Opinião

Acossado pelo Ministério Público, o Judiciário administra e legisla

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15 de dezembro de 2016, 13h48

No equilíbrio entre os poderes, acolhida a construção de Montesquieu, não pode um poder invadir a competência do outro, na consecução da finalidade essencial de seu funcionamento: o Executivo deve governar, o Legislativo legislar e o Judiciário julgar, com fundamento estrito, obediente à lei.

Desenvolveu-se ineditamente no Brasil a ditadura do Judiciário promovida por alguns dos seus membros e membros destacados: acossado pelo Ministério Público, o Judiciário administra e legisla. Em todos os planos. Inclusive no plano constitucional, depois, claro, de os magistrados exibirem-se na imprensa — numa disputa de vaidade com o MP —, proferindo declarações sobre os mais variados temas, principalmente aqueles sob seu julgamento.

O Poder Judiciário revogou seu compromisso incondicional com a lei, e, para suprir o déficit democrático, pois seus membros não resultaram da escolha democrática popular, aproveita-se da perigosa e generalizada campanha de desmoralização e mesmo deslegitimação do Poder Legislativo, agora com fundamento na mais recente descoberta da pólvora: em um sistema e regime tributário extorsionário, as campanhas eleitorais — inclusive de políticos íntegros e de extremo rigor ético — em maior ou menor expressão são financiadas com recursos oriundos de caixa dois. Fato é que, desse modo, pretende o Judiciário a ligação direta com o povo, num aliciante discurso e prática punitivista que sádicos saboreiam e malfeitores piedosos, os "homens comuns e de bem", aproveitamos para a catarse individual e coletiva.

No fundo, o cidadão que avança o farol, dirige muito ou algo alcoolizado, "aproveita" o acostamento, sonega imposto para obter desconto do médico renunciando ao recibo, nutre uma invencível inveja, uma tristeza imensa pela "felicidade" de quem se locupletou de milhões; mas ele, incompetente, não. O corrupto deve, portanto, ir para cadeia: roubou muito, capaz de fazer-se rico, enquanto nas minhas pequenas desonestidades continuo pobre; pior: é alguém diferenciado, competente, talentoso e mais inteligente. Eu?, medíocre entre os milhões de medíocres. Se preso, o ídolo de minha inveja será destronado e punido pelo que surrupiou e eu não pude surrupiar. Ele receberá a marca, o estigma, a autenticação de sua incompetência: ganhou mais do que ganhei, mas eu continuo seguindo a vida. Claro, haverá entre nós uns poucos de alma agostiniana.

No último futebol society, ao revezarmos no gol, um "companheiro" sempre deixava — com arremedos de dedicação — a bola entrar. Ao término do jogo, confessou: "— se agarrasse todos os chutes não voltaria a jogar na linha". Traiu o dever para obtenção de vantagem. Corrompeu-se.

A idolatria ao MP e à magistratura significa o vazio institucional do Poder de maior lastro na democracia, o Poder Legislativo, e a deposição nas mãos do acusador e do julgador do poder de impor, a seu gosto e casuisticamente, o que seja permitido ou proibido. A partir de uma tal imposição, não decorrente da vontade da maioria mas de suas vísceras desejantes, estão prontos a nos processar e punir a seu exclusivo critério e prazer. Não se iluda o povo.

Contra o texto claro e o espírito da Constituição redefiniu o Supremo Tribunal Federal o que seja família e casamento, instituições fundamentais cujo conceito, significado e densidade não poderiam ser sequestrados do povo. Desafiando redação expressa do Texto Maior, que inscreve a garantia fundamental da "presunção de inocência" entre as cláusulas pétreas, fez-se o STF poder constituinte derivado para, do plenário da Corte, propor e aprovar Emenda Constitucional, e, assim, reescrever o texto e alterar radicalmente o sentido dessa norma e desse princípio constitucional.

Recentemente, confrontando expresso princípio constitucional de proteção à vida e ignorando incriminação clara no Código Penal, consentiu-se o aborto até o terceiro mês de gestação e, na sequência, deve aprovar o aborto em virtude de zika, numa espécie de eugenia moderna, em que não só a vida, o amor e o tempo (Baumann) mas também o Direito tornou-se líquido. Como já disse, é a Justiça de Ceschiatti querendo fazer da Praça do Três Poderes uma praça exclusivamente sua. Desejável à espada continuar simbolicamente descansada sobre as pernas; do duro e frio granito.

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