Opinião

O povo brasileiro é muito melhor que a maioria dos nossos políticos

Autor

  • Paulo da Cunha Boal

    é juiz do Trabalho presidente da Associação dos Magistrados do Trabalho do Paraná (Amatra IX) e diretor administrativo da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra).

8 de dezembro de 2016, 6h31

Durante os últimos anos, tornou-se corriqueiro dizer que a classe política simplesmente representa um povo acostumado a pequenos gestos de corrupção e que, nessa condição, merece os resultados nefastos de séculos de má gestão da coisa pública.

Essa afirmação ganhou corpo a cada processo eleitoral, em que candidatos historicamente envolvidos em escândalos de corrupção e má gestão obtiveram a maioria dos votos e sagraram-se vereadores, prefeitos, deputados estaduais ou federais, senadores, governadores e presidentes da República. 

Olhando tão somente o resultado das urnas, a lógica parece irrefutável: gostamos de eleger políticos corruptos.

Porém, análise mais apurada demonstra que a população brasileira é escrava de um processo político-eleitoral tão asqueroso que raramente sobram opções viáveis.

As últimas eleições comprovam parte do afirmado no parágrafo anterior. Em várias capitais importantes do país, metade dos candidatos enfrenta ou enfrentou processos pelos mais variados delitos.

Recente pesquisa do site Congresso em Foco encontrou “415 registros na Justiça contra 86 das 178 pessoas que concorrem a cargos executivos nas 26 capitais do país”. Ainda segundo informações do site, “a capital de São Paulo, o maior colégio eleitoral do país, concentra pelo menos um quarto do total destes processos. Em São Paulo, seis dos onze candidatos à Prefeitura da capital paulista enfrentam 106 ações judiciais. Quatro dos postulantes paulistanos estão entre os dez candidatos que são réus em mais processos no país inteiro”.

Outro exemplo significativo é a região de Rio Preto (SP), onde 13 dos 26 candidatos a deputado federal nas eleições de 2010 respondiam a 61 processos na Justiça, incluindo ações por improbidade administrativa, fraude à lei de licitações, abuso de poder econômico em eleição e crime contra a administração pública, sendo que sete deles já tinham pelo menos uma condenação.

A constatação se torna ainda mais assustadora quando se observa que os candidatos com maior quantidade de processos representam siglas tradicionais e economicamente beneficiadas por doações milionárias de poderosos grupos econômicos, notadamente grandes empreiteiras, instituições financeiras e conglomerados empresariais que atuam em vários segmentos.

Em 27 de março de 2015, a revista Exame publicou matéria sobre os maiores doadores de campanha, indicando que várias empresas chegaram a doar até 66% de seus lucros para partidos políticos. Nesse contexto, a maior doadora foi a empresa JBS, que repassou R$ 361,8 milhões, equivalente a 42,5% do lucro líquido obtido pela empresa em 2013. Já a UTC, umas das empreiteiras investigadas por envolvimento no esquema de corrupção na Petrobras, repassou R$ 52,8 milhões, ou seja, “mais de 66% do lucro da empresa em 2013 foi repassado a candidatos das eleições de 2014. Os partidos que tiveram mais políticos beneficiados foram PT, PSDB, DEM”.

Ainda em relação à JBS, entre os anos de 2014 e 2016, o BNDES pode ter sido lesado em R$ 847,7 milhões nas operações de crédito realizadas com a empresa, que obteve financiamentos subsidiados na ordem de R$ 8,1 bilhões para a aquisição de frigoríficos no Brasil e no exterior, segundo informações do jornal Folha de S.Paulo. Lembrando que ainda não nos foi revelado de forma clara qual foi o montante dispensado pela empreiteira Odebrecht no financiamento de campanhas, doações não contabilizadas e propinas a diversos partidos políticos e agentes públicos.

Num sistema eleitoral em que se privilegia o marketing eleitoral gerenciado por marqueteiros contratados a peso de ouro, a probabilidade de vitória dos políticos com maior capacidade econômica é tão natural quando o resultado de uma corrida entre uma Ferrari e uma Kombi.

Nas campanhas eleitorais atuais, os marqueteiros apresentam candidatos imaculados, apoiados por partidos tradicionais, e com campanhas tão cheias de promessas que nos dão a sensação de que caminhamos a passos largos rumo ao bem-estar social. 

Os “produtos” oferecidos durante a campanha (principalmente no horário gratuito de rádio e televisão) são tão cheios de virtudes que é difícil não acreditar que problemas emergenciais como saúde, educação e segurança pública não serão resolvidos na primeira semana de governo. 

Apresentados dessa forma, a população brasileira deve escolher entre os candidatos indicados pelos partidos políticos, independentemente do histórico criminal de cada um deles.

Assim, não surpreende que o Congresso Nacional tente aprovar a toque de caixa e na calada da noite um projeto de lei que criminaliza o abuso de autoridade, tendo por escopo principal cercear a capacidade investigativa do Ministério Público e a autonomia do Poder Judiciário; que, em efeito prático primário, ocultaria as relações promíscuas entre vários congressistas e os grandes doadores.

Na hipótese de aprovação do projeto de lei, na forma como proposto, a operação “lava jato”, responsável pelo desmanche da rede de corrupção institucionalizada no país, será a primeira a sofrer o impacto do nefasto projeto de lei.

Neste momento da história em que o Poder Judiciário e o Ministério Público representam a esperança do povo brasileiro em extirpar o câncer da corrupção, o Congresso Nacional luta desesperada e sorrateiramente para enfraquecer essas instituições, ameaçando promotores e juízes que ousam dar início ou continuidade a investigações envolvendo políticos e terceiros a eles vinculados.

Assim, o projeto em gestação não ofende apenas membros do Ministério Público e da magistratura, mas toda a sociedade brasileira, formada em sua esmagadora maioria de pessoas decentes, honestas e trabalhadoras que ostentam a esperança de um Brasil mais justo e equânime.

O povo brasileiro é muito melhor que a maioria da composição de nossas casas legislativas e dos detentores de cargos executivos.

Para que possamos votar “melhor”, é imprescindível que os partidos políticos nos apresentem candidatos com melhores condições éticas e morais, que atendam aos anseios do povo e não se preocupem apenas em pagar a fatura aos grandes grupos econômicos que doam grande parte dos seus lucros para obtenção de contratos milionários com a administração pública.

Finalizando, é importante ressaltar que cada centavo desviado dos cofres públicos é um tijolo a menos para a edificação de escolas, creches, hospitais e capacitação dos agentes responsáveis pela segurança de nossa população.

Autores

  • Brave

    é juiz do Trabalho, presidente da Associação dos Magistrados do Trabalho do Paraná (Amatra IX) e diretor administrativo da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra).

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!