Paradoxo da Corte

Antecipação da tutela, obrigação de fazer e honorários advocatícios

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20 de dezembro de 2016, 7h00

As peculiaridades de cada processo judicial bem demonstram que, por mais cuidado que tenha o legislador, não é mesmo possível regrar todas as questões que emergem da dinâmica da praxe forense.

Tanto o velho quanto o novo diploma processual, em matéria de sucumbência, norteiam-se pelo princípio da causalidade: aquele que deu causa ao processo e foi derrotado deve responder pelas despesas processuais e pelos honorários advocatícios do patrono do litigante vitorioso.

O artigo 85 do atual Código de Processo Civil, que rege a condenação da verba honorária de forma bem mais aperfeiçoada do que o revogado artigo 20, estabelece no parágrafo segundo que: “Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação…”.

Assim, quando a sentença impuser determinada condenação em valor pecuniário, não emerge qualquer dúvida, uma vez que, atualizado o montante do quantum debeatur, basta aplicar sobre essa quantia o percentual fixado a título de honorários advocatícios.

Não obstante, nem sempre a obrigação pecuniária imposta pela sentença perfaz uma quantia certa. A despeito de o artigo 491 do Código de Processo Civil estabelecer, como regra, que a sentença deve ser líquida, em algumas situações, delineia-se impossível determinar-se o valor da condenação, ou, ainda, a extensão da obrigação, como, por exemplo, na hipótese de o ato decisório determinar o cumprimento de uma obrigação de fazer.

Nesses casos, constituindo exceção, torna-se necessário efetivar-se a apuração da importância devida ou a especificação do objeto da condenação por meio de liquidação.

Na minha experiência profissional, tive de enfrentar, a propósito dessa questão, interessante situação que resultou na prolação de um excelente acórdão unânime pela 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo. O caso, na verdade, não oferecia qualquer complexidade, não fossem os sucessivos equívocos (in judicando e in procedendo) então cometidos.

Pois bem, necessitando de urgente tratamento médico e hospitalar, diante da injustificada recusa do plano de saúde em pagar as respectivas despesas, uma senhora teve de contratar advogado e ajuizar demanda, na qual foram deduzidos: a) pedido de antecipação de tutela, consistente na obrigação de fazer, qual seja a de continuar o custeio de todos os procedimentos necessários à recuperação física da autora; e b) pedido condenatório relativo aos gastos já efetivados e, ainda, à indenização por dano moral.

Atendido o pleito de antecipação de tutela, seguiu-se a instrução da causa, sobrevindo sentença de integral procedência do pedido condenatório, com a fixação de 10% de honorários advocatícios sobre o valor da condenação. Com o posterior trânsito em julgado da decisão, as circunstâncias do processo exigiram o deferimento de liquidação por arbitramento para estimar o valor total da condenação. O laudo pericial então apresentado apurou um montante de R$ 2 milhões decorrentes do desembolso que a requerida teve de fazer para custear o aludido tratamento (em atendimento à tutela antecipada); somando-se, ainda, perto de R$ 400 mil, a título de danos material e moral.

Homologado o laudo, iniciou-se o cumprimento de sentença. Oferecida impugnação pela executada, foi proferido ato decisório que acolheu parcialmente a defesa então apresentada, para excluir do montante da condenação o percentual atinente à verba honorária sobre a condenação decorrente da antecipação de tutela. O fundamento invocado na decisão foi o de que não incide condenação em honorários sobre obrigação de fazer, quando o pagamento é feito diretamente ao prestador dos serviços, textual: “Razoável o entendimento de que a verba honorária de 10% deve incidir sobre o montante diretamente relacionado com a obrigação de pagamento de quantia certa e que é objeto da fase de liquidação. Não tem sentido fazer incidir tal percentual sobre parte da obrigação de fazer devidamente cumprida pela ré, inclusive na fase de tutela antecipada…”.

Firme no entendimento de que tal pronunciamento continha ilegalidade (error in judicando), sobreveio a interposição de agravo de instrumento, que não foi conhecido por imaginado defeito de forma (error in procedendo).

Manejado recurso especial para o Superior Tribunal de Justiça, foi ele, a final (e depois de considerável tempo), provido por unanimidade, determinando-se ao Tribunal de Justiça bandeirante que processasse o indigitado agravo de instrumento.

Com o retorno dos autos — alterada a composição da já mencionada 9ª Câmara de Direito Privado —, o recurso foi distribuído ao ilustre desembargador Galdino Toledo Júnior (Agravo de Instrumento 0132374-34.2010.8.26.0000).

Analisando com absoluto acerto a questão então pendente, o elogiável voto condutor asseverou que “… a verba honorária deve incidir sobre a totalidade da condenação imposta à seguradora, a qual, nos expressos termos do título exequendo, corresponde à totalidade dos gastos tidos com o tratamento despendido à paciente (internação hospitalar, honorários médicos e despesas médico hospitalares, inclusive enfermagem particular). Assim, tanto as despesas pagas diretamente pela ré ao hospital, como aquelas relativas aos demais serviços objeto de reembolso (fisioterapia, enfermagem, exames etc), apuradas na fase de liquidação, somam o proveito econômico obtido e são objeto da condenação”.

Ademais — e este o fundamento fulcral do julgado —, “vale anotar que tais serviços apenas foram cobertos pela seguradora em cumprimento às ordens judiciais proferidas nos autos, seja em sede liminar, ou em atendimento à sentença de mérito, estando, portanto, englobadas na obrigação de fazer objeto do pedido. Dessa forma, sendo os honorários advocatícios arbitrados sobre o valor da condenação e em atenção aos princípios da sucumbência e da causalidade, de rigor incidem eles sobre todas as despesas impostas pela decisão exequenda… Por estas razões, de rigor o acolhimento do reclamo”.

É dizer, como a lei (artigo 85, parágrafo segundo) não faz qualquer distinção, a incidência da verba honorária recai sobre a condenação global, isto é, abrange tudo que for quantificável.

Considerando-se corretas as premissas constantes do importante precedente do Tribunal de Justiça de São Paulo, entendo oportunas, em conclusão, duas observações, a saber: a) a tutela jurisdicional, quando precipitada no tempo, nada mais é do que parte destacada do mérito que vem antecipadamente decidida; e, ainda, b) sendo possível quantificar a obrigação de fazer (imposta por decisão antecipatória ou por sentença), o valor apurado integra o montante da condenação para todos os fins materiais e processuais.

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