 Art. 1.012.  A apelação terá efeito suspensivo.
§ 1o Além de outras hipóteses previstas em lei, começa a produzir efeitos imediatamente após a sua publicação a sentença que:
IV – julga procedente o pedido de instituição de arbitragem;

Nessa hipótese, não há nenhum impedimento que possa ser arguido ao levantamento da penhora.

Não se desconhece a impossibilidade de execução de título em juízo arbitral, por ausência de poder coercitivo da arbitragem, sendo o processo de execução, por efeito, uma exceção ao compromisso arbitral[6]. Mas podem ocorrer casos em que o título não contenha os requisitos necessários à execução forçada, exigidos pelo artigo 783 do novo CPC.[7]

É o caso de Embargos à Execução que combatam a certeza, liquidez ou exigibilidade do título com cláusula compromissória, cujo acolhimento implicará na necessidade de submete-lo à arbitragem, para receber o atributo faltante e, só então, ser executado em procedimento judicial próprio.

Isso pode ocorrer, por exemplo, num título sujeito a prévia liquidação, com acertamento de contas, para posterior execução. Havendo cláusula compromissória, deve ser levado à liquidação no juízo arbitral antes de ser executado. Não o fazendo, sujeita-se à extinção da execução com reconhecimento da convenção de arbitragem. Igual tratamento teria o título declarado inexigível por inadimplemento de termo ou condição.

Certo é que, a liberação imediata da penhora com a extinção da execução, quando constatada a necessidade de prévia sujeição à arbitragem, dispensa discussão, já que não haverá efeito suspensivo em eventual recurso oposto; em qualquer hipótese, o novo regime processual orienta a sua liberação, como alhures demonstrado, pela conjugação da eficácia plena das decisões judiciais com a delimitação dos efeitos recursais específicos da espécie, prestigiando, nesse rumo, o princípio da menor onerosidade da execução.

Referido princípio, informativo do processo de execução e positivado no artigo 805[8] do codex processual vigente, assim orienta: “Toda execução deve ser econômica, isto é, deve realizar-se de forma que, satisfazendo o direto do credor, seja o menos prejudicial possível ao devedor.”[9]

Por fim, importa esclarecer que isso significa desonerar o executado do próprio processo, já que permanece com os deveres processuais que se exige de todas as partes, notadamente a boa-fé que, traduzida na responsabilização patrimonial própria da espécie e suas consequências, como a fraude à execução ou a fraude contra credores.

Logo, podemos concluir que o novo Código de Processo Civil orienta à liberação da penhora em caso de extinção integral da execução, quando operada por sentença proferida em Embargos à Execução.


[1]Theodoro Júnio, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Processo de Execução e cumprimento da sentença, Processo Cautelar e Tutela de Urgência. Rio de Janeiro: Forense, 2010. 45ª ed. 2v. 268 p.

[2]Art. 497. O recurso extraordinário não suspende a execução da sentença; a interposição do agravo de instrumento não obsta ao andamento do processo, ressalvado o disposto no art. 558. (BRASIL. Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973)

[3]Theodoro Júnior, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria Geral do Direito Processual Civil e Processo de Conhecimento. Rio de Janeiro: Forense, 2010. 51ª ed. 1v. 506 p.

[4]“Sua Natureza jurídica é a de uma ação de cognição incidental, de caráter constitutivo, conexa à execução por estabelecer, como ensina Chiovenda, uma ‘relação de causalidade entre a solução do incidente e o êxito da execução.’

Não são os embargos uma simples resistência passiva como é a contestação no processo de conhecimento. Só aparentemente podem ser tidos como reposta do devedor ao pedido do credor. Na verdade, o embargante toma uma posição ativa ou de ataque, exercitando contra o credor o direito de ação à procura de uma sentença que possa extinguir o processo ou desconstituir a eficácia do título executivo.

Por visar à desconstituição da relação jurídica líquida e certa retratada no título é que se diz que os embargos são uma ação constitutiva, uma nova relação processual, em que o devedor é o autor e o credor, o réu.” (Theodoro Júnio, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Processo de Execução e cumprimento da sentença, Processo Cautelar e Tutela de Urgência. Rio de Janeiro: Forense, 2010. 45ed. 2v. 398p.)

[5]Didier Jr, Fredie. et al. Curso de Direito Processual Civil – Execução. Bahia: Podivm, 2009. 387 p. 5v.

[6] Nesse sentido, o STJ já se posicionou no julgamento do REsp 1.373.710/MG e REsp 944.917/SP, onde firmou importantes precedentes estabelecendo que, mesmo em se tratando de título com cláusula compromissória, à ausência de poderes coercitivos do juízo arbitral, deve a execução se processar judicialmente. Contudo, por óbvio, exige-se que o título contenha obrigação certa, líquida e exigível, pois a ausência de qualquer dos atributos necessários à execução afastam a jurisdição estatal e exigem a prévia formação do título no juízo arbitral.

[7] Art. 783.  A execução para cobrança de crédito fundar-se-á sempre em título de obrigação certa, líquida e exigível. (BRASIL. Lei 13.105, de 16 de março de 2015)

[8]Art. 805.  Quando por vários meios o exequente puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o executado. (BRASIL. Lei 13.105, de 16 de março de 2015)

[9]Cláudio Viana de Lima. Processo de Execução, ed. 1973, nº 5, 25 p. in Theodoro Júnio, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Processo de Execução e cumprimento da sentença, Processo Cautelar e Tutela de Urgência. Rio de Janeiro: Forense, 2010. 45ed. 2v. 124p.

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