Cidade paulista consegue liminar para assegurar parte da "repatriação"
16 de dezembro de 2016, 16h31
Apesar de a multa que incide sobre capitais enviados ao exterior sem o conhecimento do Fisco e regularizados neste ano após anistia concedida pela União ainda não ter sua natureza definida, os valores devem ser depositados em juízo até o fim do julgamento da matéria pelo Supremo Tribunal Federal. Com esse entendimento, o juiz Claudio de Paula dos Santos, da 3ª Vara Federal de Presidente Prudente, concedeu parcialmente liminar pedida pelo município de Rosana, no interior de São Paulo.
A cidade paulista, representada pelo advogado Luis Gustavo Dias Flauzino, ajuizou ação contra a União cobrando parte da multa recebida no programa de repatriação (Lei 13.254/2016). Argumentou que há previsão constitucional para o recebimento de parte do montante recebido pelo governo federal e que o impasse com os municípios surgiu a partir do veto ao parágrafo 1º do artigo 8º da norma, que previa cumprimento da regra constitucional na distribuição.
Em sua decisão, o juiz federal, apesar de não ver qualquer elemento para concessão da liminar, destacou que o debate sobre a natureza da multa justifica a imposição do depósito em juízo. Nesse sentido, definiu ser viável seguir o entendimento provisório do Supremo Tribunal Federal sobre o tema.
Foram apresentadas no STF ações por estados, conjunta e individualmente, questionando a repartição dos valores arrecadas entre os entes federados. A Acão Cível Originária 2.931 foi apresentada pelo Piauí, enquanto a ACO 2.941 é de autoria de Alagoas, Amapá, Amazonas, Bahia, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Santa Catarina, Roraima, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Tocantins.
Nessas ações, os argumentos dos estados são similares aos de Rosana. Eles alegam que a lei de regularização inclui nos recursos destinados ao fundo de participação a alíquota de 15% de Imposto de Renda incidente sobre os valores, mas deixa de fora a multa. Isso contraria o conceito de “produto da arrecadação”, conforme definido no artigo 159, I, da Constituição Federal, que trata do FPE.
“Encargos incidentes sobre os tributos, tais como multas e juros, são também classificáveis como ‘produtos’ da sua arrecadação”, diz a ação. Cita ainda a Lei Complementar 62/1989, que inclui o FPE na base de cálculo das transferências, além dos impostos, adicionais, juros e multa moratória.
“Não se trata aqui de um mero conflito patrimonial entre níveis de governo, senão da vulneração de regras constitucionais que servem de base à partilha constitucional de tributos, ligadas à própria autonomia político-administrativa dos Estados-membros”, diz a ACO. Os autores ainda ressaltam que se trata de um real conflito federativo, e não mera disputa entre entes federativos.
Em ambas, relatadas pela ministra Rosa Weber, os pedidos liminares foram atendidos da mesma maneira que a decisão do juiz federal Claudio de Paula dos Santos. “Diante do exposto, defiro, em juízo de mera delibação, o pedido subsidiário deduzido na Petição nº 62.930/2016 (doc. 9), no sentido de determinar o depósito, em conta judicial à disposição deste juízo, do valor correspondente do Fundo de Participação dos Estados relativo ao autor, incidente sobre a multa a que se refere o art. 8º da Lei nº 13.254/16”, disse a julgadora em novembro deste ano.
Além das ACOs, há também a Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.627, que foi ajuizada pelo PSB, mas tem a Confederação Nacional dos Municípios e a Frente Nacional dos Prefeitos como amigos da corte. O partido alega que a lei não prevê que o valor arrecadado pela multa seja destinado ao fundo, apesar de a Constituição garantir que o produto da arrecadação do IR seja destinado aos entes federados por meio do FPM. E isso inclui não só o imposto, como também a multa. A ADI tem o ministro Marco Aurélio como relator. O julgador definiu, no último dia 9, que a questão seja julgada diretamente pelo Plenário do Supremo.
Multa moratória
Um dos argumentos usado por Flauzino na peça foi a natureza moratória da multa da repatriação. Segundo o advogado, o veto ao parágrafo 1º do artigo 8º da Lei 13.254/2016 pela Presidência da República contraria a Norma Complementar 62/89, que garante a repartição de recursos obtidos em penalidades de mora.
Porém, o juízo federal não aceitou tal argumentação justamente porque a natureza da multa determinada no regime de regularização não estaria plenamente definida. “É certo que o art. 1º, parágrafo único, da Lei Complementar nº 62/89 fala em multa moratória; daí, provavelmente, a razão do veto presidencial, por não vê-la dessa maneira.”
Nesse ponto, o juiz federal também citou entendimento já proferido pelo STF. Na ACO 2.941, o ministro Luis Roberto Barroso explicou que o Direito Tributário define três tipos de multas: as moratórias, as punitivas isoladas e as punitivas acompanhadas de lançamento de ofício. “Definir com precisão a que natureza se refere a multa estipulada no art. 8º do RERCT é questão que exige maior reflexão, incompatível com o momento processual presente.”
Regularização de capitais
A regularização de capitais foi encerrada no dia 31 de outubro deste ano, mas um novo regime especial está sendo estudado no Senado. A ideia é do presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL). Ao todo, foram arrecadados R$ 46,8 bilhões.
A ideia de Renan é que um novo programa de repatriação permitisse a participação de políticos e ocupantes de cargos de diretoria em estatais, o que é proibido pela lei atual. Essa vedação é mantida na minuta enviada por tributaristas ao Ministério da Fazenda.
De acordo com o projeto, dos advogados Marcelo Knopfelmacher e Humberto Gouveia, políticos que desejem regularizar sua situação fiscal devem renunciar ao cargo até o dia 31 de dezembro deste ano. E, a partir do momento da inscrição, ficariam inelegíveis por quatro anos.
A minuta também aumenta as alíquotas a serem pagas pelos interessados. Em vez dos 15% de imposto e 15% de multa, os tributaristas sugerem 17% de IR, mais 17% de multa. O projeto mantém a obrigação de comprovação da origem lícita dos ativos. A abertura de um novo projeto nesse sentido é apoiada por tributaristas.
O novo projeto foi aprovado pelo plenário do Senado no dia 23 de novembro. O texto foi aprovado na forma da emenda substitutiva do senador Romero Jucá (PMDB-RR) e segue agora para a Câmara dos Deputados. A iniciativa estabelece que os recursos poderão ser legalizados mediante o pagamento de 17,5% de Imposto de Renda e mais 17,5% de multa (no programa anterior, as alíquotas eram de 15%), desde que eles sejam de origem comprovadamente lícita. O novo prazo será de 120 dias, contados 30 dias após a publicação da lei.
Anistiados
Além disso, a Justiça Federal já extinguiu, conforme prevê a lei de regularização, ações contra alguns réus que repatriaram recursos. Em novembro deste ano, o juízo da 2ª Vara Federal Criminal Especializada em Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e Crimes de Lavagem ou Ocultação de Bens, Direitos e Valores de São Paulo absolveu três pessoas que decidiram legalizar valores junto à Receita Federal.
O juízo entendeu que quem é acusado de evasão de divisas de origem não comprovadamente ilícita pode aderir ao regime de repatriação de recursos previsto na Lei 13.254/2016 e deixar de responder por esse delito. Após os réus aderirem ao programa de repatriação, a defesa deles, comandada por Augusto de Arruda Botelho, sócio do Cavalcanti & Arruda Botelho Advogados, pediu que fosse declarada a extinção da punibilidade, conforme prevê a Lei 13.254/2016. O Ministério Público Federal apoiou o pedido dos advogados.
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