Cabo de guerra

Senado não poderia ignorar cautelar do STF, afirmam advogados

Autor

6 de dezembro de 2016, 18h55

Especialistas ouvidos pela ConJur disseram que a Mesa do Senado não poderia ter ignorado a decisão cautelar do ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, que afastou o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) da Presidência da Casa. A advogada constitucionalista Vera Chemim classificou o caso de “inédito”. “Qualquer cautelar ou outro tipo de ordem judicial não pode ser ignorada e tampouco rejeitada. Trata-se, acima de tudo, de uma notificação que deve ser obedecida, não importando quem seja o destinatário.”

Nesta terça-feira (6/12), a Mesa do Senado decidiu não aceitar o afastamento imediato do presidente da Casa porque entendeu que a decisão do vice-decano feriu a Constituição ao não assegurar o direito ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa. Por isso, o Senado afirmou que vai aguardar a deliberação final do Plenário do STF, marcada para esta quarta-feira (7/12), sobre a decisão monocrática. Na prática, Renan continua na direção da Casa. Na avaliação de Vera, a atitude do Legislativo pode ser caracterizada como desobediência à ordem judicial, e, no caso de foro especial por prerrogativa de função, de obstrução à Justiça. Os advogados do Senado já questionaram a decisão cautelar.

Para Marcus Vinicius Macedo Pessanha, advogado especialista em Direito Constitucional do escritório Nelson Wilians, a insubordinação a uma determinação expressa do órgão máximo do Poder Judiciário flerta com a desobediência civil, mas muito diferente daquela que era pregada pelo filósofo norte-americano David Thoreau (1817-1862). “Enquanto Thoreau enxergava a desobediência civil pacífica, mas constante, como uma forma de tornar a sociedade mais justa, no presente caso, vemos os Poderes da república afrontando um ao outro sem qualquer compromisso com o interesse público.”

O advogado afirma, porém, que o ministro Marco Aurélio não deveria ter decidido a questão monocraticamente, mas levado o pedido feito pelo partido Rede Sustentabilidade em uma ADPF para ser deliberado no Plenário. Para ele, essa disputa político-jurídica está prejudicando o respeito às garantias fundamentais e processuais.

Já o criminalista Fernando Augusto Fernandes argumenta que decisões judiciais devem ser respeitadas, assim como a divisão de poderes. “No caso de o STF decidir que há impedimento em assumir a Presidência da República a quem responde a ação penal, precisará enfrentar que Renan foi eleito antes da decisão do Supremo. Está se criando um impedimento de ser eleito presidente do Senado quem responde a ação penal. Mas este impedimento não ocorria no momento da eleição. Dessa forma, transparece que o impedimento poderia se configurar somente na linha sucessória da Presidência, saltando do presidente do Senado para a Presidência do STF.”

Mas no entender do especialista em Direito Administrativo Marcos Joel dos Santos, sócio do Cassel Ruzzarin Santos Rodrigues Advogados, “não há nada de descumprimento, ilegalidade ou irregularidade no caso. Há muita espuma porque estamos no campo político, onde isso é legítimo. Mas no campo jurídico não há nada de relevante”.

Ainda de acordo com Santos, o oficial de justiça poderia ter certificado que o presidente do Senado estava se negando a receber a citação e ido embora. “Ninguém é obrigado a assinar uma citação. Ninguém é obrigado a assinar seja lá o que for. Mas para isso o Direito traz solução, qual seja, o oficial certifica que o ‘réu’ tomou conhecimento e pronto, vale pela assinatura”, afirma.

O advogado conclui explicando que nenhuma decisão judicial é implementada por nenhum órgão no mesmo dia. Segundo ele, todos os órgãos de toda a administração pública levam, em média, 15 dias para cumprir uma determinação da Justiça, porque a administração tem suas burocracias para seguir, inclusive para implementar uma decisão judicial”.

Já o advogado constitucionalista Adib Abdouni lembra que todos são iguais perante a lei. “A Constituição Federal não concede, a quem quer que seja, imunidade contra o cumprimento e execução das decisões judiciais”, ressalta.  “A postura do senador Calheiros, em nítido desrespeito a uma decisão do STF, conflita com a separação, harmonia e independência que deve haver entre os Poderes da República.”

Segundo Sylvia Urquiza, sócia da Urquiza, Pimentel e Fonti Advogados, de maneira alguma um parlamentar pode descumprir decisão judicial. “Porém, essa decisão, em nível de cautelaridade, deve ser legal, emanada de autoridade competente e passível de cumprimento pelo atingido.”

“Ademais, por se tratar de decisão cautelar, devem estar presentes a fumaça do bom direito e o perigo da demora da resposta judicial (fumus boni iuris e periculum in mora). Ou seja, a necessidade da urgência da medida. A decisão se bate, ainda, com preceito fundamental da presunção de inocência. Acredito que o senador Renan Calheiros, para melhor agir, deveria ter recorrido da decisão se a entendeu ilegal, e não aguardar o julgamento do pleno, ignorando a ordem”, complementou.

Histórico
Renan foi afastado da Presidência do Senado porque o ministro Marco Aurélio entendeu que ele não pode ocupar um cargo que o deixe na linha sucessória da Presidência da República por ter se tornado réu em uma ação penal por peculato. Segundo o artigo 86, parágrafo 1º, inciso I, da Constituição, não pode ser presidente do país quem for réu no Supremo por crime comum.

A cautelar foi pedida pela Rede na ação que discute a questão em tese. O julgamento dessa ação relatada por Marco Aurélio começou e já há seis votos dizendo que réus não podem estar na linha de sucessão da Presidência da República. A discussão foi interrompida por pedido de vista do ministro Dias Toffoli.

ADPF 402

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!