Método clássico

Sérgio Cabral vira réu por ocultar propina em compras caras e driblar o Coaf

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16 de dezembro de 2016, 14h57

Ainda que a mera compra de bens com quantias oriundas de práticas criminosas não configure lavagem de dinheiro, o uso de altos valores, para dificultar rastreamento, e a estruturação das transações, para evitar comunicação de operação suspeita, constitui o método de ocultação e dissimulação chamado de smurfing.

Valter Campanato - Arquivo/Agência Brasil
Para Sergio Moro, há indícios fortes de que Cabral e sua mulher receberam propina e tentaram ocultá-la via compras caras.
Valter Campanato – Arquivo/Agência Brasil

Entendendo que o ex-governador do Rio de Janeiro Sergio Cabral (PMDB), sua mulher, Adriana Ancelmo, e outros quatro acusados usaram essa técnica para esconder propinas recebidas da Andrade Gutierrez, o juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba Sergio Moro recebeu, nesta sexta-feira (16/12), denúncia do Ministério Público Federal, tornando-os réus por corrupção, lavagem de dinheiro e ajuste fraudulento de licitações.

Esse caso trata apenas dos pagamentos ilícitos de R$ 2,7 milhões que a empreiteira, segundo o MPF, teria feito a Cabral no âmbito do contrato de terraplanagem do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro que obteve junto à Petrobras em 2008. Tal acordo tinha o valor inicial de R$ 819,8 milhões. Contudo, cinco aditivos elevaram essa quantia para R$ 1,18 bilhão. As demais investigações contra o ex-governador e seu grupo correm na 7ª Vara Federal do Rio.

De acordo com Sergio Moro, esse contrato “foi obtido pela Andrade Gutierrez no âmbito dos ajustes fraudulentos de licitação realizados entre as empresas fornecedoras da Petrobras”. Posteriormente, os executivos da empresa acertaram as propinas com o então governador do Rio e seus aliados, disse o juiz.

De forma a ocultar os valores oriundos de corrupção, o grupo de Cabral usou duas estratégias, apontou Moro. Uma delas foi a de comprar bens mediante pagamento de altas quantias em espécie. Assim, por exemplo, o peemedebista fez várias aquisições de roupas na grife italiana Ermenegildo Zegna, que totalizaram R$ 258,9 mil.

No entanto, eles usaram outra tática para dissimular essas operações. Como a Lei 9.613/1998 e a Circular 3.461/2009 do Banco Central estabelecem que as transações bancárias superiores a R$ 10 mil devem ser comunicadas ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), Sérgio Cabral e seus aliados dividiram os pagamentos em parcelas sempre inferiores a esse teto. Com isso, as compras na Ermenegildo Zegna, retomando o exemplo anterior, foram feitas em 32 depósitos diferentes.

Essa prática, conforme Sergio Moro, é denominada smurfing e é clássica em lavagens de dinheiro. Baseado nessas provas documentais e nos depoimentos dos ex-presidentes da Andrade Gutierrez Rogério Nora de Sá e Clóvis Renato Numa Peixoto Primo (também alvo da denúncia), o juiz da “lava jato” entendeu haver suficientes indícios de autoria e materialidade e aceitou a denúncia.

Prisão dupla
Sérgio Cabral foi preso no dia 17 de novembro sob a acusação de cobrar propina em contratos com o poder público. Outras sete pessoas investigadas também foram presas na ocasião.

O peemedebista foi alvo de dois mandados de prisão preventiva, um expedido pelo juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal do Rio de Janeiro, e outro pelo juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba. A ação em conjunto no Rio e em Curitiba tem como objetivo aprofundar investigações sobre um esquema que envolvia o pagamento de propinas para a execução de obras públicas no estado, como a reforma do Maracanã e a construção do Arco Metropolitano, e posterior ocultação desses valores.

Segundo o Ministério Público Federal, a organização criminosa envolve dirigentes de empreiteiras e políticos de alto escalação do governo do Rio de Janeiro. Cabral seria o líder do esquema. O prejuízo estimado é superior a R$ 220 milhões.

Em sua decisão, Moro aponta que a quantia total ainda não foi localizada e há, assim, risco de que os valores desapareçam, o que pode impedir sua recuperação. O juiz também apontou haver risco de fuga para o exterior.

Já o juiz Marcelo Bretas justificou a medida com base nos indícios de que os suspeitos estariam executando operações fraudulentas para lavar dinheiro e ocultar patrimônio. Ele também apontou que é preciso interromper as práticas criminosas para evitar que os produtos do crime sejam ocultados.

No dia 21 de novembro, Cabral teve um Habeas Corpus negado pelo desembargador Abel Gomes, da 1ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Ele justificou sua decisão citando que a defesa do ex-governador não comprovou ausência de justa causa para a prisão. Também não apresentou documentação capaz de instruir o pedido.

“Haja vista que o Habeas Corpus é uma ação constitucional e que, portanto, é ônus da parte impetrante instruí-la com base mínima para que o pedido possa ser conhecido pelo fundamento do art. 648, inciso I do CPP”, disse.

O desembargador também destacou que, além da falta de instrução correta, as outras questões apresentadas pela defesa "são teses abstratas que não encontram correspondência nas questões fáticas ligadas à competência e ao tempo de prisão". "Sendo assim, não há como conhecer do presente writ”, complementou o relator do caso no TRF-2.

Quatro dias depois, a Justiça do Rio de Janeiro bloqueou R$ 1 bilhão em bens do ex-governador fluminense Sérgio Cabral, da empresa multinacional Michelin e de outras cinco pessoas. A decisão atende a pedido do Ministério Público, depois que a Justiça considerou irregular a concessão de incentivos fiscais de R$ 1,03 bilhão à Michelin pelo governo do estado, a partir de 2010.

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Investigadores suspeitam que Adriana  usasse sua banca para receber propina
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Escritório sob suspeita
A mulher de Cabral, Adriana Ancelmo, foi presa preventivamente em 6 de dezembro sob a suspeita de tenha usado seu escritório de advocacia para lavar dinheiro repassado por empresas que conseguiram isenção fiscal junto ao Executivo fluminense durante a gestão do peemedebista.

Na semana seguinte, o Tribunal de Ética e Disciplina da seccional fluminense da Ordem dos Advogados do Brasil suspendeu preventivamente, por unanimidade, a inscrição de Adriana. A decisão impede que a profissional atue na área pelos próximos 90 dias.

Clique aqui para ler a íntegra da decisão.
Processo 5063271-36.2016.4.04.7000

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