Crise sobre crise

Com honorários menores e inadimplência alta, ano foi de muito trabalho para bancas

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7 de dezembro de 2016, 12h56

Com honorários mais baixos e atrasos nos pagamentos, o ano de 2016 foi de bastante trabalho para os escritórios de advocacia, especialmente nas áreas de contencioso, criminal e recuperação de empresas. Mas a crença geral é que em 2017 a economia brasileira deve voltar a melhorar, beneficiando as bancas. Essa é a avaliação de diversos advogados ouvidos pela ConJur na festa de fim de ano do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa) e do Sindicato das Sociedades de Advogados dos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro (Sinsa), ocorrida no Jockey Club de São Paulo nessa terça-feira (7/12).  

Felipe Lampe
Marcos da Costa, presidente da OAB-SP; Carlos José Santos da Silva, presidente do Cesa; Luiz Otávio de Camargo Pinto, presidente do Sinsa; e Roberto Parahyba de Arruda Pinto, presidente da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas.
Felipe Lampe

Para o presidente do Cesa, Carlos José Santos da Silva, o Cajé, 2016 não foi um ano brilhante, pois, ao contrário do senso comum, “advogado não lucra com crise econômica”. No entanto, ele avalia que as sociedades de advogados conseguiram atravessar bem o período turbulento, mesmo que muitas tenham tido que reestruturar suas operações. A seu ver, 2017 deve começar em marcha lenta, e engrenar com as oportunidades que vão se abrir no setor de infraestrutura e compra de ativos.

José Luis de Salles Freire, sócio do TozziniFreire Advogados, também acredita que a retomada das concessões públicas pode ajudar a melhorar o cenário econômico e impulsionar as áreas regulatória e de infraestrutura. Além delas, os setores de compliance, recuperação judicial, contencioso e criminal devem repetir 2016 e ficar em alta, analisa. Segundo Freire, as áreas do Direito Empresarial foram as que mais sofreram em 2016 — como fusões e aquisições e societário. Mas escritórios full service — como o TozziniFreire — conseguem contornar melhor a crise, diz, pois as especialidades mais demandas compensam as que estão em baixa.

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Durante evento, membros do Cesa assinaram novos projetos para a entidade, que reúne escritórios de advocacia.
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O especialista em Direito da Concorrência Tito Amaral de Andrade, sócio do Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados, afirma que a sua área teve um resultado muito bom no ano, bem como as de contencioso, recuperação judicial, aquisições de empresas em crise e ambiental. De acordo com ele, a atuação no campo de antitruste tem crescido tanto na parte de investigações de condutas anticompetitivas quanto na de avaliações do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) sobre fusões e aquisições. A seu ver, essa área deve continuar em alta em 2017. Outros setores que podem se destacar, conforme a opinião de Andrade, são os de infraestrutura — que sofreu um pouco em 2016 — e mercado de capitais — além dos que já foram bem neste ano.

Para os advogados tributaristas, o ano foi bom, ressalta Gustavo Brigagão, sócio do Ulhôa Canto, Rezende e Guerra Advogados. Isso porque o programa de regularização de ativos no exterior “movimentou muito o mercado”. E mais: as áreas de planejamento fiscal e contencioso tributário tiveram bastante trabalho, relata. A previsão de Brigagão para 2017 é boa, “até porque já chegamos ao fundo do poço”. Dessa forma, ele avalia que áreas como fusões e aquisições podem voltar a crescer.

Danny Fabrício Cabral Gomes, sócio do Cabral Gomes & Thronicke Advogados Associados, diz que 2016 “foi um ano duro, porém de esperança”. Conforme conta, as áreas de recuperação judicial, franchising e ação civil pública se saíram bem no período, e devem continuar em alta, embora setores ligados a investimentos ainda não devam retomar o crescimento.

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Participaram do evento os advogados Luiz Flávio Borges D'Urso, Antonio Correa Meyer, Marcos da Costa (presidente da OAB-SP), Sonia Marques Dobler, Henrique Ávila, Fabiana Nitta e Márcio Vieira Souto Costa Ferreira.
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Negociações com clientes
Por conta do cenário de recessão e do impacto dele nas empresas, os escritórios tiveram que renegociar seus honorários e condições de pagamentos em 2016. Para Ricardo Tosto, sócio do Leite, Tosto e Barros Advogados, a queda das receitas dificultou a vida das bancas. Porém, ele acredita que a situação vá mudar no ano que vem, que deve ter muito serviço para os especialistas em Direito Penal, Arbitragem e Mediação.

“A palavra deste ano foi ‘parceria’”, destaca Ulisses Sousa, sócio do Ulisses Sousa Advogados Associados. Isso porque os orçamentos apertados dos clientes e os aumentos de demandas forçaram as bancas renegociarem seus honorários e condições de pagamentos. A seu ver, “tivemos muitos litígios e poucos negócios” em 2016. Tal situação só irá mudar em 2017 se os Poderes da República pararem de brigar entre si. Caso contrário, os empresários continuarão com medo de investir, opina.  

Antonio Carlos de Oliveira Freitas, sócio do Luchesi Advogados, igualmente aponta a queda no valor dos honorários. Contudo, ele diz que o aumento na procura de serviços jurídicos acabou compensando essa redução. Para ele, as áreas de contratos e operações estruturadas se destacaram, pois são uma alternativa de investimentos em face da redução de crédito. No ano que vem, deve aumentar o número de ações cíveis e trabalhistas, prevê Freitas.

Felipe Lampe
Festa no Jockey Club contou com a presença de grandes nomes do Direito nacional.
Felipe Lampe

Devido à crise econômica, as firmas tiveram que se reinventar, nota Alexandre Atheniense, sócio do Sette Câmara, Corrêa e Bastos Advogados Associados. E isso especialmente na área de tecnologia. Em sua análise, os escritórios que lidam com contencioso não podem deixar de atualizar seus sistemas de informática. “Nos próximos dois anos, vamos ter um dos atuais 12% de processos integralmente tramitando de forma digital para 40%. Então, a dependência de tecnologia vai triplicar. E isso vai impactar no modelo de negócios dos escritórios. Será preciso readaptar os processos internos para ser competitivo”.

Já o integrante do Conselho Nacional de Justiça Henrique Ávila entende que as instituições devem ajudar a superar esse momento difícil. “É nos tempos de crise, econômica e política, como a que vivemos atualmente, que se faz necessária uma posição firme das instituições, como a advocacia, órgãos do Poder Judiciário e do Ministério Público. Sem dúvida, no próximo ano essa demanda social será ainda maior, e esperamos contar, ainda mais, com essas instituições, que devem ser valorizadas em todos os níveis, inclusive e principalmente com o apoio do Conselho Nacional de Justiça”.  

Futuro assustador
Ainda que o mercado da advocacia penal esteja aquecido, os profissionais da área não estão felizes. A razão disso é o rebaixamento do direito de defesa que acreditam que esteja ocorrendo no país. De acordo com Técio Lins e Silva, sócio do Técio Lins e Silva, Ilídio Moura & Advogados Associados e presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), era mais fácil ser criminalista na ditadura militar (1964-1985) do que atualmente.

Divulgação IAB
Era mais fácil ser criminalista na ditadura do que atualmente, diz Técio Lins e Silva.

“Os tribunais militares tinham suas contradições, mas a gente obtinha resultados. E mais do que isso: éramos respeitados como advogados, mesmo defendendo os inimigos do regime. Coisa que hoje não acontece, porque o advogado é confundido com o cliente — é advogado de bandido, é advogado de empreiteiro, é advogado de rico. Hoje há um preconceito, uma criminalização da atividade de defesa. Ou seja: o direito de defesa é menos respeitado hoje do que foi na ditadura militar. Eu digo isso com o coração sangrando. São tempos de cólera que vivemos hoje”, lamenta, conclamando as entidades da sociedade civil a reagirem contra esses abusos.

Augusto de Arruda Botelho, sócio do Cavalcanti & Arruda Botelho Advogados, tem visão semelhante. Embora ressalve que 2016 foi um ano comercialmente bom, o saldo é negativo, a seu ver.

“Foi um ano de muito trabalho, mas de poucas vitórias para os advogados que militam na área criminal e acreditam em um sistema judicial mais justo e mais humano. Nós observamos o avanço do discurso punitivista, o abuso de prisões preventivas absolutamente desnecessárias. Do ponto de vista do direito de defesa, foi um ano muito difícil. Eu sou pessimista quanto a 2017 para o direito de defesa. A escalada punitivista e a modificação da jurisprudência de todos os tribunais, incluindo do Supremo, vão ter um impacto negativo. A população que vai acabar pagando o preço dessa flexibilização, ao contrário do que todo mundo imagina, é a população carente, que não tem acesso à Justiça."

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