Sergio Moro aceita denúncia contra Lula e seu advogado Roberto Teixeira
19 de dezembro de 2016, 12h20
O juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba aceitou nesta segunda-feira (19/12) denúncia contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (que virou réu pela quinta vez) e seu advogado Roberto Teixeira.
Embora a relação entre clientes e advogados seja protegida pela lei brasileira, Moro buscou na jurisprudência norte-americana precedentes para afastar essa imunidade. “A proteção jurídica restringe-se à relação entre advogado e cliente que seja pertinente à assistência jurídica lícita, não abrangendo a prática de atividades criminosas”, disse.
Segundo a denúncia, eles participaram de um esquema de corrupção e lavagem de dinheiro envolvendo dois imóveis que teriam sido concedidos ao petista pela Odebrecht em troca da obtenção de contratos da Petrobras.
De acordo com o Ministério Público Federal, a empreiteira ofereceu ao ex-presidente, em 2010, um terreno na Vila Clementino, Zona Sul de São Paulo, que custava R$ 12,4 milhões. O local serviria para a construção do Instituto Lula, hoje instalado no bairro do Ipiranga, na Capital. Para a acusação, o líder do PT aceitou o “presente”, embora a transferência não tenha sido efetivada por problemas no imóvel.
Além disso, os procuradores da República dizem que a Odebrecht comprou, por R$ 504 mil, o apartamento vizinho ao de Lula em São Bernardo do Campo (SP). A aquisição foi feita por intermédio de Glauco da Costamarques, alega o MPF, que logo firmou contrato de locação do imóvel com a mulher do petista, Marisa Letícia. No entanto, os investigadores apontam que não encontraram provas do pagamento desses aluguéis de 2011 a 2015. Só foram identificados depósitos feitos em 2016 — "possivelmente" devido ao avanço das investigações contra Lula, destacou Sergio Moro. Por avaliar que esse apartamento foi comprado com recursos ilícitos, o juiz federal determinou o seu sequestro.
O juiz da operação “lava jato” em Curitiba identificou elementos que justificam a abertura de nova ação penal contra o ex-presidente. Ele também ressaltou que o fato de o imóvel em São Paulo não ter sido efetivamente transferido para o Instituto Lula não prejudica a imputação de corrupção, já que este crime se consuma com a oferta, a solicitação ou a aceitação da propina, ainda que não ocorra o pagamento ou recebimento efetivo dos valores, como previsto nos artigos 317 e 333 do Código Penal.
Sem imunidade
Quanto a Roberto Teixeira, Sergio Moro citou que Glauco da Costamarques declarou que o aluguel do apartamento vizinho ao de Lula foi simulado para pagar débitos com o advogado — o que configuraria lavagem de dinheiro. Essa seria a segunda aquisição de imóvel em nome de pessoa interposta que Teixeira coordenaria para o ex-presidente, avaliou Moro — a primeira seria a de um sítio em Atibaia (SP).
Na visão do juiz da “lava jato”, há “fundada suspeita no presente caso em relação às condutas de Roberto Teixeira”. E isso, a seu ver, afasta a proteção jurídica da relação entre cliente e advogado, que só é garantida se este não participar de crimes. Moro citou precedente da Justiça Federal dos EUA (Haines v. Ligget Group, Inc., 1992).
Diz a decisão do tribunal norte-americana. “Nós devemos sempre ter em mente que o propósito da exceção crime-fraude é a de assegurar que o ‘selo’ do segredo entre advogado e cliente não se estende à comunicação do advogado para o cliente e feita pelo advogado com o propósito de dar conselho para o cometimento de uma fraude ou de um crime. O selo é quebrado quando a comunicação do advogado é dirigida a facilitar malfeitorias pelo cliente”.
Novamente usando como base o Direito Norte-Americano (no caso, o livro Federal White Collar Crime: Cases and Materials, de Julie R. Sullivan), o juiz federal afirmou que essa garantia somente é aplicável quando: "(1) o titular do direito é ou deve tornar-se um cliente; (2) a pessoa para quem a comunicação foi feita (a) é inscrito na Ordem ou é seu subordinado e (b) em conexão com a comunicação está agindo como advogado; (3) a comunicação está relacionada a um fato do qual o advogado foi informado (a) por seu cliente (b) sem a presença de estranhos (c) para o propósito de obter primeiramente (i) um opinião legal ou (ii) serviços jurídicos ou (iii) assistência em processos legais, e não (d) para o propósito e cometer um crime ou um ilícito; e (4) o direito foi (a) invocado e (b) não renunciado pelo cliente."
Ele ainda citou um precedente do Supremo Tribunal Federal (Inquérito 2.424), no qual o ministro Cezar Peluso entendeu que a inviolabilidade de escritório de advocacia não vale quando o profissional for suspeito de delito, “sobretudo concebido e consumado no âmbito desse local de trabalho, sob pretexto de exercício da profissão”.
Roleta judicial
Em nota, Cristiano Zanin Martins, sócio de Roberto Teixeira no Teixeira, Martins e Advogados, afirmou que Lula e Marisa "jamais foram beneficiados" pelos dois imóveis e "e muito menos receberam qualquer vantagem indevida proveniente de contratos firmados pela Petrobras". Já Teixeira "agiu sempre dentro do estrito dever profissional e com a observância de todos os deveres éticos inerentes à profissão", disse.
De acordo com Zanin Martins, a inclusão do advogado como réu nessa ação é mais uma tentativa de "fragilizar a defesa". E isso reforça o argumento da defesa de que há uma perseguição da "lava jato" contra o ex-presidente. Mesmo assim, ele deixou claro que Teixeira não deixará a defesa de Lula.
Na visão do advogado de Lula, Palocci e Kontic, José Roberto Batochio, o recebimento da denúncia faz parte da estratégia da força-tarefa da "lava jato" de atingir o ex-presidente e seus aliados a qualquer custo. "Eles buscam instaurar várias ações penais, de forma a estabelecer uma roleta judicial. Quando girarem a roda, alguma das apostas haverá de vingar".
O criminalista também disse ser "execrável" o fato de Roberto Teixeira ter virado réu. Segundo Batochio, o primeiro ato de uma ditadura é tolher a voz da liberdade – tanto da imprensa quanto da advocacia. Como exemplo disso, ele citou o primeiro ato de Adolf Hitler quando subiu ao poder na Alemanha, em 1933: o de proibir que judeus trabalhassem como advogados.
Batochio – que foi presidente do Conselho Federal e da Seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil – ainda criticou a passividade da entidade com relação às acusações contra Teixeira. "Tenho dificuldade de reconhecer na atual OAB a Ordem que eu presidi".
Grampo de advogado
Em março, Sergio Moro quebrou o sigilo telefônico do celular de Roberto Teixeira e do telefone central da sede do escritório dele, o Teixeira, Martins e Advogados, que fica em São Paulo. Com isso, conversas de todos os 25 advogados da banca com pelo menos 300 clientes foram grampeadas, além de telefonemas de empregados e estagiários da banca.
A interceptação do número foi conseguida com uma dissimulação do MPF. No pedido de quebra de sigilo de telefones ligados a Lula, os procuradores da República incluíram o número do Teixeira, Martins e Advogados como se fosse da Lils Palestras, Eventos e Publicações, empresa de palestras do ex-presidente.
A inviolabilidade da comunicação entre advogado e cliente está prevista no artigo 7º do Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/1994). Segundo a norma, é um direito do advogado “a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia”.
De nada adiantaram os dois ofícios enviados pela Telefônica em fevereiro e março ao juiz Sergio Moro informando que ele havia autorizado a interceptação do telefone central do escritório Teixeira, Martins e Advogados. O responsável pelos processos da operação “lava jato” em Curitiba enviou um novo documento ao Supremo Tribunal Federal dizendo que a informação só foi notada por ele depois que reportagens da ConJur apontaram o problema.
Outros réus
Também viraram réus nessa ação penal o ex-presidente da empreiteira de sua família Marcelo Odebrecht (corrupção ativa e lavagem de dinheiro), o ex-ministro da Fazenda e da Casa Civil Antônio Palocci e seu antigo assessor Branislav Kontic (corrupção passiva e lavagem de dinheiro), e Marisa Letícia, Glaucos da Costamarques, o lobista Paulo Melo e o empresário Demerval Gusmão (lavagem de dinheiro).
Palocci e seu assessor são acusados de comandar a distribuição de mais de R$ 75 milhões de propina a partidos que compunham a base aliada do governo Lula – incluindo o PT. Esse valor é equivalente a percentuais de 2% a 3% de oito contratos celebrados pela Odebrecht com a Petrobras.
Quatro vezes réu
O ex-presidente é réu em outros quatro processos, três tramitando em Brasília: o primeiro caso envolve suposta obstrução à Justiça por meio da compra do silêncio do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, enquanto o segundo acusa o ex-presidente de ter intermediado a liberação de financiamentos para projetos da Odebrecht no exterior, e o terceiro trata da compra de caças suecos e da Medida Provisória 627, que prorrogou incentivos fiscais para montadoras de veículos.
Já o processo nas mãos de Moro diz que, “em datas ainda não estabelecidas, mas certo que compreendidas entre 11/10/2006 e 23/01/2012”, o petista negociou propina com executivos da OAS, “especialmente para alcançar governabilidade e financiar com recursos públicos desviados a permanência no poder”.
Clique aqui para ler a íntegra da decisão.
Processo 506313017.2016.4.04.7000
*Texto alterado às 14h02 e às 19h12 do dia 19/12/2016 para acréscimo de informações.
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